Com o olhar atento ao mistério de reprodução da vida no âmago da natureza, os seus ciclos repetidos, “No Tempo Lento”, obra de estreia do autor escalabitano António Oliveira Almeirão reúne memórias de acontecimentos díspares de três tempos distintos: a infância de rituais rurais e a vida calma na aldeia circundada de pinhais, pássaros e ninhos – descritos com minúcia e enlevo -, e as recordações das lendas contadas pela avó; a adolescência com as ilusões e desilusões do império e reminiscências das estórias da avó à lareira, como a do “Reino  Encantado do Congo”, que o autor revisita e contextualiza face à sua formação em História; a fase adulta e o fim das ilusões, com o autor a cumprir comissão militar no norte de Angola, outrora, parte integrante desse mesmo Reino do Congo, recordam-se acontecimentos trágicos ou pícaros ocorridos no dia a dia da Companhia e da sanzala. O acompanhamento do passar do tempo com histórias,

poesias e costumes de outros tempos, lentos, de sonhos e deslumbramentos, leva-nos a refletir sobre as guerras, sobre o ser humano, sobre a relação do homem com a natureza e sobre o nosso tempo, agora digital, fugaz e acelerado. António Oliveira Almeirão nasceu em Espinheiro, concelho de Alcanena, em 1951. Fez o Curso Geral do Comercio em Santarém, a Licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e o Mestrado em Sociologia – Variante Gestão de Recursos Humanos, na Universidade de Évora. Cumpriu comissão militar em Angola como Alferes (1973-75), com a especialidade de Operações Especiais – Rangers de Lamego. Desempenhou funções Técnicas e Técnico-Superiores no Centro Regional de Segurança Social de Santarém e de Director de Serviços (Secretário) na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Santarém.

Em que altura da sua vida descobriu a vocação para a escrita?

Primeiro, descobri o prazer de ler. Lia tudo, menos os livros de estudo. Cumulativamente, por volta dos treze ou catorze anos, descobri também o prazer de escrever. Inicialmente uma sensação reconfortante. Depois, um apaziguamento interior. Mais tarde, uma necessidade. Por vezes, ainda, uma impossibilidade, por mais que se tente.

O que inspirou esta sua obra, “No Tempo Lento”?

O que inspirou o livro ” No Tempo Lento – Pássaros e Ninhos”, foi a não sintonia com este tempo rápido, digital, de tecnologia mecanicista e volátil. Em oposição ao tempo pausado, “em que tudo se fazia na sua estação própria, e cada estação tinha os seus usos e as suas diversões.”, como escreveu o poeta e escritor italiano Cesare Pavese.

De que trata este livro?

Este livro é, essencialmente, uma Narrativa sobre a memória, através de pequenas estórias encadeadas próximas da oralidade. É, a memória, salpicada com uns polvilhos de ficção, que vai buscar a esse mundo rural atrás evocado, situações, costumes, tradições e modos de vida, a par das profissões – resineiros, serradores, cavadores -, e dos passarinhos e ninhos, descritos com enlevo e conhecimento de experiência feito. Isto na primeira parte, a da Infância. Já na segunda parte da Adolescência e Ilusões de Império, é a África lendária, dos heróis icónicos, patriotas e degredados de má sina que imperam, (Zé do Telhado, por ex.). A par do ” Reino Encantado do Congo”, que se prende com os primórdios de Angola, que na altura englobava, logo após a chegada de Diogo Cão ao caudalosos e extenso rio Congo, história desconhecida para a maioria dos portugueses, e que tem tudo para encantar quem a conhece. Como encantado ficou o monarca (Menekongo) com os portugueses, tendo-se convertido ao cristianismo e copiado ao longo dos séculos os usos e costumes da corte, desde títulos nobiliárquicos, trajes, ordens religiosas (Ordem de Santiago), sempre protegido, dos seus rivais, pelo tremendo poder de fogo dos canhões portugueses.

Na terceira parte, do Adulto e Fim do Império de Ilusões, é a dura realidade da guerra, – “sem estágio para principiantes, era logo a doer, morrer ou matar”, que se retrata, adoçada por estórias pícaras, divertidas ou trágicas, ocorridas na Companhia e sanzala.

A Avó Amélia, que evolui ao longo da narrativa para a Ti Amélia dos Passarinhos, é a argamassa que permite aglutinar e explicar os acontecimentos aparentemente díspares nas diversas idades distintas, pela presença constante durante a infância, considerada determinante.

No Epílogo, regressa-se ao território da infância, com essa grandiosa máquina do tempo que é a Memória, que nos traz o passado ao presente, onde os ouvidos e olhos do adulto, desencantados, constatam que: hoje, até temos a ilusão de que os passarinhos cantam mais baixo, os pios tristes do verdilhão, cada vez mais raros, parecem ter ficado ainda mais tristes e os ainda mais raros e melodiosos garganteios do pintassilgo, parecem ter perdido melodia. Presume-se que, até  os trinados estridentes do pisco das pernas fininhas, se não fosse a ajuda da boa vontade do vento, já não conseguissem atravessar os densos balsedos de silvas e ervas daninhas em que se transformaram os terrenos incultos.

Como é o seu processo criativo?

Não tenho processos especiais de inspiração, pelo menos de forma consciente. Existem alturas em que tudo flui, e outras não, sem motivo aparente. Contudo, uma música suave e um ambiente sossegado, ajudam bastante.

O que representa para si a escrita?

A escrita, nesta fase da vida, desde que não existam pressões de tempo é gratificante. A nível da sociedade, do mundo, pode mover montanhas. A palavra conta, porque, tarde ou cedo, desencadeia acções. Mesmo quando não se consegue fazer a ligação directa.

Que livros é que o influenciaram como escritor?

Não consigo citar um que tivesse sido determinante. Foi a amálgama, aparentemente desconexa, que gradualmente me levaram a fazer escolhas. Desde as histórias aos quadradinhos (cowboys), das quais era leitor compulsivo, aos livros de aventuras, à literatura portuguesa mais branda de Júlio Diniz ou Trindade Coelho, aos meus preferidos – Torga, Aquilino, Raul Brandão, Eça, Pessoa, aos livros brasileiros mais “ásperos” – “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, ou o volumoso “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Assim como foram importantes, na sua fase própria, os livros de escritores franceses, quando a cultura francesa estava na moda em Portugal, ou os livros dos incontornáveis autores russos, pela mesma razão – Dostoiévski, Tolstoi, Tchekhov.

Considera que um livro pode mudar uma vida?

Penso que poderá influenciar-nos durante algum tempo. Não sei se terá poder suficiente para nos fazer mudar o rumo, nas diferentes etapas que atravessamos. Obviamente, que cada pessoa é uma pessoa diferente.

Tem outros projectos em carteira que gostaria de dar à estampa?

Neste momento, acabado, não. Gostaria de tentar o género literário do romance histórico. Algo que tivesse relacionado com a expansão. Criar um enredo baseado em factos reais, por exemplo, o abandono da última fortaleza marroquina, já no tempo do Marquês de Pombal – Mazagão -, face a acontecimentos aparentemente misteriosos que ocorreram com a totalidade dos residentes, independentemente da classe social, trazidos para Lisboa, e mais tarde fundadores da cidade com o mesmo nome no Brasil.

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