Pedro Marques, presidente do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde da Lezíria, traça as prioridades da sua gestão, destacando a importância da descentralização dos cuidados, a fixação de profissionais de saúde e a aposta na inovação tecnológica. Em entrevista, reafirma o compromisso com a humanização dos serviços e defende um Serviço Nacional de Saúde em que os portugueses se revejam e tenham tanto orgulho quanto os britânicos têm no seu NHS (National Health Service).
Assumiu recentemente a liderança da Unidade Local de Saúde da Lezíria. Quais são as suas prioridades para esta fase inicial?
O nosso foco principal é garantir uma verdadeira integração entre os cuidados primários e hospitalares, criando um modelo de resposta eficaz e próximo das populações. A Unidade Local de Saúde da Lezíria ainda está em processo de consolidação, e é fundamental que avancemos com estratégias que permitam uma maior articulação entre os diferentes serviços, assegurando que cada utente recebe os cuidados adequados de forma atempada e no local mais apropriado.
Outro aspecto prioritário é aumentar a cobertura da população com médico de família. Actualmente, temos uma taxa de cobertura superior a 82%, um número muito positivo. O nosso objectivo é garantir que todos os utentes têm acesso regular a consultas de medicina geral e familiar, o que permite um melhor acompanhamento de patologias crónicas e uma resposta mais célere a situações de saúde urgentes. Para isso, é essencial implementar estratégias eficazes para atrair e fixar profissionais de saúde, não apenas médicos, mas também enfermeiros, técnicos e outros profissionais essenciais ao funcionamento da ULS. A fixação de profissionais não depende exclusivamente da remuneração, mas também da qualidade das condições de trabalho e das oportunidades de crescimento profissional. Nesse sentido, estamos empenhados em melhorar a organização interna dos serviços e proporcionar uma maior estabilidade às equipas.
A ULS da Lezíria enfrenta desafios semelhantes a outras unidades de saúde do País. O que considera ser a principal dificuldade da região?
A dificuldade principal prende-se com a gestão da elevada procura pelos serviços de saúde e a necessidade de um melhor planeamento dos recursos. A região da Lezíria tem características específicas, que incluem uma população dispersa, com áreas mais urbanas, como Santarém, e outras mais rurais, onde o acesso aos cuidados de saúde pode ser mais difícil. Queremos apostar na descentralização dos cuidados, garantindo que os utentes não precisam de recorrer sempre ao hospital para problemas que podem ser resolvidos num centro de saúde ou numa unidade de atendimento complementar.
Outro grande desafio é a resposta aos picos de procura em determinadas épocas do ano, especialmente no Inverno, em que as urgências hospitalares ficam particularmente sobrecarregadas devido ao aumento das doenças respiratórias. Para mitigar este problema, estamos a trabalhar para reforçar as equipas em períodos críticos e melhorar a capacidade de resposta dos cuidados primários, incentivando a vacinação contra a gripe e promovendo campanhas de sensibilização para o uso correcto dos serviços de urgência.
A descentralização dos cuidados de saúde tem sido apontada como uma forma de aliviar a pressão sobre os hospitais. Que medidas estão a ser implementadas nesse sentido?
A sobrecarga das urgências hospitalares é um problema recorrente e que afecta grande parte das unidades hospitalares do país. No caso da ULS da Lezíria, temos vindo a apostar numa estratégia de descentralização e reforço da resposta local, através da criação e reforço de unidades de proximidade, capazes de dar resposta a situações que não exigem um atendimento hospitalar. O objectivo é que os utentes tenham alternativas viáveis e eficazes para evitar deslocações desnecessárias ao hospital. O Plano de Desenvolvimento Organizacional que nos guia na actividade é claro em algumas destas apostas: alargar a hospitalização domiciliária, investir na monitorização à distância do doente crónico, descentralizar consultas de especialidades hospitalares para as unidades de cuidados de saúde primários, ou ainda o fomento do acesso às teleconsultas nos cuidados de saúde primários.
Uma das iniciativas implementadas recentemente foi o projecto “Ligue Antes, Salve Vidas”, que incentiva os utentes a ligarem para a linha de apoio do SNS24 antes de se deslocarem às urgências, tendo a ULS Lezíria sido uma das primeiras unidades do país a abraçar este projecto, decisivo na promoção da acessibilidade e eficiência dos cuidados de saúde na nossa região.
Ao incentivar o contacto prévio com a linha SNS 24, estamos a contribuir para uma gestão mais equilibrada dos nossos serviços de urgência, reservando-os para os casos que realmente necessitam de cuidados emergentes.
