O livro ‘A História que um dia também vais contar’ foi lançado no início deste mês e representa o culminar de um projecto musical que envolveu milhares de alunos de escolas de Portugal e da diáspora, numa iniciativa inédita para assinalar os 50 anos do 25 de Abril. A ideia surgiu durante o período de confinamento, em 2020, quando o professor, músico e cantor Pedro Dyonysyo decidiu compor uma canção original que explicasse às crianças, de forma simples e acessível, o significado da Revolução dos Cravos. O tema, escrito e gravado para integrar as comemorações online do Município do Entroncamento, rapidamente ganhou dimensão nacional e internacional, sendo adoptado por professores como um recurso educativo para trabalhar a liberdade e a democracia nas salas de aula.
O entusiasmo gerado levou à criação de um vídeo comemorativo que reuniu 50 escolas de Portugal e de países como Timor-Leste, São Tomé e Príncipe, Macau, França e Estados Unidos da América, juntando milhares de crianças a cantar em uníssono a história de Abril. O projecto tornou-se um fenómeno educativo e, mais tarde, chegou à Assembleia da República, onde 50 alunos de diferentes escolas do país interpretaram a canção na Casa da Democracia.
O impacto desta iniciativa levou Pedro Dyonysyo a dar um novo passo e a transformar a canção num audiolivro educativo, inclusivo e interactivo. Com ilustrações de Carla Pinto, o livro, impresso com tintas de água em papel reciclado, conta com o apoio da Gráfica Almondina e inclui uma versão em Língua Gestual Portuguesa, garantindo uma maior acessibilidade a crianças surdas. A obra conta ainda com um prefácio assinado pelo Capitão de Abril Vasco Lourenço e testemunhos de figuras como José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, Carlos Dionísio, JM Correia Bernardo e António Garcia Correia, todos intervenientes directos na Revolução dos Cravos.
A apresentação oficial do audiolivro decorreu no dia 1 de Fevereiro, no Cineteatro São João, no Entroncamento, numa cerimónia onde participaram alunos do 1.º ciclo, que tiveram a oportunidade de apresentar os seus próprios textos sobre o 25 de Abril. O evento incluiu ainda a estreia de um videoclip especial gravado com cerca de 1.000 alunos do concelho, no Museu Nacional Ferroviário, reforçando a importância de aproximar as novas gerações da história e dos valores de Abril.
Em entrevista ao Correio do Ribatejo, Pedro Dyonysyo fala sobre a génese do projecto, o impacto transformador da música na educação e a necessidade de manter viva a memória do 25 de Abril, garantindo que os mais novos compreendem a importância da liberdade e da democracia.
O livro ‘A História que um dia também vais contar’ surge na sequência de um projecto musical que envolveu alunos de várias partes do mundo para assinalar os 50 anos do 25 de Abril. Como nasceu esta ideia e como foi a adesão das escolas?
Escrevi a canção no início de Abril de 2020 e gravei-a em áudio e vídeo para integrar a cerimónia online comemorativa do 25 de Abril promovida pelo Município do Entroncamento, dado que tínhamos acabado de entrar em confinamento e o formato presencial era impossível.
A ideia até era gravar um cover de duas canções de Abril, porém como estava em casa e com mais tempo livre, decidi arriscar escrever uma canção original sobre a temática. Porém, no início não sabia bem o que poderia acrescentar sobre o assunto, com tantas e boas canções escritas na época por excelentes autores e compositores. Até que entre os acordes que ia experimentado me sai a expressão, “esta é a história que um dia também vais contar”, a qual me remeteu de imediato para as crianças. Pensei um pouco e concluí que não existiam muitas canções que explicassem aos mais novos, de uma forma simples e resumida, o significado do 25 de Abril. A ideia de uma mensagem que passasse o testemunho de geração em geração agradou-me e pareceu-me bastante pertinente do ponto de vista educativo. Após a canção ser lançada nas redes sociais, fui surpreendido com uma reacção muito positiva por parte do público. Nos anos que se seguiram, era com alguma frequência que recebia vídeos e fotos de turmas a cantarem a canção em sala de aula. Foi isso que me motivou em Fevereiro de 2024 a lançar o desafio aos professores das escolas portuguesas do país e no estrangeiro, para me enviarem vídeos das suas turmas a cantarem a canção, a fim de compilar todos registos e celebrarmos os 50 anos de Abril com o vídeo “50 anos de Abril, 50 turmas a cantar”. Porém, ao fim de 2 semanas, em vez de 50 turmas, tinha 80 escolas inscritas em Portugal mas também em países como Timor Leste, S. Tomé e Príncipe, Macau, França e E.U.A..
A canção que escreveu e compôs para este projecto foi interpretada por milhares de alunos em escolas dentro e fora de Portugal. Como foi esse processo de coordenação e que impacto teve junto das comunidades escolares?
Para além de docente e músico, tenho também um estúdio no qual trabalho áudio e vídeo. Tal facto possibilitou-me realizar um vídeo tutorial bastante detalhado, explicando a todos os professores como poderiam filmar o vídeo e áudio nas melhores condições possíveis nas suas salas de aula, utilizando apenas telemóveis. Enviei também várias versões de karaoke da canção para os alunos treinarem em casa, na sala de aula e para os professores utilizarem na gravação do vídeo com os alunos. Foram também enviadas minutas de autorização para efeitos de cedência de direitos de imagem por parte dos encarregados de educação e direcções escolares.
Foi um processo trabalhoso, sem dúvida, mas quando comecei a receber os primeiros vídeos, fiquei bastante emocionado por ver toda aquela alegria e empenho das crianças e professores a cantarem uma canção que escrevi no recato da minha varanda em plena pandemia. Senti de imediato que o propósito pedagógico para o qual a canção havia sido escrita, estava consumado.
O livro que agora apresenta pretende ser um recurso educativo para abordar o 25 de Abril com as novas gerações. O que espera que os alunos e professores retirem desta obra?
Espero acima de tudo que ajude a manter chama de Abril acesa, para que os mais novos saibam e nunca se esqueçam que a liberdade que hoje dão como adquirida e garantida, foi na realidade conquistada por pessoas corajosas a quem lhes devemos esta homenagem e gratidão. E pelo que observo actualmente, estou convicto que será cada vez mais importante relembrar para não regredirmos.
A versão em Língua Gestual Portuguesa e a participação de escolas tão diversas demonstram um grande esforço de inclusão. Foi uma preocupação desde o início do projecto?
Quando a canção foi publicada, quatro professoras intérpretes de LGP do AE Artur Gonçalves de Torres Novas ofereceram-se para lançarmos uma segunda versão do vídeo com essa tradução. Adorei a ideia da inclusão e por isso criámos e publicámos esse vídeo, estendendo essa opção para o vídeo “50 anos de Abril, 50 escolas a cantar” e agora também no livro. A sustentabilidade e os cuidados ambientais foram outras das prioridades para esta obra, a qual foi fabricada em papel reciclado pela Gráfica Almondina.
Este projecto mostra que a música continua a ser uma forma poderosa de ensinar e sensibilizar. Acredita que poderia haver um maior investimento na música como ferramenta educativa nas escolas?
Acredito que sim. Recebi muitos feedbacks de professores e encarregados de educação a descrever o entusiasmo com que cantavam a canção em casa, trazendo a temática para a mesa de refeições, bem como relatos de crianças emocionadas com a canção (sim é verdade, quem diria…). Portanto, não tenho qualquer dúvida que a música é um poderoso recurso educativo para ensinar, sobretudo às crianças mais novas.
Filipe Mendes