Em Santarém, há uma instituição centenária que mantém viva a chama da memória e do reconhecimento àqueles que serviram Portugal nos campos de batalha. O Núcleo de Santarém da Liga dos Combatentes, que completa o seu primeiro século de existência, representa muito mais do que um simples marco histórico na cidade. É um símbolo vivo do compromisso com os valores patrióticos e com o apoio àqueles que arriscaram as suas vidas em nome da nação.
“A Liga dos Combatentes é uma organização com o estatuto de IPSS. Cumpre a sua missão sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional. A Liga dos Combatentes é constituída por uma direcção central e pelos seus 120 núcleos que estão sediados em território nacional e também internacional. O Núcleo da Liga dos Combatentes Santarém faz parte desta grande família e que foi fundado em 1924”, explica o Sargento-chefe Carlos José Rodrigues Sá Pombo, actual presidente do Núcleo de Santarém.
Ao longo destes cem anos, o Núcleo tem sido um pilar fundamental na preservação da memória militar portuguesa e no apoio aos combatentes e suas famílias, adaptando-se às mudanças sociais e históricas sem nunca perder de vista a sua missão essencial: honrar os mortos e dignificar os vivos.
Das Trincheiras da Grande Guerra ao Centenário: Uma História de Resiliência
A Liga dos Combatentes nasceu no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, com o nome original de “Liga dos Combatentes da Grande Guerra”. A sua criação respondeu a uma necessidade premente: apoiar os membros do Corpo Expedicionário Português que, regressados das frentes de combate na Flandres e África, encontravam-se frequentemente sem o devido apoio do Estado.
O Núcleo de Santarém surgiu pouco depois, tendo a sua primeira reunião ocorrido na sala de oficiais do Regimento de Infantaria nº 16. O Major Filipe Augusto de Sousa Tribolet foi o primeiro presidente desta estrutura que, desde então, tem mantido viva a sua missão na cidade ribatejana.
Ao longo do século, o Núcleo percorreu um caminho geográfico pela cidade que reflecte a sua própria história de adaptação e resiliência. Desde o quartel do então “Batalhão de Ciclistas nº 2” em 1927, passando pela Rua Elias Garcia e pela Rua do Conde, até estabelecer-se na actual sede na Rua Miguel Bombarda, nº 12, onde se encontra desde 2014.
Esta jornada física pela cidade espelha também a evolução da própria instituição, que foi alargando o seu âmbito de actuação. Se inicialmente o foco eram os veteranos da Primeira Guerra Mundial, com o tempo a Liga expandiu a sua abrangência para incluir os combatentes da Guerra do Ultramar e, mais recentemente, os militares que serviram nas Forças Nacionais Destacadas em missões internacionais.
Valores e Missão: Um Compromisso Inabalável
“Após estes 100 anos passados, a actual direcção do Núcleo Santarém da Liga dos Combatentes cumpre o seu profícuo trabalho dotado de grandes valores, nomeadamente os patrióticos, sociais e éticos”, afirma o Sargento-chefe Carlos Pombo, sublinhando a continuidade dos princípios que têm norteado a instituição desde a sua fundação.
O lema “honrar os mortos e dignificar os vivos” continua a ser o princípio orientador da Liga dos Combatentes. A promoção da História portuguesa, a exaltação do amor à Pátria e a divulgação do significado dos símbolos nacionais são objectivos primordiais que se mantêm actuais, mesmo num contexto social muito diferente daquele em que a instituição nasceu.
“A exaltação do amor à pátria e a defesa dos valores patrióticos e cívicos são fundamentais para garantir que a história de Portugal não seja desvalorizada ou esquecida”, destaca o presidente do Núcleo de Santarém, sublinhando a importância da vertente educativa da missão da Liga, especialmente junto das gerações mais jovens.
A Guerra do Ultramar: Uma Ferida Ainda Aberta
Um dos capítulos mais marcantes da história recente de Portugal, e que está profundamente ligado à missão actual da Liga dos Combatentes, é a Guerra do Ultramar (1961-1974). Este conflito mobilizou centenas de milhares de jovens portugueses para combater em Angola, Guiné e Moçambique, deixando marcas profundas na sociedade portuguesa que perduram até hoje.
“Esta grande causa, a causa do combatente, transporta-nos e faz-nos lembrar uma história mais recente, em que milhares de jovens foram mobilizados para cumprirem estudos e obrigações militares para além-mar. Nomeadamente, refiro-me à Guerra do Ultramar, em que muitos destes jovens já não tiveram o prazer e a felicidade do reencontro com os seus familiares”, recorda o Sargento-chefe.
