A juíza do Tribunal da Concorrência que julga as ações populares defendeu uma melhor divulgação deste tipo de ações, “sob pena de os consumidores lesados não serem compensados pelos danos” resultantes de infrações ao direito da concorrência.

Em entrevista à agência Lusa, Joana Araújo, que, desde o final de 2020, julga as ações de natureza cível e administrativa que entram no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), localizado em Santarém, referiu a “condição inovadora” das ações populares, resultantes da transposição para Portugal de uma diretiva da União Europeia de 2014, que apenas entrou em vigor em agosto de 2018.

A transposição da diretiva de reforço do ‘private enforcement’ (que visa assegurar ressarcimento aos lesados por práticas que violam o direito da concorrência) alargou as competências inicialmente atribuídas ao TCRS, estando atualmente a correr 81 processos cíveis (62 ações declarativas, 13 execuções, uma ação administrativa e cinco ações populares), disse.

Estas ações resultam de “um regime jurídico inovador”, assentando em matérias “tecnicamente complexas” e “quando ainda não existe jurisprudência consolidada”, o que exige “um elevado esforço de preparação e estudo para os magistrados”, afirmou.

Por outro lado, Portugal é dos poucos países a permitirem que “uma associação reclame indemnizações para todos os consumidores lesados”, pois dispõe, desde 1995, de uma lei que permite o regime de ‘opt-out’ (em que todos os consumidores lesados são abrangidos, “a menos que manifestem expressamente o desejo de serem excluídos”).

“O regime de ‘opt-out’ das ações coletivas de Portugal torna-o numa jurisdição líder na União Europeia, tendo em vista a obtenção de indemnizações ou outras formas de reparação”, afirmou.

Joana Araújo referiu o facto de Portugal “ser um dos poucos países da União Europeia com um tribunal especializado no tratamento destas matérias, a par da Áustria, Malta e Polónia, além do Reino Unido”, o que suscita “grande interesse” dos outros Estados membros.

Contudo, a forma de divulgação destas ações junto dos consumidores, através de anúncios ou editais publicados em jornais, leva a que muitos “não tomem conhecimento efetivo das ações populares e dos direitos que através das mesmas se pretendem fazer valer”, salientou.

Para Joana Araújo, “releva dar a conhecer, divulgar este tipo de ações e os direitos que as mesmas visam tutelar, além da mera citação para os termos da ação, sob pena de o seu fim último não ser alcançado, ou seja, sob pena de os consumidores lesados não serem compensados pelos danos suportados, advindos da infração ao direito da concorrência, caso os mesmos sejam evidenciados”.

No entender da juíza do TCRS, “importa ponderar o recurso a outros meios de comunicação social, igualmente válidos, mas mais eficazes, por forma a fazer chegar ao cidadão o conhecimento deste tipo de ações”.

O facto é que, nos processos em curso, apesar da divulgação e dos prazos para que os consumidores passem a intervir no processo a título principal e declararem se aceitam ser representados pelo autor da ação, “a prática tem revelado que, ressalvando casos pontuais, residuais, a grande maior parte dos titulares dos interesses em causa nada dizem no processo”, salientou.

“Se é verdade que, caso nada digam, ficam automaticamente representados no processo, também é verdade que se esse silêncio significar desconhecimento da pendência da ação e, subsequentemente, dos direitos que através da mesma se visam tutelar, muito provavelmente, os titulares dos direitos em causa não estarão em condições de, no momento próprio, reclamarem a indemnização que o tribunal eventualmente venha a fixar, frustrando-se, assim, o fim último das ações populares”, declarou.

Joana Araújo alertou para que, para reclamar a indemnização, o consumidor lesado “poderá ter que estar munido da documentação necessária para prova da aquisição do produto/serviço em causa”, pelo que a sua inexistência pode dificultar a satisfação da sua reclamação.

Não tendo sido proferida ainda sentença em nenhuma das ações populares entradas no TCRS, quando tal vier a ocorrer, em cada caso, o Tribunal irá determinar os critérios de identificação dos lesados e de quantificação dos danos sofridos por cada lesado individualmente identificado.

“Caso não estejam individualmente identificados todos os lesados, o juiz fixa um montante global da indemnização, tendo em conta os meios de prova disponíveis”, explicitou.

“Quando se conclua que o montante global da indemnização fixado não é suficiente para compensar os danos sofridos pelos lesados que foram, entretanto, individualmente identificados, o mesmo é distribuído pelos mesmos, proporcionalmente aos respetivos danos”, acrescentou.

Por outro lado, “a sentença condenatória indica a entidade responsável pela receção, gestão e pagamento das indemnizações devidas a lesados não individualmente identificados, podendo ser designados para o efeito, designadamente, o autor, um ou vários lesados identificados na ação”.

As indemnizações que não forem reclamadas no prazo fixado pelo tribunal, “ou parte delas, são afetas ao pagamento das custas, encargos, honorários e demais despesas incorridos pelo autor” da ação, explicou.

“As indemnizações remanescentes que não sejam pagas em consequência de prescrição, ou de impossibilidade de identificação dos respetivos titulares revertem para o Ministério da Justiça”, acrescentou.

No âmbito destas ações, o TCRS tem, igualmente, julgado o pedido de acesso a documentos, tendo, no passado dia 05 de junho, proferido sentença condenando o grupo Comcast NBC Universal a fornecer à associação Ius Omnibus a informação necessária para calcular se as práticas que levaram a Comissão Europeia a aplicar uma coima de 14,3 milhões de euros à gigante norte-americana resultaram num aumento dos custos para os consumidores portugueses.

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