A Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas, acolheu no passado sábado, dia 2 de Dezembro, o lançamento do segundo volume da trilogia “Alma d’Hybris”, da escritora torrejana Maria Sarmento.

A trilogia “Alma d’Hybris” é uma obra de poesia “em que o transcendente e o imanente reflectem na sua dualidade a unidade da matéria-prima – a palavra poética”.

O segundo volume, intitulado de “Alma d’Hybris – Tomo II: Livro de Saudades do Futuro” define-se como “uma viagem pela música da linguagem, numa pesquisa de si mesma na vivência da sua vida e na contínua interpretação do mundo que a envolve”.

A escritora Maria Sarmento nasceu em Torres Novas, mas reside em Évora desde 1975. É licenciada em Português/ Francês pela Universidade de Évora, e fez o mestrado em Literaturas Românicas Modernas e Contemporâneas na Universidade Nova de Lisboa, com uma tese sobre a temática da Natureza em Fernando Pessoa.

Foi professora do ensino básico e secundário até 2021, e colabora em revistas e diversos jornais nacionais e internacionais.

Já publicou oito livros de poesia em nome próprio, e participou em várias edições conjuntas, a última das quais numa antologia de autores torrejanos.

Em que altura da vida despertou para a escrita?

Muito cedo. Na primeira infância, desde que aprendi a ler. Concretamente aos 10 anos de idade.

O que inspirou este seu livro, “Alma d’Hybris – tomo II – Livro de Saudades do Futuro” e que mensagem pretende transmitir?

Livro de cerca de dez anos de maturação, com textos desse marco temporal. Resultado do conteúdo modificado de dois blogues presentemente desactivados: Saudades do Futuro e Jardim de Saudades. O que me inspira é a vida e o seu Mistério. Ela é a mais pródiga fonte de inspiração poética. A reflexão interior sobre o que está para além do real. A imaginação e o supra-real. A crença de que a Poesia, a linguagem poética toca um entendimento sagrado da vida. Entendo o poeta como essencialmente portador de uma alma que é sempre uma hybris, enquanto desafio aos deuses, pelo poder do fogo da sua linguagem metafórica e operativa.

Como foi o processo criativo desta obra?

Obra de muita maturação e resultado de uma escrita de rasura e reescrita constantes. Um processo que não acaba, propriamente, com a publicação da obra e que aponta caminhos outros para a interpretação do leitor.

Foi um período muito rico em produção literária. Corresponde, na verdade, ao que designo de “estado prolongado de graça”. Escrevi todos os dias num período dilatado no tempo, o que não é um processo muito comum em mim. Posso estar sem escrever durante longos períodos ou escrever de forma exaustiva durante determinado espaço de tempo. São as “intermitências da escrita”, motivadas por acontecimentos no meu ser interior ou outros sobressaltos transformadores.

O que representa para si a escrita?

A escrita é como a respiração interior que oiço e não me abandona. Não se cala. São as vozes que não consigo nem procuro silenciar. A escrita deste livro, particularmente, é importante por dois factos: o primeiro é o que corresponde ao corte de duas décadas sem publicar. Por outro lado, é uma obra de grande fôlego. De algum modo, posso dizer que ela corresponde a um período longo de “estado de graça” criativa. A imaginação sempre a encontrar novas formas de exprimir o ser e o mundo.

Quais as suas grandes referências literárias?

Primeiro os clássicos, em casa da família: Tolstói, Dostoiévski… Os portugueses: Eça e Camilo, depois os surrealistas portugueses: António Maria Lisboa, Cesariny; os franceses: Breton, Paul Éluard, Antonin Artaud, Charr… os Simbolistas, Camilo Pessanha, depois Teixeira de Pascoaes; os modernistas: Cesário Verde, Pessoa, Teixeira de Pascoaes eos contemporâneos: Herberto Hélder, David Mourão Ferreira; Amadeu Baptista, entre  outros.

Considera que um livro pode mudar uma vida?

Por si só, não. Mas a literatura, as leituras podem transformar e ajudar a transformar o Homem e, por conseguinte, a sociedade e o mundo. Os valores éticos, estéticos e morais são transmitidos e adquiridos na família, mas desenvolvidos pelas leituras, pelas boas leituras. A Poesia é uma arte “sagrada” diria. Possui ela o poder de transmutação da realidade, enquanto Verbo que cria uma outra realidade, mais próxima do que entendemos por Voz dos Deuses, uma voz oracular.

Tem outros projectos em carteira que gostaria de dar à estampa?

Sim. Gostaria, ainda no âmbito da Poesia, de desenvolver alguns projectos em curso de uma poesia mais contida, menos “palavrosa” sem demérito para os textos de Poesia ou de prosa poética de grandes dimensões. Creio que se trata de uma vontade de me “libertar” dos textos poéticos que consubstanciam esta trilogia, agora dada à estampa pelas Edições Sem Nome, de que falta, ainda, o tomo III para fechar o ciclo, que sairá em 2024.

Um título para o livro da sua vida?

Aparição de Vergílio Ferreira e o Livro do Desassossego. O primeiro pela expressão filosófica e existencialista, o segundo por me rever, muitas vezes, nesse estado semi-dormente do semi-heterónimo de Pessoa.

O que mais aprecia nas pessoas?

Educação e honestidade.

O que mais detesta nelas?

Arrogância e egoísmo.

Acordo ortográfico. Sim ou não?

Definitivamente, não. Enquanto puder, não o adopto. Não quero ser cúmplice da deformação, para não dizer destruição, que isso seria impossível, da bela Língua Portuguesa.

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