Porque acabámos de viver o tempo de Páscoa, a festividade mais relevante para a igreja católica, embora verdadeiramente o não seja para uma boa parte dos fiéis católicos que preferem o Natal, partilho hoje consigo, Caro Leitor, uma breve reflexão sobre a Morte, o que, como se compreenderá está tão intimamente ligado à Vida. E faço-o depois de ter acompanhado à sua última morada um Amigo de toda a vida, cuja morte nos apanhou totalmente de surpresa.
Evoco aqui e agora o João Castro, um bom Amigo, natural de Santarém, meu companheiro em tantas lutas e que desde há alguns anos, por vicissitudes da vida, se desterrou no Alto Alentejo, onde trabalhava no sector da aeronáutica. De quando em vez tinha notícias suas. Nem sempre as melhores, ou as mais desejadas, mas as possíveis. Depois de trabalhar como delegado de informação médica e na publicidade, após uma empenhada actividade cívica e cultural, o João encontrou o seu futuro em Ponte de Sor e em Mora no mundo da aeronáutica.
Deixou para trás a sua intervenção política e social, cumprindo-me lembrar a sua passagem pela direcção da Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém – a propósito, o que é feito da nossa Associação? -, a sua acção no Movimento Cívico “Santarém 21” e até a sua participação em programas de rádio sobre a nossa Cidade e a região envolvente.
O João Castro viveu com paixão todos os projectos em que se envolveu e partilhava abertamente com os amigos mais próximos os seus ideais e as suas opiniões. Era uma pessoa generosa, disponível para ajudar tudo e todos, mas tinha um grande defeito – esquecia-se de si próprio! Mesmo ao nível da saúde, descurando as revisões que a idade aconselhava. Talvez por isso tenha partido tão cedo.
Deixa muitas saudades, pelo deleite da sua companhia, pela alegria das nossas conversas e pelo espírito contagiante com que sonhava o futuro da nossa Cidade. E agora que partiu desta vida mais nos damos conta de que não aproveitámos tanto quanto deveríamos a sua companhia e o seu entusiasmo. Mesmo em circunstâncias menos felizes e desejadas.
Numa manhã muito chuvosa de sexta-feira de Paixão lá fomos ao Cemitério de Alpiarça para nos despedirmos materialmente de si e para partilharmos a dor da partida com seu irmão, o Dr. Artur Miguel de Castro, meu colega de escola, e seu filho, João Pedro, que superou estoicamente este momento tão doloroso.
Entretanto, pouco antes de entregarmos este nosso desluzido escrito na redacção do “Correio”, fomos igualmente surpreendidos pela infausta notícia do falecimento do Papa Francisco, cuja debilidade física já nos fazia antecipar que o desfecho estaria para breve. Porém, a sua paixão pela vida e pelo que para si significava o seu múnus sacerdotal levava-nos a refutar essa evidência e a celebrar tão festivamente cada recobro de uma fase mais crítica.
O Papa Francisco deixa uma marca social indelével e muito intensa e profunda na “actual” mensagem da Igreja Católica, rasgando novos horizontes e quebrando velhos tabus, agregando milhões de pessoas em torno do seu magnificente ideário religioso. Todos. Todos. Todos. Choramos a sua Morte, mas celebramos a sua Vida!
Para os crentes, em cujo grupo me incluo, a vida terrena é apenas uma preparação para a vida eterna, que só começa após a nossa morte. Este é, sem dúvida, o grande mistério da vida, finita e transitória, e da morte, reconhecidamente contingente na hora da sua ocorrência, mas sempre aguardada e certa. “Aquele que crê em Mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente”. (S. João 11:21-26)
Há dias morreram também o escritor Mário Vargas Llosa, o Coronel Carlos Matos Gomes, o antigo ministro João Cravinho e o cantor Nuno Guerreiro. Não conheci de perto nenhuma destas ilustres personalidades, porém a sua morte tocou-me, pela admiração que tinha por aquilo que a sua vida representa.
Nada há mais certo na vida do que a morte! E mau grado esta grande certeza – a única certeza, segundo nos ensinam os mais idosos – nunca estamos preparados para a enfrentar, e em regra, tememos sempre a situação em que somos confrontados com ela. Especialmente a morte de entes queridos que nos tocaram tanto no seu percurso terreno.
Sobre a vida e sobre a morte existem densos tratados que nos ajudam a lidar melhor com a circunstância em que sejamos tocados, directa ou indirectamente, por ela. Sabiamente, ilustre político comunista Dr. João Amaral afirmou um dia numa grande entrevista que “o dia da nossa morte é apenas mais um dia na nossa vida”. Que eloquência de um homem que sabia estar condenado a um final de vida célere, vítima de um cancro sem cura. Só uma pessoa muito culta e muito lúcida seria capaz de encarar assim a sua própria morte.
Creio que o Dr. João Amaral não era dado à espiritualidade religiosa, porém nem essa circunstância o impediu de aceitar a iminência da sua morte que poria termo a uma vida intensamente vivida, quase sempre despojado de interesses pessoais, numa dádiva plena à comunidade de que fazia parte.
Mau grado que a nossa vida seja uma caminhada singular, individual, por vezes até solitária, a existência humana é uma obra colectiva, sobretudo no sentido que lhe atribuímos a nível do relacionamento familiar e social. O Homem é por essência um ser gregário e a sua mundivisão estabelece-se com base nesse pressuposto, assumido mais ou menos convictamente por cada um de nós. Mesmo os mais eremitas nunca vivem completamente isolados, pois a memória constitui a esteira da sua caminhada.
Amiúde damos connosco a repetir aquela frase tão gasta, mas sempre tão sábia, segundo a qual apenas morrem os que são esquecidos, cumprindo-nos a nós perpetuar a vida dos que tendo partido continuam na nossa memória e no nosso coração. Vivos, e tantas vezes interventivos, pelos ensinamentos que a sua caminhada nos transmitiu e que nos ajuda a viver o nosso dia a dia, às vezes sujeitos às mesmas provações e às mesmas inquietudes que pautaram a sua existência.
A Vida e a Morte são sempre faces da mesma moeda, fazendo, apenas, diferença a forma como vivemos a vida e a maneira como aceitamos a morte. A nossa e a dos outros, à qual nunca somos indiferentes.
“A morte não é nada. Eu só passei para o outro lado do Caminho. Eu sou eu, vós sois vós. O que eu era para vós, continuarei a sê-lo. Dêem-me o nome que sempre me deram, falem comigo como sempre fizeram. Vós continuais a viver no mundo das criaturas, eu agora vivo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que o meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou de tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Porque estaria eu fora dos vossos pensamentos, agora que estou apenas fora do vosso olhar? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho… Tu que ficaste aí, vai em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.”