O lema da protecção civil é ‘Todos somos protecção civil’. Esta é uma responsabilidade que começa em cada um de nós. Quem o diz é Mário Silvestre, comandante operacional do Comando Distrital de Operações de Socorro de Santarém que, em entrevista ao Correio do Ribatejo apela a que todos façam a sua parte: “a protecção civil é feita de cada um dos seus cidadãos e a sua eficiência, mede-se pelo comportamento, pelo civismo, pela cultura de segurança– ou falta dela – que esses cidadãos imprimem na sociedade em que estão inseridos”, afirma.
Oficial do Exército durante oito anos e director financeiro no extinto Estabelecimento Prisional de Santarém, Mário Silvestre, licenciado em gestão de empresas e pós-graduado em higiene e segurança no trabalho, foi comandante dos Bombeiros Municipais do Cartaxo durante 7 anos, antes de liderar o CDOS de Santarém.

O que está definido em termos do plano operacional para este ano?
O plano de operações do Distrito de Santarém, materializa a capacidade operacional que o Distrito tem para fazer face às ocorrências de incêndios rurais, estando a sua execução em linha com o que foi apresentado na sessão pública.
No momento em que nos encontramos, em pleno mês de Agosto e a meio do empenhamento operacional do nível IV do DECIR, é de realçar acima de tudo a capacidade que todos os agentes que contribuem para o referido Plano e por conseguinte para a defesa da floresta, têm tido para responder a todas as ocorrências que têm assolado o nosso distrito e o país.
As exigências operacionais têm colocado todo o sistema sob elevada pressão, sendo de enaltecer o profissionalismo e a competência de todos, com particular destaque para os Corpos de Bombeiros, que têm sabido gerir e comandar os diversos teatros de operações com elevados índices de proficiência, em linha com o planeado e com a conduta operacional instituída.

Na sua opinião, o que se passa no nosso país para, todos os anos, ‘se bater na mesma tecla’ relativamente ao combate de incêndios florestais?
Se me permitem, penso que a questão não pode ser colocada desta forma: não podemos continuar a ter a veleidade de pensar que o problema dos incêndios rurais está relacionado com o combate.
Este tem sido, provavelmente, o maior problema que temos tido, e que nos tem retirado a capacidade – enquanto país – para colocar em prática as necessárias alterações ao sistema de defesa da floresta contra incêndios.
Durante dezenas de anos, assistimos, enquanto sociedade, ao abandono do mundo rural e ao abandono da propriedade privada, da pequena propriedade privada que não tem potencial económico, que não representa qualquer fonte de rendimento, constituindo-se apenas como um custo para quem a detém.
Noutro país esta situação poderá não ser muito grave, mas num país em que esta propriedade representa mais de 95% do território nacional, temo um problema com uma escala gigantesca.
Quando juntamos a esta problemática, (a que podemos chamar de falta de ordenamento do território, falta de ordenamento da floresta, falta de gestão de combustíveis, de entre outros nomes que vão proliferando um pouco por todo o lado), um anormal número de ocorrências diário, passamos a ter uma fórmula explosiva para o país.
Esta fórmula, esta incapacidade que o nosso país tem para resolver o problema dos incêndios, tem infelizmente para todos, no combate o seu único e real opositor.
Com efeito, ao longo de muitos anos, o combate tem sido o único e real opositor dos incêndios florestais, a última linha de defesa da floresta e das populações.
Permitam-me que use uma analogia para tentar explicar melhor a minha linha de pensamento.
O combate é o guarda-redes do sistema, como num jogo de futebol, se os restantes 10 jogadores não marcarem golos e deixarem que o adversário remate constantemente à nossa baliza, por muito bom que seja o Guarda-redes, mais tarde ou mais cedo vai sofrer um golo e a equipa perde.
Podemos afirmar que, se todos os jogadores jogassem com a mesma garra, vontade e competência com que o guarda redes tem jogado, o resultado seria por certo muito diferente.
Não podemos por isso continuar a falar na “tecla do Combate aos Incêndios”, temos que bater na tecla que tem que responder pelo elevado número de ocorrências, pela falta de gestão de combustíveis, etc…
O combate é sempre a última linha de defesa da floresta e acima de tudo das populações, que por tudo o que foi dito anteriormente, estão cada vez mais em risco.
Por isto mesmo e por ser a face mais visível de todo o sistema, a face mais mediática, é a mais comentada.

