Filipa Ribeiro Pereira, natural de Almeirim, venceu em Dezembro a quarta edição do prémio APAV para a investigação. Estudou Direito na Universidade Nova de Lisboa. Esteve na Grécia como voluntária da Plataforma Portuguesa de Apoio aos Refugiados, o que a fez ter ainda mais vontade para lutar pelos direitos humanos.
Quem é a Filipa Ribeiro Pereira?
Estamos sempre em auto-descoberta por isso é uma pergunta um pouco difícil. Sou muito sonhadora, ambiciosa e perfeccionista. Gosto de ajudar os outros e sou movida pela defesa dos direitos humanos e por causas humanitárias. Penso que sou uma pessoa lutadora e optimista.
O que a levou a seguir carreira na área do Direito?
Quando frequentava o ensino secundário, pensava seguir Relações Internacionais. Mas desde logo me decidi pelo curso de Direito, pela abrangência de conhecimentos. E não me arrependo um milímetro, uma vez que gostei do curso e tenho um especial interesse pelo Direito Criminal, Direito da Família e das Crianças, até ao Direito Internacional e Europeu. Em suma, a paixão pelos direitos humanos foi o que me fez seguir este percurso.
Venceu recentemente um prémio da APAV para a investigação. O que a levou a realizar um trabalho sobre o papel da vítima no processo penal português?
Sempre fui muito atenta às cifras negras que estão presentes nas sociedades modernas no que respeita ao número de vítimas de violência doméstica. Já tinha tido também um certo contacto com o trabalho com vítimas. A desigualdade de género, a culpabilização das vítimas de violação, são problemas que me sensibilizam e que me fazem querer lutar por uma sociedade mais justa onde haja verdadeira liberdade independentemente do sexo. Ao longo dos meus estudos, e sobretudo no mestrado, apercebi-me de que há muitos poucos estudos na área da protecção jurídica das vítimas, vitimologia (que é uma variante da criminologia). Estes assuntos já têm um desenvolvimento científico noutros países, como por exemplo na Holanda, mas em Portugal é uma área muito pouco explorada.
Assim decidi dedicar-me ao estudo, numa perspectiva jurídica, da protecção jurídica e direitos fundamentais das vítimas no âmbito do processo penal.
Acha que a justiça em Portugal é benéfica para as vítimas de violência doméstica?
Esta é uma questão imensamente discutida entre os portugueses. A lei portuguesa já confere um leque bastante alargado de direitos às vítimas de crime. Existem vários mecanismos que a lei prevê que os operadores judiciários (polícias, mas sobretudo Ministério Público e juiz) podem aplicar para conferir uma protecção adequada em cada caso concreto. O que quero dizer com isto é: há, de facto, lei que baseie uma protecção adequada. Por vezes o que pode faltar e o que tem maior impacto na vida das pessoas é a ausência de resposta em tempo útil. A meu ver, a maior parte dos magistrados têm consciência e são sensíveis ao ponto de agirem de forma proactiva. Claro que há casos em que essa resposta falha, mas não quero acreditar que seja a regra geral. Por isso é que a formação de magistrados se tem reforçado cada vez mais quanto a estas temáticas.
Que mais poderia ser feito para diminuir os casos de violência doméstica?
Desde logo, a educação de base para a igualdade de género. O problema não se resolve caso a caso, pelo menos a longo prazo. Ou seja, a violência doméstica só se poderá atenuar se se alterarem mentalidades. Porque, na verdade, estes crimes são reflexos da violência de género, que decorre da desigualdade. Logo, o problema tem uma raiz social muito mais significativa do que muitos possam pensar. Esta educação passa pelas escolas, por exemplo.
Foi também voluntária na Plataforma Portuguesa de Apoio aos Refugiados. Qual é a sua opinião em relação às grandes migrações que se tem vindo a verificar?
Participei como voluntária na missão humanitária que a Plataforma Portuguesa de Apoio aos Refugiados implementa anualmente na Grécia. Estive em Atenas e, honestamente, o que vi e o que senti incrementou ainda mais a vontade de lutar pelos direitos dos refugiados. As condições são desumanas. Há suicídios, as pessoas entram em desespero porque, após passarem por tormentas que ninguém imagina (perseguição, tortura, o horror da guerra), ficam à espera de respostas que parecem nunca mais chegar. A concessão de asilo é muito morosa. Há muito tráfico humano.
E há, sobretudo, uma cobardia por parte da Europa que se repercute diariamente na vida de milhares de pessoas. Quando falo em cobardia, falo também da “fuga” de alguns Estados-membros da União Europeia, como a Hungria, Áustria ou mesmo Itália ao acolhimento de refugiados. Cobardia, porque procuram-se respostas e debate-se imenso, mas, depois, que efeitos práticos ocorrem?
Quando estive em Atenas, senti também uma certa inércia por parte das grandes organizações internacionais. A ascensão de movimentos políticos de extrema-direita é, actualmente, uma grande preocupação. As pessoas acham que os refugiados acarretam problemas. Que são terroristas. Pois eu posso afirmar que não: em Atenas, conheci um jurista, um professor, entre tantos outros,
e dois miúdos sírios muito inteligentes que adoram aprender línguas e que se interessam por tudo, desde às ciências às coisas (para nós) mais banais.
Acha que Portugal tem uma boa política em relação aos refugiados?
Sim. Eu considero que Portugal é um país que sempre foi muito neutro em termos políticos, mas que em relação ao acolhimento de refugiados tem tido uma posição exemplar. Outra coisa não seria de esperar: a solidariedade internacional, a promoção e defesa dos direitos humanos são dois pilares basilares que Portugal deve continuar a defender, enquanto Estado-Membro da U.E.
Está a estagiar no Consulado Geral de Paris. O que a levou a emigrar?
Estou neste momento a estagiar no Consulado de Portugal em Paris, sim. Não me considero bem uma emigrante, uma vez que só vim para ficar um ano. É um programa de estágios do Ministério dos Negócios Estrangeiros e fiquei colocada neste Consulado, onde trabalho no serviço jurídico e social. Ajudo os portugueses em França quanto às questões jurídicas mais diversas, ou trabalho no repatriamento de portugueses que ficam em condição precária em França (ficam sem dinheiro, a dormir na rua…etc.). É uma experiência na área do Direito que se afigura interessante pela variedade de questões que me passam pelas mãos todos os dias.
Já atingiu grandes feitos na sua vida. Quais são os objectivos daqui para a frente?
Publicar o meu próximo romance e tentar estagiar numa instituição da União Europeia ou organização internacional (sonho trabalhar no Alto Comissariado da ONU para os Refugiados). A longo prazo, gostaria de regressar a Portugal e trabalhar na área criminal, de direitos humanos, migrações ou ingressar na Magistratura do Ministério Público.