Este projecto tem sido muito positivo e já permitiu reduzir em cerca de 4 pontos percentuais o número de atendimentos evitáveis nas urgências hospitalares. Para além disso, temos quatro Serviços de Atendimento Complementar (SAC) – em Santarém, Rio Maior, Cartaxo e Coruche, que funcionam como pontos de apoio para situações de menor complexidade, garantindo um atendimento mais rápido e eficiente, e libertando os serviços hospitalares para casos de efectiva urgência e emergência.
De que forma pretende atrair e reter profissionais de saúde numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta dificuldades nessa área?
Sabemos que a retenção de profissionais de saúde é um desafio em todo o país. Os médicos mais jovens, por exemplo, procuram cada vez mais um modelo de trabalho que lhes permita maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Precisamos de criar condições que tornem a carreira no SNS mais apelativa, não apenas do ponto de vista salarial, mas também oferecendo oportunidades de progressão, formação contínua, participação em investigação e valorização profissional. Um médico ou enfermeiro motivado e reconhecido pelo seu trabalho tem maior probabilidade de se fixar numa unidade de saúde a longo prazo.
Além disso, estamos a desenvolver estratégias para tornar a nossa unidade mais atractiva, apostando na modernização das infra-estruturas e na melhoria das condições de trabalho. Ambientes de trabalho bem equipados, equipas bem organizadas e processos eficientes fazem toda a diferença na retenção de talentos. A humanização dos cuidados é outro aspeto fundamental para garantir que os profissionais se sentem parte de um ambiente positivo e motivador, onde a relação com os utentes seja valorizada e respeitada.
O Hospital e os Centros de Saúde da ULS estão preparados para dar resposta às necessidades da população da região?
O Hospital Distrital de Santarém, que integra a ULS da Lezíria, é uma estrutura de referência na região, com cerca de 400 camas e um volume elevado de atendimentos. Só em 2024, realizámos cerca de 650 mil consultas nos cuidados primários e mais de 145 mil consultas externas no hospital. Estes números demonstram a necessidade de uma resposta contínua e eficaz.
Logo após a nossa chegada, num trabalho que vinha de trás, inaugurámos uma nova Unidade de Saúde Familiar (USF), elevando para 16 o número total de unidades na nossa área de actuação. Mas queremos ir mais longe e continuar a expandir e reforçar a rede de cuidados de proximidade, para que os utentes tenham alternativas ao hospital e possam ser tratados atempadamente nos locais mais adequados às suas necessidades.
Temos um plano de investimentos em curso para garantir a modernização das infra-estruturas e o reforço das equipas médicas, de enfermagem e técnicas. Sabemos que um hospital com esta dimensão precisa de um constante trabalho de melhoria e adaptação às novas exigências dos utentes. Por isso, a digitalização e a introdução de novas soluções e plataformas tecnológicas, a melhoria das condições físicas das unidades de saúde e o reforço de parcerias com instituições locais são algumas das nossas apostas para fortalecer a resposta da ULS.
Como é que a ULS está a trabalhar para melhorar a articulação entre os cuidados primários e hospitalares?
A integração eficaz entre os diferentes níveis de cuidados é essencial para garantir um serviço eficiente e sem redundâncias. O que temos procurado fazer é reforçar os mecanismos de comunicação entre os cuidados primários e o hospital, garantindo que os utentes não ficam desnecessariamente em listas de espera ou sem um encaminhamento adequado.
Estamos a apostar em sistemas digitais mais eficientes para facilitar a partilha de informação entre médicos de família e especialistas hospitalares. Com a implementação do novo software de gestão clínica, o S3, centrado no doente, esperamos maior eficiência, integração de cuidados e modernização aos processos internos da ULS Lezíria e de outras entidades do SNS. Este sistema traz uma série de melhorias que, a longo prazo, vão optimizar a gestão administrativa, bem como a gestão clínica, promovendo maior eficiência e melhor qualidade nos serviços prestados aos utentes.
A questão da digitalização tem sido, precisamente, um dos grandes desafios do SNS. Como está a ser feita essa transição na ULS da Lezíria?
A transformação digital dos serviços de saúde é um caminho decisivo para modernizar os serviços de saúde e melhorar a experiência e segurança dos utentes. Na ULS da Lezíria, temos sido pioneiros na implementação do novo software S3, como já referi, mas também trabalhamos em outros domínios, integrando outras plataformas digitais que promovem a integração de dados clínicos e administrativos. Toda esta transformação induz um ambiente propício à inovação, à melhoria de processos e a reforçar o compromisso com a governação clínica e administrativa.