A protecção civil tem que ser cada vez mais preventiva e menos reactiva?
A resposta a esta questão está vertida na questão anterior. A prevenção tem que ser sempre a grande aposta, mas não nos podemos deixar iludir por esta verdade incontornável.
Temos que olhar para a prevenção como algo de extrema importância, continuando a trabalhar e a investir para que a mesma seja cada vez mais eficiente. Falo propositadamente em eficiência e não em eficácia, dois conceitos tanta vez proferidos, mas quase sempre mal interpretados.
Falo em analisar e avaliar correctamente o risco, em equacionar a melhor forma de o eliminar e na impossibilidade de o fazer, limitar o seu impacto, o que poderá ser feito pela melhoria do dispositivo de resposta.
Mencionei anteriormente que não nos podemos deixar iludir por esta verdade, ou seja, não poderemos em momento algum pensar que a resposta, a reacção a um evento com elevada capacidade de dano, pode ser descurada porque estamos a trabalhar bem na prevenção.
Prevenção também é estarmos preparados para fazer fase a ocorrências, prevenção também é termos um sistema de combate a incêndios rurais bem preparado, bem equipado e suficientemente musculado para limitar os danos em caso de ocorrência.
Quando se fala em incêndios rurais, são inúmeras as vezes que ouvimos dizer que temos que investir mais na prevenção. Sendo esta afirmação uma verdade irrefutável, não podemos pensar que esse aumento de investimento na prevenção se poderá realizar “por conta” do desinvestimento no combate.
Se queremos Portugal protegido de incêndios graves, temos que investir mais na prevenção, mas em simultâneo e durante uma boa dezena de anos, também teremos que investir mais no combate.

Considera que, actualmente, a protecção civil da região está preparada para fazer frente a grandes fenómenos?
Para melhor responder à sua questão, vou tentar clarificar o que é a Protecção Civil, dizendo-lhe desde já e para usar uma frase que começa a ser muito popular, que: “A protecção civil somos todos nós”.
A protecção civil é feita de cada um dos seus cidadãos e a sua eficiência, mede-se pelo comportamento, pelo civismo, pela cultura de segurança– ou falta dela – que esses cidadãos imprimem na sociedade em que estão inseridos.
Quanto maior for a preparação da sociedade para “fazer frente a grandes fenómenos”, menor será o impacto que os mesmos terão.
Dou-lhe um exemplo, considerando o sismo como um dos maiores fenómenos com capacidade de dano para comprometer o nosso quotidiano, facilmente se perceberá que uma sociedade que cumpra com todos os regulamentos de construção anti-sísmica, que prepare os seus cidadãos, ensinando-lhes os comportamentos esperados em caso da ocorrência de um sismo, estará no bom caminho para ser uma sociedade resiliente, e com elevados padrões de preparação para fazer face ao referido evento.
Tenho perfeita consciência que a sua pergunta se refere aos meios de socorro e não ao sistema de protecção civil como um sistema holístico e integrativo de todas as componentes da sociedade e do estado.
No que diz respeito à resposta ao evento, posso afirmar que a nossa capacidade assenta na enorme competência dos 28 Corpos de Bombeiros do Distrito, e na qualidade dos seus recursos humanos, assenta na excelência do trabalho que tem vindo a ser posto em prática pelos municípios, através de um cada vez maior desenvolvimento dos seus serviços municipais de protecção civil e assenta na disponibilidade dos seus agentes de protecção civil, FEPC, Cruz Vermelha Portuguesa, Sapadores Florestais, PSP, GNR e Forças Armadas.
Nunca estaremos completamente preparados, mas trabalhamos todos os dias para ter a melhor preparação possível.

