Sempre algo me deixou perplexo na invasão russa da Ucrânia. A 24 de fevereiro de 2022, forças russas entraram em solo ucraniano perto de Summy, uma pequena cidade do Donbass próxima de Kharkiv. Não avançaram diretamente para o Donbass e Luhansk, áreas ucranianas de maioria russófona, mas seguiram a linha da fronteira russo-ucraniana até Kiev. Pelo caminho, destruíram todas as bases militares ucranianas na periferia dessa linha de fronteira. Chegados a Kiev, destruíram a torre de telecomunicações, mas, estranhe-se, não atacaram nem o Palácio do Presidente, nem o Parlamento, nem departamentos governamentais, nem sequer áreas residenciais. Deram a sua missão como concluída e retiraram para a Bielorrússia. Quais eram, afinal, as reais intenções das forças russas?

O storytelling ocidental, a partir dessa altura, assentou sempre em três pontos fundamentais: as criminosas intenções expansionistas russas, a vergonhosa violação do direito internacional, o apoio inequívoco ao povo ucraniano, na sua legítima luta pela independência, integridade territorial, liberdade e democracia. As televisões e outros media da maior parte do mundo inundaram-se de declarações, opiniões, comunicações e outras intervenções, em defesa do povo ucraniano, da liberdade e da democracia, contra a Rússia, o ditador Putin, os seus sequazes e comparsas e o comunismo em geral. Fica-nos na memória o período do Macarthismo, desde o final dos anos 40 até meados dos anos 50 nos Estados Unidos, onde o Senador Joseph McCarthy promoveu uma campanha sem precedentes de disseminação do medo contra a influência comunista e a espionagem soviética nos Estados Unidos. Muitos cidadãos norte-americanos foram incomodados, prejudicados e até presos sem culpa formada, para mais tarde se constatar que tudo era uma farsa e mais uma estratégia de guerra fria.

Tudo nesta campanha pró-Ucrânia parece seguir o mesmo guião. A pressão massiva dos órgãos de comunicação social, os acontecimentos fabricados ou distorcidos (como podiam os russos atacar diariamente a central nuclear de Zaporizhzhia, numa altura em que já a controlavam há mais de 6 meses? qual o interesse dos russos em destruir os gasodutos Nordsteam, quando eram dos principais interessados na sua operacionalização? porque não havia sangue junto dos corpos encontrados em Bucha?), a diabolização do inimigo, corresponde em larga escala à linhas mestras do McCarthismo mas também à retórica e filosofia propagandista de Joseph Goebbels, o nefasto ministro da propaganda de Adolf Hitler.

Mas com a queda de Joe Biden, um candidato democrata escolhido para “perder com honra” e que acabou por se ver presidente, fraco, idoso e doente, tudo mudou na realpolitik norte-americana. Donald Trump é sobretudo um negociante de imobiliário investido em presidente dos Estados Unidos e isto explica a maior parte da sua conduta. Trump detesta perdeu e tem um faro especial e muito treinado para oportunidades de negócio. É esta a sua interpretação da política internacional e, que eu saiba, os europeus não votam para eleger o presidente dos Estados Unidos, por isso todos os comentários e dichotes são, antes do mais, irrelevantes.

Todo o esforço de guerra na Ucrânia sempre saiu dos cofres norte-americanos, nas estatísticas correntes cerca de 70% do valor total. Do lado europeu, muitas intenções, coligações, convenções e declarações, mas de efetivo e eficaz, nada. Mesmo que tenham operado na sombra, nunca se envolveram nem uma ínfima parte do que os norte-americanos fizeram. Muita conversa, pouca ação. Este podia ser o mote da Europa de Von Der Leyen, a Europa do puxa empurra, a Europa próxima da corte e longe dos servos, aliás cidadãos europeus, afinal a verdadeira razão de ser da sua existência. Esta Europa fundamentalista no ambiente, mas que apenas polui 7% do total mundial, esta Europa que vai retirar dos fundos de coesão os milhões de milhões para investir na defesa, que discute se deve avançar com os Saab Grippen, os Rafalle ou os sempre eternos norte-americanos F-35, que vê no espaço a sua grande oportunidade de defesa, como se um escudo dourado nos pudesse proteger desde a ponta de Sagres até aos confins da Lapónia. E, com um sorriso no rosto e umas frases de ocasião, vamos retirar milhões e milhões aos países pobres, às regiões periféricas, a quem já perdeu com o covid e as troikas, para os ir enfiar nos delírios lobistas de quem se julga o senhor dos anéis, de quem joga o espaço europeu como um teatro de marionetas, pago como sempre com o dinheiro dos outros.