Por outro lado, estamos também a assistir a um aumento da utilização da tele-saúde, especialmente em consultas de acompanhamento e em áreas como a telemedicina e tele-monitorização, permitindo que utentes em zonas mais distantes, ou com dificuldades de locomoção, tenham acesso a cuidados médicos de qualidade, sem a necessidade de deslocações. Deste modo, trabalhamos em ambos os vectores de frequência e abrangência, aumentando o alcance dos serviços de saúde, especialmente no período pós-pandemia.
Existe algum plano para melhorar as infra-estruturas da ULS e adaptar os serviços às novas exigências?
As necessidades, num edifício hospitalar com quatro décadas de existência e reduzido investimento, de forma continuada, trazem à evidência imensas necessidades, que estão identificadas e que serão objecto de planeamento e programação. A questão dos recursos necessários para o efeito corre em paralelo.
Neste momento, estão em andamento duas empreitadas essenciais: a remodelação da rede de águas do hospital e a renovação do quadro geral de baixa tensão, garantindo maior eficiência energética e segurança nas instalações.
Também estamos a preparar um concurso para a construção de uma nova unidade de apoio à pedopsiquiatria, bem como a criação de uma base operacional para a Viatura Médica de Emergência e Reanimação. Além disso, pretendemos investir no Hospital de Dia da Oncologia.
Parece fazer sentido uma reflexão mais aprofundada e a elaboração de um Plano Director Hospitalar. Em termos de cuidados de saúde primários existe o compromisso dos Municípios, nossos parceiros, e existem obras em curso e projectos para o futuro.
O objectivo é que a ULS continue a evoluir, adaptando-se às exigências actuais e preparando-se para os desafios futuros. A qualidade do serviço depende não só da competência dos profissionais, mas também das condições em que trabalham e dos recursos disponíveis.
A humanização dos cuidados de saúde é um tema cada vez mais valorizado pelos utentes. Como está a ser trabalhado este aspecto na ULS da Lezíria?
A humanização é um pilar fundamental na prestação de cuidados de saúde. Não basta termos infra-estruturas modernas ou tecnologia avançada, é essencial que o utente sinta que está a ser bem tratado, ouvido e respeitado em todo o processo. A saúde não se resume apenas ao tratamento da doença, mas também à forma como a pessoa é acompanhada ao longo da sua jornada no sistema de saúde.
Para reforçar este compromisso, temos apostado na capacitação contínua das equipas. A empatia e a comunicação eficaz entre profissionais e utentes fazem toda a diferença na experiência de quem recorre aos serviços de saúde. Estamos a trabalhar com a Comissão de Humanização, que desenvolve iniciativas para tornar o ambiente hospitalar mais acolhedor e melhorar a relação entre médicos, enfermeiros e doentes.
Outro ponto importante é o Gabinete do Cidadão, que funciona como um canal directo entre os utentes e a administração. Queremos que este seja um espaço dinâmico, onde as preocupações das pessoas sejam ouvidas e resultem em melhorias concretas no serviço prestado.
A nossa visão para a ULS da Lezíria passa por garantir que a humanização seja mais do que um conceito teórico, mas sim uma prática enraizada no dia a dia das unidades de saúde.
Que mensagem quer deixar à população?
A saúde é um pilar essencial da nossa sociedade, e o nosso compromisso na Unidade Local de Saúde da Lezíria é garantir que cada cidadão recebe cuidados de qualidade, de forma segura, atempada e humanizada. Sabemos que há desafios a enfrentar, mas estamos a trabalhar diariamente para melhorar os serviços, expandir a rede de atendimento e reforçar a proximidade com os utentes.
Quero, sobretudo, deixar uma mensagem de confiança e esperança à população. O Serviço Nacional de Saúde, apesar das dificuldades, continua a ser uma referência e um garante de acesso universal aos cuidados de saúde. Gostaria que os portugueses tivessem tanto orgulho no seu SNS como os britânicos têm no seu NHS [National Health Service]. Acredito que temos profissionais altamente capacitados e um sistema que, apesar dos desafios, continua a garantir uma resposta de qualidade a milhões de utentes.
Na ULS da Lezíria, queremos ser um exemplo de boas práticas, promovendo a inovação, a sustentabilidade e a humanização no atendimento. Contamos com o apoio de toda a comunidade para continuar a melhorar. O envolvimento das autarquias, instituições sociais, profissionais de saúde e dos próprios cidadãos é fundamental para construirmos um sistema mais eficiente e próximo das necessidades de todos. Estamos aqui para servir e cuidar da população, com o compromisso de evoluir constantemente para prestar o melhor serviço possível.
FM/JPN