O Fórum Mário Viegas, em Santarém, inaugurou hoje, 5 Março, a exposição de fotografia em Bromóleo de Renato Ferreira, autor luso-americano, natural e residente em Coimbra que se dedica ao estudo e ensino desta técnica e de outros processos alternativos no seu ESTÚDIO 77. Esta Colecção de Bromóleos realizada com base no gosto do autor pela fotografia, engloba cerca de 35 trabalhos fotográficos com impressão manual a óleo. Foi o gosto pelo desenvolvimento desta técnica que esteve na base da constituição deste conjunto de trabalhos, e que levou o autor a dedicar-se a esta técnica tão especial e que marca o início dos processos fotográficos. Renato Ferreira nasceu em Souselas, Coimbra, onde iniciou os seus estudos e desenvolveu o gosto pela fotografia. Em Coimbra esteve sempre ligado a vários núcleos de fotografia amadora e profissional, apesar da sua actividade profissional em áreas diversas, que exerceu durante cerca de 30 anos. No entanto, a sua paixão pela fotografia permaneceu. Seu pai já era um fotógrafo amador, e também foi colaborador de dois jornais diários como correspondente local, no tempo em que os jornalistas escreviam os artigos e juntavam as fotografias reveladas na ocasião. Este mistério da câmara escura, o desenrolar do processo químico inerente à obra fotográfica iria marcar o autor para sempre. Retirado da sua vida profissional, e a partir do seu laboratório vem desenvolvendo um trabalho de divulgação da fotografia tradicional e alternativa, nomeadamente as técnicas de impressão a óleo e o bromóleo, assim com outros processos históricos que em todo o mundo e também em Portugal despertam uma enorme curiosidade e entusiasmo, a todos aqueles que desejem aprender a arte fotográfica e as técnicas mais tradicionais desde o seu início. O crescente interesse pelo seu trabalho neste âmbito motivou o autor a expandir as suas exposições em mais galerias e espaços culturais pelo país. O Bromóleo é um processo, que consiste no branqueamento de fotografias em papel de brometo e o seu revestimento com pigmento oleoso, que produz assim um acabamento com uma textura semelhante ao da pintura a óleo. Surgiu na Inglaterra no ano de 1907, fazendo grande sucesso entre os fotógrafos pictorialistas até 1920.

Quando descobriu a sua vocação para a fotografia?
Já la vão muitos anos. O meu pai era fotógrafo amador, já em meados dos anos 50 e anos 60 e era, também, correspondente do Diário de Notícias e do Século.
Recordo-me, como se fosse hoje, as digressões que fazia com o meu pai. Ele realizava as reportagens, fazia o artigo escrito e tirava umas fotografias que depois revelava em casa e eu comecei, com 7 ou 8 anos, a ver todo esse processo de revelação das fotografias para serem preparadas e, depois, com o artigo que ele escrevia eram levadas no comboio correio para serem levantadas em S. Apolónia.
Tudo isto despertou em mim grande curiosidade. Para alem disso, o meu pai também fazia trabalhos em Bromóleo e outras práticas da chamada fotografia primitiva.
Continuei a ter curiosidade, a praticar, a ter o meu laboratório. O digital, para mim, não foi de forma alguma uma substituição, porque é uma fotografia limitada. A fotografia analógica é mais interessante para cultivar o espírito e para dar aquele aspecto de realização criativa.
Entretanto, emigrei: estive nos Estados Unidos muitos anos e tive a sorte de viver ao lado da sede da Kodak. Conheci várias pessoas ligadas à empresa, que faliu em 2012, mas foi substituída por uma fundação que deu workshops que eu assisti e aprendi bastante.
Fiquei, digamos, ligado a um grupo internacional de fotógrafos, da parte analógica e histórica, que têm como missão despertar o gosto pela fotografia analógica, pelos processos históricos, ensiná-los, para que não morram.

