No Mundo de hoje, em constante mudança, com aumento de situações de conflitualidade entre grupos, empresas ou Estados, surgem tentativas de ultrapassar as dificuldades que revelam que os diferentes poderes também se conflituam. Novas formas de competição surgem como “cogumelos” e tudo se transforma em dinâmicas geopolíticas. É este o caso da palavra “tokenização”. Acreditamos que para muitos seja um conceito novo e não signifique nada. No entanto, a tokenização já está entre nós há alguns anos e é uma prática corrente no mundo financeiro.
Repare-se, como exemplo, nos títulos dos meios de comunicação social: “…portuguesa aposta na ‘tokenização’ imobiliária na Gronelândia” (Idealista News); “(…) portuguesa vai ‘tokenizar’ empreendimento de luxo na Comporta” (Eco.sapo.pt). Podíamos continuar a apresentar inúmeros anúncios deste tipo, pois, são frequentes nos meios de comunicação e redes sociais.
O que significa “Tokenização”, como se processa e quais as consequências para um Mundo em evidente transição de poder?
Para nos entendermos, podemos começar por dizer o seguinte: no mundo de hoje tudo pode ser vendido e, evidentemente, tudo pode ser comprado. Podem vender empresas, o edificado das empresas, matérias-primas, produtos, ou mesmo, equipas de futebol, jogadores, obras de arte, patentes, marcas, água, árvores, florestas, moeda, obrigações, fundos ou o que a imaginação conseguir colocar no mercado. Se dividirmos em pequenas parcelas o produto vendável, porque tem valor, é necessário ter em conta que não é possível realizar fisicamente essa divisão. É preciso tornar tudo virtual, ou seja, digital. Temos, então, a ideia de “tokenização”. Sendo assim, estamos em presença do processo de converter ativos, sejam eles tangíveis ou intangíveis, em “pequenas partes” designadas por tokens digitais. Essas fracções representam o activo original e podem ser negociadas de forma mais fácil e acessível no ambiente digital. É necessário esclarecer que os activos tangíveis são os bens físicos e materiais que uma empresa ou indivíduo possui e que têm valor económico, ao contrário dos activos intangíveis que não têm existência física. Conclusão, tudo pode ser negociado desde que exista a perspectiva de criação de ganhos. No fundo, estamos a referirmo-nos a investimentos. Claro que estamos no campo do mundo financeiro digital. No mundo da informática e da Inteligência Artificial.
Imagine que um agente imobiliário pretende encontrar investidores para a construção de um imóvel. O primeiro passo é tokenizar, total ou parcialmente, o seu produto. Sem a intervenção de intermediários, com custos operacionais mais baixos, consegue rapidamente (se o produto for apetecível!) um investimento fraccionado por inúmeros “pequenos” investidores. Os compradores serão proprietários de uma pequena parcela do imóvel participando, assim, nos ganhos das vendas futuras. O mesmo pode acontecer com, por exemplo, uma obra de arte cujo valor seja muito elevado e que ao ser tokenizado pode ser adquirido, muito facilmente, por pequenos investidores.
Por curiosidade leia, entretanto, o anúncio de tokenização da operação que ocorreu este ano no Brasil: “Da Rocha ao Token: O Futuro da Água. Adquira o Hanuman Water Token (HWT) e garanta acesso à Água Hanuman – Mineral, Multimilenar, Hipertermal, Multifuncional – Sem Trítio. Uma fonte única, vital e exclusiva, agora transformada em um ativo digital com lastro real para o seu futuro.” Interessante! Também a venda água pode ser tokenizada. Curioso!
Fácil!? No entanto, estas operações têm os seus riscos como qualquer investimento accionista ou em fundos financeiros…
Este processo tem tido um desenvolvimento exponencial no último ano como resposta, de certo modo, ao crescente protecionismo comercial entre os Estados, principalmente, as grandes potências. Temos vindo a assistir a um aumento de barreiras comerciais e ao desenvolvimento de políticas de isolacionismo económico de modo a tentar regular os problemas de desindustrialização, desemprego, inflação e controlo de matérias-primas. A tokenização é uma alternativa a este crescente protecionismo criando redes de mercados que anteriormente não estavam acessíveis. A globalização pode voltar com outras características, admitindo, deste modo, que neste mercado financeiro as fronteiras entre Estados possam desaparecer progressivamente. Poderão estar criadas as condições para uma corrida aos novos interesses geopolíticos. A dificuldade de criar fluxos globais de capitais, de bens e serviços, tem originado a pesquisa de novos caminhos. A tokenização é, assim, uma forma estratégica para ultrapassar os obstáculos criados pelo crescente protecionismo.
Se as fronteiras físicas desaparecerem progressivamente e as barreiras diminuírem torna-se possível que as operações de investimento em activos tokenizados sejam abertos a indivíduos, empresas ou mesmo Estados. Este processo apresenta consequências económicas e financeiras claras. Um investidor nestes moldes não necessita de responder a todas as exigências colocadas noutros sistemas, como por exemplo: não é preciso ser investidor local, ter conta bancária no país de venda/compra, a existência de intermediários ou mesmo dos serviços bancários. Logo, estamos a referimo-nos a operações rápidas, seguras, sem tarifas, com menores custos cambiais e com custos operacionais mais baixos. Tudo é legal e seguro e o campo de actuação globaliza-se, especialmente, a digital.
A transformação dos sistemas mundiais, financeiros e comerciais, é enorme e rápida, comparando com outros mercados e estratégias. A propósito, leia-se o excerto do artigo do DN – Dinheiro Vivo publicado em 30 de novembro deste ano: “O mercado global de ações e obrigações ultrapassa atualmente os 250 mil milhões de dólares. Embora o sistema financeiro atual seja funcional, sofre com infraestruturas que já estão ultrapassadas, múltiplos intermediários, custos elevados e processos de liquidação (settlement) lentos. A blockchain oferece uma infraestrutura partilhada, mais eficiente, com liquidação instantânea e acesso a novos produtos financeiros. Estima-se que, até 2035, entre 4 e 5 biliões de dólares passem a estar representados em valores mobiliários digitais”.
É evidente, que existem muitos riscos e desafios. A regulamentação de todo o processo ainda está, em muitos países, muito incipiente. A liquidez não está assegurada, embora em muitos casos, estejam definidas garantias reais para o investimento. O terceiro problema reside na gestão dos activos reais. Quem concretiza essa gestão? Como? São as melhores opções?
A tokenização utiliza a tecnologia designada por “blockchain” que é considerada muito segura. A segurança desta tecnologia parece evidente pois é utilizada por vários Bancos Centrais para o registo das suas novas moedas digitais e criptomoedas, fundamentais para a concretização de novas moedas (digitais) de referência.
Este novo mercado financeiro coloca vários problemas de poder e soberania porque pode diminuir/aumentar a influência dos Estados com maior concentração de capitais.
Um dos argumentos a favor da tokenização é o aumento da democratização no acesso ao mercado financeiro global. No entanto, é importante não esquecer questões geopolíticas como: quem controla todas as novas redes de tokenização e quais são as relações de poder globais. Os países que dominarem os sistemas de tokens, quer através das transações, quer da tokenização das moedas, ganharão um lugar central geometria de poder.
O Mundo Financeiro está marcado pela crescente tokenização do mercado global de investimentos. Este processo poderá alterar a relação de forças entre as grandes potências e originar uma alteração geopolítica contrária ao desenvolvimento recente do protecionismo de Estado. O Mundo será diferente nas próximas décadas! Será a “Tokenização” mais um instrumento de poder e de governança do Mundo?!
