A história conta-se em algumas (se calhar muitas) palavras. Em Julho de 1987 realizaram-se eleições legislativas antecipadas, na sequência da moção de censura aprovada no parlamento que levou à queda do governo minoritário do PSD. Em Santarém, o aparelho distrital do PS, movimentava-se para escalonar a lista de deputados. Com alguma surpresa, a direcção nacional do PS coloca Jorge Sampaio como cabeça de lista pelo círculo eleitoral de Santarém. A reacção do aparelho da distrital foi forte, a discussão imensa, mas a decisão da direcção nacional acabou por prevalecer.

E Jorge Sampaio lá veio com armas e bagagens para Santarém (instalou-se no ex-Hotel Abidis), para uma dura campanha eleitoral. Dura pelo adversário forte do PSD, liderado por Cavaco e Silva, e mais dura porque, como se veio a verificar, o aparelho distrital socialista tentou ao máximo dificultar o trabalho de Jorge Sampaio.

Mas ele, percebendo tudo isso e mesmo fazendo várias acções de campanha sem o necessário apoio da distrital, lançou-se com entusiasmo nessa árdua e difícil empreitada.

Tendo o meu amigo Luís Neves como motorista, percorreu todo o distrito. Fica célebre um extraordinário discurso feito numa serra do norte deste distrito, dirigido…às pedras…Uma forma irónica e revoltada de mostrar o seu desagrado pela quase inexistência do aparelho socialista distrital na campanha…

Acompanhei, dentro das minhas possibilidades e do que os meus saudosos pais consentiam, algumas das suas acções de campanha. Uma delas, num sábado, ocupava praticamente o dia todo. Os meus pais autorizaram a minha saída (apesar de ter 20 anos de idade, não entrava e saía à hora que queria, até porque já ajudava os meus pais no café), mas com hora de chegada marcada (pela hora do jantar). Escusado será dizer que chegámos à sede do PS, na Rua 1° Dezembro), já bem perto das 21h. Ali chegados, sem jantar, Jorge Sampaio diz que ainda era cedo e queria ir a uma festa que se realizava numa localidade do concelho de Santarém (não me recordo onde) e queria que os que o acompanharam durante todo esse sábado fossem com ele para nos pagar o jantar.

Eu, acabrunhado, digo-lhe que não podia ir porque os meus pais já deviam de me estar a “rezar pela pele” por ainda não ter chegado. Em resposta, Jorge Sampaio pergunta-me “o café dos seus pais não é aqui perto?” E eu respondo, “Sim, é…”. Ao que ele de imediato diz “então eu vou lá para falar com eles e pedir que o deixem ir comigo!!!”. Entre o espanto e a surpresa só consigo titubear, “Oh Sr. Doutor…”. Mas ele, “Qual Sr. Doutor, vamos lá e pronto!”. E assim lá vou eu acompanhado por Jorge Sampaio direitinhos à Rua Serpa Pinto ao café dos meus pais.

Eu sou o primeiro a entrar e vejo-os a ambos atrás do balcão, com um olhar quando me viram que “dizia” tudo…Só que, acto contínuo, o olhar furioso muda para o de espanto, quando vêem entrar quem me acompanhava!

E Jorge Sampaio dirige-se aos meus progenitores, pede desculpa pela aquela aparição, explica ao que vem e pede que os meus pais autorizem que o acompanhe nessa deslocação a uma festa. A minha mãe não conseguia dizer uma palavra e o meu pai, fervoroso militante socialista, nem colocou problemas e deu o seu “ámen” para eu acompanhar o Sr. Doutor (palavras do meu paizinho). E assim lá fomos…

Passados vários anos (1995 mais concretamente), Jorge Sampaio candidata-se à Presidência da República. Vem a Santarém em acção de campanha, realizando um comício na Casa do Campino (no seu andar de cima). Claro que fui assistir. No final, estava com outros amigos na escadaria de acesso ao piso térreo, quando Jorge Sampaio com o seu staff vem a descer. De repente olha para o grupo onde eu estava, pára e dirige-se a mim com um sorriso nos lábios, nos seguintes termos “Oh Luís, que bom vê-lo, como está? E os seus pais, como estão? Ainda têm o café? Dê-lhes cumprimentos meus…” Mais um sentido abraço e cumprimentando quem estava comigo, lá seguiu o seu caminho…

A história já vai longa, mas retrata na perfeição a enorme dimensão humana de Jorge Sampaio. O seu legado político, ideológico, e de exercício das funções presidenciais (apenas digo que para mim foi o melhor Presidente da República do Portugal democrático pós 25 de Abril), deixo para quem ao longo deste triste dia o irá efectuar.

À família enlutada as minhas sentidas condolências, extensivas à família socialista.

Meu caro Jorge Sampaio, descanse em paz…

Luís Filipe Carvalho – Militante do PS natural de Santarém

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