Em que consiste esta técnica especifica do Bromóleo?
É uma técnica nobre da fotografia porque, para além de todas as outras técnicas, é de grande exigência e muita versatilidade. E, para além disso, tem como característica principal criar uma obra, que se assemelha a uma pintura a óleo.
O Bromóleo é uma técnica que exige muito trabalho manual, que é preciso ser aprendido, e permite, em todo o percurso, grandes hipóteses de criatividade.
Não é só o clicar e o revelar. A prova é branqueada – e isto começa com uma fotografia a preto e branco – e esse branqueamento faz desaparecer a fotografia, mas ela está lá. Depois, passa por um período de secagem, e a fotografia é novamente colocada em água para a fazer ‘inchar’. Quando entufa, incha mais nos lugares onde havia prata, e menos onde não havia. O que é que acontece? Quando vamos aplicar uma tinta com pigmentos de várias cores, que é feito com óleo de linhaça, com a aplicação desses pigmentos, eles aderem ao motivo em porções que vão desde o muito carregado ao menos carregado ou subtil, de acordo com o depósito que lá existe.
Isso dá uma hipótese de criatividade extraordinária: é preciso fazer uma fotografia em pelicula, é preciso fazer uma reprodução dessa fotografia, depois de relevado o filme, em preto e branco, numa prova e, depois, fazer toda a fotografia como se fosse para acabar ali. Mas não é: depois, a partir daí, entra na fase do branqueamento e depois a pintura final que é a mais interessante. Aí se consegue um trabalho ‘sui generis’, que é um trabalho que muito parece a pintura a óleo. Começa por ser uma fotografia e acaba por ser uma pintura a óleo praticamente
.
O que o fascina nesta técnica?
Eu pratico outras técnicas, mas, para mim, o Bromóleo é a conjunção de todas elas. Não só exige uma prática analógica perfeita do preto e branco, mas depois, para além disso, através de um processo químico, criam-se matrizes de motivos que podem ser um trabalho excepcional para as noites de Inverno quando, praticamente, não se faz fotografia e podem-se fazer as ‘pinturas’.
O fazer nascer o motivo outra vez, da maneira que eu quero, fazendo subtracções, é como se estivesse a trabalhar com um Photoshop analógico dos anos de 1800 (risos).

O que é, para si, a fotografia?
É um processo interessante de fazer reviver e viver motivos que, de outra maneira, seriam perdidos no tempo. Hoje, infelizmente, a fotografia digital tomou conta da fotografia, mas eu até costumo dizer que é ‘digitografia’, nem é bem fotografia.

Tem algum motivo predominante que goste de fotografar?
Já me dediquei a tudo: tenho uma colecção grande de fotografias do 25 de Abril, do primeiro 1º de Maio… tive fases de estúdio, fotografia de retrato. Digamos que passei por todas as fases, na altura em que não era jornalista, mas fazia reportagem. Também fiz casamentos e outros trabalhos de um cariz mais comercial, mas, para mim, a fotografia não pode acabar nem no computador nem na revelação. Só termina quando se pendura na parede.
Eu acho que o Bromóleo, e as artes antigas da fotografia que remontam aos inícios da fotografia, e toda a história da fotografia para mim é excepcional. E é isso que não quero que desapareça e faço os possíveis para sensibilizar as pessoas.
O meu estúdio, em Souselas, é ‘pro-bono’, onde dou aulas gratuitas às crianças e adultos. Faço workshops, ensino várias técnicas, ensino a revelar, a fazer os reveladores. Hoje há muita falta de material, e tem que haver uma certa capacidade de dar a volta a esse problema. Eu faço os papeis, faço os reveladores…

Quais são as suas grandes referencias ao nível da fotografia?
Falando de referências antigas do início da fotografia a nível do óleo, admiro o trabalho de Leonard Mison. Temos, também dois portugueses altamente conceituados: Carlos Relvas e Frederico dos Anjos, ambos da Golegã.
O Frederico dos Anjos, dono da Quinta dos Álamos, era muito bom em fotografia do Ribatejo, fotografia agrícola, dos motivos campestres e da agricultura. A nível actual, há muitos… o Salgado, o Galvão, do Porto… Agora, esta fotografia chamada moderna, de reportagem, vulgarizou-se demasiado. Antigamente, para fazer uma fotografia dessas era necessário um certo esforço, para fazer nascer um documento.
A fotografia, para mim, está um pouco além disso. Para além do assunto, do motivo em si, a fotografia precisa de ser elevada a arte.
Foram os pictorialistas que iniciaram o Bromóleo, por volta de 1800 e poucos. Com os assuntos do pictorialismo da época dar uma certa projecção à fotografia como obra de arte. Chegou ao ponto de assustarem os pintores, mas foram eles que, curiosamente, encontraram nesse projecto a hipótese de também eles adaptarem esses conhecimentos ao desenho e à fotografia.
As artes juntam-se e eu luto para que a fotografia seja também considerada arte, e os processos modernos alheiam-se desse facto e afastam a fotografia desse desígnio e tornam-na vulgar.
Hoje, quando se fala em fotografia, fala-se do digital, onde é clicar, clicar… esperando que o motivo por si salve, que tenha impacto. Essa fotografia é esquecida com facilidade.

O que tem preparado para esta exposição?
Serão cerca de 35 obras que vou trazer aqui e que retratam a fotografia histórica do Bromóleo, e da chamada fotografia primitiva: o papel é feito por mim: é um papel de aguarela que depois leva uma camada ou duas de gelatina e um banho de hidrato de prata feita por mim. O Bromóleo não se mostra interessante apenas para determinado tipo de assuntos. Também se pode adaptar ao retrato, à paisagem: é uma técnica com muita latitude e tem muito para explorar e tem interesse, por exemplo, para cativar os miúdos para este mundo da fotografia..

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