É uma ‘figura grada’ na história do fado popular de Lisboa.

Fez parte de uma ‘velha guarda’ que antecedeu os nomes mais célebres do século XX, como Alfredo Marceneiro e Amália Rodrigues.

Na primavera de 1910, já nas vésperas da República, um jornal especializado apresentava António Rosa com “um lugar de destaque entre os cantadores do fado”.

Descrevia-o como um “espírito concentrado, dotado duma bela alma, mas um pouco satírico”. Que “é um distinto artista de sapateiro, o que não o impede que seja um bom poeta” [«O Fado», 11/06/1910, pág. 1].

Chamusca

Tanto o pai como a mãe eram naturais da Chamusca, onde tinham casado, em 1854.

Mas foi na cidade de Santarém que António Rosa nasceu, no dia 17 de fevereiro de 1858.

Batizaram-no na antiga Igreja do Salvador, que existia onde hoje está o «Largo do Padre Chiquito».

Era uma das principais igrejas desta cidade. Até 1909, quando um terramoto a deixou em ruínas. Acabou por ser demolida pouco depois.

Tinha o pequeno António à volta de cinco anos de idade, a família mudou-se para Lisboa.

Hoje, o valor cultural do fado é reconhecido como património da humanidade.

Mas nem sempre foi assim. No início do século passado, havia uns doutos intelectuais que não só negavam esse valor como remetiam o fado a um submundo de marginais, prostitutas e rufias, associado a crimes violentos e a vielas de má fama, na Lisboa da época.

Ora, esse tipo de aversão não era um fenómeno exclusivo português.

O historiador E. P. Thompson assinala que na Inglaterra do século XIX, em matéria de “divertimentos dos pobres […] até os mais inócuos eram olhados de uma forma depreciativa”, pela ‘elite’ social. Na sua obra «A formação da classe operária inglesa» [edição «Penguin», 2013, págs. 442/3].

E o fado de Lisboa, no tempo de António Rosa, seria sobretudo isso. Uma “música popular urbana”. Com “uma ligação íntima a um sector específico da população urbana (no essencial, os habitantes dos bairros antigos e populares”, segundo refere Ruben de Carvalho, no seu livro «Um século de fado» [1999, págs. 30/1].

Fado operário

Longe de ser um marginal, o scalabitano António Rosa era um “distinto” sapateiro.

Na sua juventude terá estudado pintura na Academia de Belas Artes de Lisboa. E frequentou a «Livraria Internacional», de José Carvalho Videira. Nas décadas de 1870 e 80, essa livraria foi um importante centro de cultura, de propaganda republicana e ideias avançadas. Ali se venderam os primeiros exemplares (em Portugal) do livro O Capital, de Karl Marx.

Terá sido ali que António Rosa fez amizade com o intelectual republicano Teixeira Bastos.

Mais tarde, acamaradou com dois expoentes do fado operário que se afirmou no primeiro quartel do século XX: João Black e Avelino de Sousa. Black, operário gráfico, além de sindicalista foi dirigente do antigo «Partido Socialista Português».

E recordaria: “Eu, o Avelino e o Rosa constituímos um terceto, que foi alguma coisa e o que não conseguimos nas associações de classe, aproveitámos em clubes de variada ordem”. Como “conhecíamos a índole do nosso povo e sabendo-o falho de educação, mas muito inclinado ao fado, resolvemos fazer pelo verso cantado uma intensa propaganda de sociologia” [«Guitarra de Portugal», 24/02/1923, pág. 1].

A Voz do Operário

Quando António Rosa faleceu, em 1924, uma das pessoas que lhe prestou homenagem foi José Fernandes Alves, outro dirigente socialista e redator do jornal «A Voz do Operário». Era uma pessoa conhecedora do meio.

Colocou António Rosa entre os “melhores cultores do fado“ e como “um dos velhos cantadores do fado que soubera dar à canção nacional todo o enlevo”. E cujas “canções repassadas de sentimento eram apreciadas”.

Observou que “do trabalho poético de António Rosa [pouco] há publicado. Os seus versos, porém, permanecem vívidos no espírito de todos aqueles que o ouviram e apreciaram”.

E “alguns dos seus motes são ainda recordados com saudade” [«Guitarra de Portugal», 06/05/1924, pág. 3].

LUÍS CARVALHO – INVESTIGADOR

Leia também...

Músico dos Santos & Pecadores morre vítima de acidente de trabalho em Tremez

Rui Martins, um dos músicos da banda Santos & Pecadores, morreu na…

Médico detido por abuso sexual de menores

Um homem de 27 anos foi detido esta manhã no Bairro de…

Alterações ao Código da Estrada entram em vigor amanhã com multas agravadas

As alterações ao Código da Estrada aprovadas em Novembro entram na sexta-feira,…

O amargo Verão dos nossos amigos de quatro patas

Com a chegada do Verão, os corações humanos aquecem com a promessa…