Jorge Custódio, professor, arqueólogo, historiador e museólogo, é uma das figuras incontornáveis no estudo do Património e Museologia industriais e tem vindo, ao longo da sua carreira, a dedicar grande atenção à história do património português. Foi director do Convento de Cristo, em Tomar, e durante muitos anos funcionário e colaborador da actual DGPC.

“O problema do património tem sido encarado do ponto de vista da herança que recebemos dos nossos antepassados, e não da sua transmissão para o futuro”.

A afirmação é de Jorge Custódio e foi proferida na quarta conferência do ciclo “Os Historiadores de Santarém”, que decorreu sábado, 15 de Fevereiro, na sede da Associação de Estudo e Defesa do Património de Santarém.
Na sua intervenção, o historiador, que coordenou a candidatura de Santarém a património mundial e foi director do Convento de Cristo, entre outros cargos, criticou abertamente a recente escolha do gestor imobiliário Bernardo Alabaça para a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC).

“É extremamente grave uma situação deste género. Então o nosso património vai estar à venda? Esta é que é a questão central que se coloca hoje”, considerou Jorge Custódio.

“Quando os bens são do domínio público, isso pode criar uma situação de ruptura entre a sociedade, a cidadania e o poder. Fiquei assustado com isto. Como é que pode um Governo nomear um gestor de imobiliário para tratar de património?”, questionou, juntando a sua voz à dos dirigentes da Associação Portuguesa de Museologia (APOM) e do Conselho Internacional de Museus da Europa, que consideraram, igualmente, “inqualificável” e “um insulto” aquela nomeação.

“O Património Cultural requer uma seriedade muito grande porque estamos a criar o ambiente das novas e futuras gerações”, afirmou, acrescentando: “o património não é uma velharia. É condição de futuro”.
“Se se transformam os bens públicos em bens mercantilizáveis, podemos vir a ter, dentro em breve, um hotel no Convento de Cristo”, alertou Jorge Custódio.

Pensar e projectar “a cidade do futuro”


Jorge Custódio, historiador e museólogo, nasceu em Santarém, em 1947, cidade onde dirigiu, entre 1994 e 2002, o projecto municipal de candidatura a património mundial.

Inevitavelmente, o tema surge sempre que o historiador se desloca à cidade. Custódio recordou que, acima de tudo, tentou-se “uma regeneração a nível urbano”, mas lamenta que a cidade tenha tido “um projecto muito curto no tempo, que se desenvolveu à volta da candidatura a património mundial”. Advoga, por isso, que o plano estabelecido devia ter prosseguido “para que melhor se preservasse a identidade” do lugar.

“A candidatura tinha como objectivo fundamental pôr a cidade de pé e não fazer o estudo dessa cidade”, esclareceu.

“A ideia era despertar culturalmente a cidade e o património” e “fixar população numa cidade que estava envelhecida”, disse Jorge Custódio, o historiador convidado por Noras para liderar o “Projecto Municipal Santarém a Património Mundial”, estrutura criada em 1995 e extinta em 2002, pouco depois da liderança da autarquia passar para o também socialista Rui Barreiro.

Já quase sem resquícios do que levou Almeida Garrett a referir-se a Santarém como o “livro de pedra em que a mais interessante e a mais poética parte das nossas crónicas está escrita”, devido à “destruição” e “vandalismo” de tremores de terra, como os de 1531 e 1755, das Invasões Francesas e dos erros urbanísticos, a ideia da candidatura não era, segundo Jorge Custódio, recuperar o passado, mas sim pensar e projectar “a cidade do futuro”.

A candidatura formalmente entregue ao Governo português em 1998, durante uma deslocação do então ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, a Santarém – momento marcado pela exigência do regresso à cidade do património levado para Lisboa no século XIX -, acabou por receber um “balde de água fria” quando, no início de 2000, a cidade foi visitada por um perito do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, organização de consultoria da UNESCO.

Ao afirmar que Santarém “não pode ser considerada como tendo um valor universal excepcional”, o relatório que resultou dessa única visita levou à suspensão da candidatura e a uma reformulação, realizada ao longo de 2001.