Há dias, num programa da televisão francesa, o General Fabien Mandon, Chefe de Estado Maior das Forças Armadas francesas, disse publicamente que “Se o nosso país vacilar porque não está preparado para perder os seus filhos… ou para sofrer economicamente porque a prioridade tem de ser a produção militar, então estamos de facto em risco.” Fabien Mandon falava num congresso de autarcas franceses e, apesar de as suas palavras terem sido apoiadas pela ministra francesa da defesa, foram violentamente criticadas por todo o espetro político, desde a extrema esquerda de Melechon até à extrema direita do Rassemblement National. Umas semanas antes, a mera alusão pelo governo alemão do regresso de uma espécie de serviço militar obrigatório levou de imediato a um coro de protestos por parte de organizações jovens.

É esta a situação da Europa. Face ao ultimato de Trump a Volodymyr Zelensky, porque é disso que se trata, tendo em conta que os “parceiros” europeus não foram previamente consultados nem sequer informados, o poder negocial desta Europa centrada em Bruxelas esfuma-se e desfaz-se. A França, a Inglaterra, a Espanha e até a Alemanha têm a sua situação política a degradar-se muito rapidamente. O primeiro a querer levar para a frente a “gracinha” do General Fabien Mandon, vai mandar o respetivo governo abaixo, por isso timidamente se armam em fortes e se mantêm no campo das intenções.

Por cada governo europeu que caia, todos sabemos o que vem a seguir. De acordo com o “Pool of the Pools” da revista inglesa “Politico”, as sondagens são lideradas em França pelo Rassemblement National (34%) e em Inglaterra pelo Reform UK (29%). Na Alemanha o AfD está em segundo (23%) e em Espanha o Vox está em terceiro (17%). Em Portugal, temos o Chega e está tudo dito. Em Itália, os Fratelli d’Italia ganharam as últimas eleições e Giorgia Meloni é a primeira líder de governo de extrema direita no pós Segunda Guerra Mundial. Mas não é difícil adivinhar que outros países se lhe seguirão nos próximos 2 a 5 anos. Isso irá mudar por completo o espetro político no Parlamento Europeu e na Comissão Europeu. A União Europeia está no fim de um ciclo, que começou com o Tratado de Roma de 1960, e que tem vindo a ser desvirtuado a partir daí. Hoje, não é mais que um oco e sombrio jogo de interesses, feito nas costas dos cidadãos que neles votam, via eleições europeias. Já chega.

Com tudo isto, chegamos a Helena Maria Pereira das Neves, Lena Neves para os amigos. De acordo com o seu curriculum, Helena Neves tem 57 anos, nasceu e reside em Marinhais, é engenheira zootécnica, professora de yoga, solteira e tem uma filha. Já foi professora do ensino secundário, judoca, animadora, jogadora de vólei, radialista e sabe-se lá que mais. Helena Neves é, desde 4 de novembro, a nova Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos.

Mas o que é que Helena Neves tem a ver com estas histórias de guerra, intimidação, mentira, manipulação, ganância e interesses? Nada! Ou melhor, tudo, porque Helena Neves é a antítese de tudo isto. E ainda bem que existem pessoas com a Helena Neves, ainda bem.

A Helena foi vereadora independente no mandato autárquico anterior, num executivo do Partido Socialista. Desta vez, o Partido decidiu prescindir do anterior presidente e enviou um militante com raízes locais para ganhar as eleições. Enérgica como sempre, Helena decidiu avançar com uma lista independente, chamada “Juntos Fazemos +”. O que fez a diferença desde o início foi a sua atitude: foco nas pessoas, nos relacionamentos pessoais, discurso positivo e encorajador, motivação em todos os seus atos.

Helena Neves fez exatamente o contrário que os políticos “de carreira” costumam fazer: à conversa de circunstância contrapôs a conversa ao coração, às promessas para não cumprir centrou-se nas necessidades das pessoas, ao distanciamento afetado de quem só lá está porque tem de estar, Helena contrapôs sinceridade, genuinidade e humildade. Foi uma entre todos, não a chefe do que quer que fosse. Por isso ganhou.

De uma forma simples e eficaz Helena Neves conseguiu mobilizar as pessoas para aderirem e votarem na lista “Juntos Fazemos +”. Será assim tão difícil? Temos tanto a aprender com pessoas como Helena Neves. O mundo precisa de mais Helenas Neves.

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