Cumpriu-se no sábado, dia 29 de Dezembro, cento e sete anos sobre a data do nascimento do insigne escritor neo-realista António Alves Redol, natural de Vila Franca de Xira, que viria a falecer em Lisboa, a 29 de Novembro de 1969, pelo que no próximo ano é tempo de evocar o quinquagésimo aniversário sobre a data do seu tão prematuro falecimento,. António Alves Redol foi um Homem intrinsecamente bom, dotado de um carácter inquebrantável e que nunca receou incómodos ou represálias em consequência da assumpção plena e efectiva das suas convicções humanistas. Homem de antes quebrar que torcer, a sua vida, apesar de curta – faleceu aos 57 anos de idade – foi muito intensa, vivida na plenitude ao serviço dos outros, aspecto determinante na sua obra literária, onde exaltou a luta dos mais simples e dos mais desfavorecidos da sorte, tomando como suas as lutas dos mais fracos, nunca se eximindo ao desconforto social, político e económico que daí lhe pudesse advir. Oriundo de famílias que granjeavam na labuta dos campos o seu ganha-pão, Alves Redol desde cedo se interessou por conhecer melhor e de mais perto esta angustiosa vivência, pelo que amiúde se integrava nas comunidades piscatórias ou nos ranchos de trabalhadores, com quem aprendia os segredos de uma faina sofrida, a par da sua mundividência amargurada. Um dia, quando acompanhava seu avô numa carroça até Bucelas, desvendou uma paisagem soberba do rio Tejo, dominando a pujante lezíria vila-franquense, da qual se enamorou para o resto da sua vida. A propósito escreveria mais tarde nas páginas do Diabo, num artigo intitulado “Povo e Cultura”: “O Tejo é a frase predominante, o motivo principal desta sinfonia esplendorosa e rica que é o Ribatejo”. Frequentando o Colégio Arriaga, em Lisboa, Alves Redol completou o curso comercial, autêntica carta de alforria para ir à descoberta de um mundo novo em terras de África, onde não foi feliz, especialmente devido a problemas de saúde que o fizeram regressar prematuramente ao rincão que lhe serviu de berço. Por sugestão de Pompeu Reis, um amigo agricultor que fazia searas em Montalvo, na lezíria de Vila Franca, fez- se à descoberta da gente singular de Glória do Ribatejo, com quem aprendeu distintas dimensões de uma vivência pobre, mas digna e honrada. Na loja de seus pais, onde trabalhou a espaços, contactou com gaibéus e avieiros que migravam para a borda d’água, uns pelos escassos meses que duravam as fainas agrícolas para que tinham sido ajustados, as mondas e as ceifas, outros pela ilusão de uma vida melhor que lhe oferecesse o Tejo, o rio de Lisboa, esquivando-se ao infortúnio do mar de Vieira de Leiria, que roubava a vida aos pescadores sem largar uma côdea de pão para matar a fome aos filhos. Assim, Redol se foi apercebendo da maneira de ser diferente destas gentes em comparação com os camponeses e os pescadores ribatejanos. Ainda muito novo, Alves Redol ganhou consciência das desigualdades da vida na relação entre os mais poderosos – lavradores, detentores das terras, mestres das companhas da pesca, Senhora Companhia ou a Hidráulica do Tejo – e os que alugavam a força do seu trabalho para garantia do seu magro sustento, num quadro social onde não constavam nenhuns direitos a seu favor. Bem o define Joaquim Namorado numa breve crítica literária 1 à primeira edição de “Gaibéus”, quando se lhe refere nos seguintes termos: “Isto é a primeira coisa que se verifica ao folhear o livro de Alves Redol: um conhecimento profundo do tema, integração no ambiente, comunhão com o destino das suas personagens. Daqui uma sinceridade sempre sentida em cada página, verdade de situações – justeza do vocabulário.” É este rigor temático que marcou a obra de Alves Redol, que sempre escreveu do que sabia, quase tão bem como os humildes protagonistas da sua narrativa, fruto da intensa e duradoura convivência que estabelecia entre si, bem ao jeito dos pioneiros etnógrafos na senda de Malinowski, o máximo teorizador do método etnográfico. Alves Redol foi um escritor de causas e com objectivos assumidamente sociais, em alguns casos políticos, mas, não tanto, talvez, na obediência a qualquer ideologia. Que a teve e em cujo desígnio cumpriu uma agenda acentuadamente política, porém, nunca subvertendo os valores subjacentes a esta inquietação a favor dos mais fracos. Primeiro os homens, depois, se possível, a ideologia. Por isso, na epígrafe ao romance “Gaibéus”, Alves Redol não poderia ser mais eloquente: “Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem”. Não cabe, aqui e agora, abordar exaustivamente a obra de Alves Redol, contudo, o que se pretende é lembrar quem tem a obrigação de não se esquecer de celebrar o escritor e a sua obra, tão válida e expressiva, como memória de um tempo e de um quadro social que não se quer ver repetido, mau grado as ameaças soezes do neo- liberalismo, onde, apenas, interessa o lucro dos mais poderosos, tantas vezes à custa da desgraça dos que não têm meios de defesa.

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