Há meios humanos e materiais suficientes? Quantos efectivos engloba a protecção civil na região?
Na sequência das respostas que fui dando até agora, gostaria de afirmar que o efectivo da protecção civil é de aproximadamente, 500.000 operacionais, “meio-milhão, o que é equivalente a toda a população do Distrito, dos quais 1.700 são bombeiros e 20 trabalham no Comando Distrital de Operações de Socorro em Almeirim.
Os recursos humanos e materiais nunca são suficientes, existe sempre a possibilidade de ter e fazer melhor. A insatisfação, a melhoria continua e a procura de novas soluções tem que nortear sempre a actuação da protecção civil.

Que medidas de mitigação e não contaminação dos operacionais pela Covid-19 foram tomadas?
Foram tomadas todas as medidas preconizadas pela DGS, foram implementados protocolos de segurança e medidas de controlo extremamente rígidas por parte de todos os Corpos de Bombeiros, devidamente vertidas em Planos de Contingência, que são aferidos e revisitados numa base diária.
Com a ajuda da Saúde Pública, dos ACES e dos Hospitais do Distrito de Santarém, procedeu-se à realização de testes a todos os elementos dos Corpos de Bombeiros, processo que foi finalizado no final do mês de Maio, estando já a ser planeada uma “segunda ronda”.
A preparação e a maturidade demonstrada no processo de resposta à pandemia, foi apenas mais uma das muitas demonstrações de competência que os Corpos de Bombeiros deram à sociedade em que estão inseridos.
De destacar ainda, o enorme serviço de coordenação e antecipação que foi feito pelos municípios do Distrito, que de uma forma extremamente proactiva souberam antecipar medidas e implementar procedimentos de mitigação da propagação da pandemia numa fase muito precoce da mesma.

O facto de enfrentarmos uma crise pandémica poderá dificultar a vossa acção no terreno?
A resposta terá forçosamente que ser afirmativa, a pandemia constitui-se obviamente como uma maior dificuldade no cumprimento de todas as missões. A título de exemplo e para ilustrar a dificuldade sentida, imagine o que é fazer uma emergência médica com o nível máximo de protecção individual, para impedir o contágio pelo Covid-19, com temperaturas que facilmente atingem os 42 graus.
Para além dos constrangimentos causados no cumprimento da missão, existe ainda a pressão causada pelo impacto que a Pandemia poderá ter na capacidade de resposta dos Corpos de Bombeiros.
Mais uma vez, a capacidade demonstrada para ultrapassar este tipo de constrangimentos tem sido excepcional, sendo da mais elementar justiça o agradecimento à resiliência e interajuda demonstrada.

Qual a operação mais difícil em que já esteve envolvido?
Não é fácil identificar a operação mais difícil, até porque todas elas têm especificidades muito próprias.
Penso, no entanto, que a operação mais difícil de gerir é a que enfrentamos numa base diária, é o planeamento constante, o ajustar de procedimentos, as respostas que temos que dar a uma infinidade de problemas e as coisas que todos os dias ouvimos na comunicação social.

E qual a que mais teme vir a estar?
Não penso muito nisso, nunca pensei nas coisas dessa maneira. Pode parecer presunçoso da minha parte, mas tendo a meu lado a equipa com a qual tenho a honra de trabalhar no CDOS e os Corpos de Bombeiros do Distrito, comandados por um conjunto de excelentes operacionais, não temo nenhum tipo de ocorrência.
Tenho consciência de que algumas podem ser mais difíceis do que outras, mas tenho a convicção de que juntos somos mais fortes, e que essa força nos dará a capacidade para ultrapassar as potenciais adversidades de uma qualquer ocorrência.

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