Para além dos que perderam a vida, muitos outros regressaram com sequelas físicas e psicológicas que os acompanharam pelo resto das suas vidas. “Outros regressaram com traumas, do foro físico e também psicológico, refiro-me aos descendentes das Forças Armadas, que merecem o nosso maior respeito e atenção”, sublinha o presidente do Núcleo.
O apoio a estes veteranos e às suas famílias continua a ser uma das principais missões da Liga dos Combatentes. “Esta actual direcção do Núcleo Santarém da Liga dos Combatentes cumpre a sua cabal missão no apoio aos seus associados combatentes e familiares”, explica Carlos Pombo.
Um dos exemplos concretos deste apoio é o processamento do cartão do combatente, que proporciona diversos benefícios aos seus titulares. “Recordo-me o processo administrativo que está mais em voga, que é o cartão do combatente, com os seus benefícios a nível da saúde, a parte cultural, a parte social e a parte da saúde, vincando aqui, na parte da saúde, dos que sofrem do stress pós-traumático de guerra”, destaca o presidente.
O Polo Museológico do Combatente: Um Marco do Centenário
Um dos momentos mais significativos nas comemorações do centenário do Núcleo de Santarém foi a inauguração do Polo Museológico do Combatente, realizada recentemente.
“Este Polo Museológico do Combatente honra a nossa história e homenageia os nossos combatentes de Portugal. É um cantinho pequeno, mas com grande intensidade histórica”, descreve o Sargento-chefe Carlos Pombo.
A cerimónia de inauguração contou com presenças ilustres, incluindo o Ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, o presidente da Câmara Municipal de Santarém, João Leite, o Chefe de Estado-Maior do Exército, general Eduardo Mendes Ferrão, entre outras autoridades civis, militares e religiosas.
O acervo do museu abrange desde as lutas liberais que moldaram o rumo da história portuguesa, passando pela Primeira Guerra Mundial, Índia Portuguesa, Guerra do Ultramar, o papel da Escola Prática de Cavalaria de Santarém no 25 de Abril de 1974, até às mais recentes missões internacionais de Apoio à Paz realizadas pelas Forças Armadas Portuguesas.
A Conservação das Memórias: Um Programa Estruturante
Para além do apoio directo aos combatentes e suas famílias, a Liga dos Combatentes desenvolve um importante trabalho de preservação da memória histórica. “Não poderia também deixar de vincar um programa estruturante que a Liga dos Combatentes desenvolve, que é a conservação das memórias, onde se inclui os talhões contidos nos cemitérios onde repousam os nossos compatriotas, os vários monumentos de homenagem aos nossos combatentes espalhados pelos quatro cantos do mundo, e também as áreas museológicas e de bibliotecas”, explica o Sargento-chefe Carlos Pombo.
Este programa de conservação das memórias é fundamental para garantir que o sacrifício daqueles que serviram Portugal não seja esquecido pelas gerações futuras. Os talhões nos cemitérios, os monumentos e os espaços museológicos são testemunhos físicos da história militar portuguesa e do contributo dos combatentes para a defesa dos interesses nacionais.
Neste contexto, o Núcleo de Santarém tem desenvolvido diversas iniciativas para enriquecer o seu património cultural e educativo. “A direcção do núcleo de Santarém da Liga dos Combatentes actualmente está a ultimar uma biblioteca, um cantinho de leitura que ficará disponível a breve prazo para consultarem os livros que entenderem das mais diversas temáticas que vão estar disponíveis”, revela o presidente do Núcleo.
Uma Instituição Aberta à Sociedade
Uma das características mais inclusivas da Liga dos Combatentes é a sua abertura a diversos perfis de associados. Podem associar-se não apenas os cidadãos que tenham servido Portugal em missões de segurança ou defesa nacional, ou os cidadãos portugueses que tenham efectuado o Juramento de Bandeira, mas também qualquer cidadão que se reveja nos objectivos da instituição, podendo associar-se como apoiante.
Esta abrangência torna a Liga dos Combatentes uma instituição transversal à sociedade portuguesa, congregando desde cidadãos em situação vulnerável até altos responsáveis políticos e militares. É também um reflexo da evolução da própria instituição, que soube adaptar-se às mudanças sociais e à profissionalização das Forças Armadas.
O lema da Liga dos Combatentes, evocado pelo Sargento-chefe Carlos Pombo no final da sua entrevista, resume bem este espírito: “Liga dos Combatentes Valores Permanentes. Liga dos Combatentes em todas as frentes.” É um grito que ecoa através do tempo, ligando o passado ao presente e projectando-se para o futuro, como um farol que guia a instituição na sua missão de honrar os mortos e dignificar os vivos.
Ao celebrar o seu centenário, o Núcleo de Santarém da Liga dos Combatentes reafirma assim o seu compromisso com os valores que o inspiraram desde o início: o amor à Pátria, o respeito pelos que serviram Portugal e a preservação da memória histórica.