Se, originalmente, a candidatura partira da convicção da “singularidade de estarem presentes nos monumentos escalabitanos exemplares notáveis da arquitectura e da arte de todas as fases do Gótico”, procurava agora aliar o centro histórico à paisagem, associando o núcleo histórico situado no planalto ao Tejo e à Lezíria, com o envolvimento dos municípios vizinhos de Almeirim e Alpiarça.

José Miguel Noras não poupou na altura críticas ao então embaixador de Portugal em Paris e ao Governo socialista, que propôs à UNESCO a paisagem vinhateira da ilha do Pico em detrimento das propostas de Santarém e Marvão. E, com o novo executivo autárquico, a candidatura reformulada (com parecer negativo dos comerciantes do centro histórico) parou, não tendo o assunto voltado à agenda política.

Localmente, as críticas à candidatura, assumidas sobretudo pela CDU, que lhe retirou apoio em 2001, iam da alusão a ter-se limitado à investigação histórica, a ter desviado verbas de infra-estruturas fundamentais, como o saneamento (com implicações, nomeadamente, na derrocada das barreiras da cidade), até à inexistência de qualquer esforço de reabilitação, em coerência com a pretensão de classificação, numa cidade descaracterizada por “graves erros urbanísticos”.

Jorge Custódio admite que a pressão do “boom construtivo” que vinha de trás se manteve, mas garante que a candidatura criticava a “obra atomística” e que procurou criar “estruturas” para que se revertesse a ausência de “visão de cidade” e se iniciasse a reabilitação do centro histórico, o que, na sua óptica, teria acontecido se José Miguel Noras tivesse exercido mais um mandato.

“A candidatura era muito difícil, sempre tivemos consciência disso”, declarou.

“Fazer história para agir”
Assumindo um “posicionamento activo e uma historiografia proactiva” e a “visceral oposição da História ao serviço do poder”, Jorge Custódio é especialista em arqueologia e património industrial e mineiro.

Para o historiador, existe todo um conjunto de novos patrimónios para estudar, organizar e expor ao público. Num contexto alargado, Jorge Custódio inclui igualmente, minas, fábricas, arqueologia industrial ou unidades de lanifícios, por exemplo. Afinal, considera, “património tangível, é o património do futuro. Há novos objectos a nascer todos os dias”.

Em Portugal, o interesse pelo património e pela arqueologia industrial começou, sobretudo, nos anos 1980, quando alcançou estatuto de interesse cultural para a investigação histórica. Lá fora, terão sido os ingleses, após a II Guerra Mundial, que chamaram a atenção para este novo tipo de património. Passaram a olhar para objectos de uso quotidiano e instalações industriais, sob uma perspectiva de interesse histórico. Objectos, até aí considerados comuns, começaram a ser encarados sob o ponto de vista do seu interesse patrimonial.

Apesar de reconhecer que Portugal “apresenta projectos tardiamente”, o historiador assegura que, por vezes, surgem bons exemplos. A Cimpor, Cimentos de Portugal, é uma prova desta nova atitude face ao património industrial.

Jorge Custódio esteve envolvido em intervenções arqueológicas, bem como projectos e programas destinados a museus de cariz industrial e mineiro. Entre várias áreas de intervenção, desenvolveu acções em indústrias têxteis, do vidro, do ferro, da cortiça, das conservas ou ainda do gelo natural.

Neste âmbito, coordenou a montagem do Museu do Cimento de Maceira-Liz ou o projecto do Museu do Tempo em Santarém, instalado na Torre das Cabaças. Colaborou igualmente na criação do Museu dos Lanifícios na Covilhã, no Museu da Fábrica de Rolhas de Cortiça do Inglês em Silves. Recentemente, foi o responsável pela exposição 100 Anos de Património, Memória e Identidade, Portugal 1910-2010, que esteve patente Palácio Nacional da Ajuda.

Após a extinção do projecto autárquico escalabitano, Jorge Custódio, doutorado pela Universidade de Évora e quadro superior do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), dirigiu o Convento de Cristo, em Tomar, até 2007, altura em que foi nomeado como primeiro director da Fundação Museu Nacional Ferroviário Armando Ginestal Machado, sedeado no Entroncamento.

É actualmente presidente da APAI (Associação de Arqueologia Industrial).

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