Indelevelmente urdido na teia das emoções que se apresentam como uma parte intrínseca da bagagem da memória, Afonso Souto Vargas preservou ao longo de um período de mais de quatro décadas da sua existência, um extenso rol de experiências vividas na primeira pessoa que serviu de lastro para alicerçar praticamente todo o desenvolvimento da sua mais recente obra “Percurso e percalços de um tocador de guitarra”.

Esse instrumento sui generis, eleito por muitos como detentor de uma sonoridade ímpar e verdadeiramente fascinante, a guitarra portuguesa, e também o seu timoneiro ou tocador, numa simbiose talhada nos meandros de uma longa e inolvidável viagem pelo país e além-fronteiras cujo desenrolar engloba o relato do fulgor de momentos únicos mas também de enredos inexpugnáveis, ímpares e inusitados, são a amálgama de onde desponta toda uma realidade por vezes dura de aceitar e não menos difícil de entender, que envolve a trama vulnerável de um faz-de-conta que tem o efeito de infindável torpor e tanto de inebriante como de esfuziante, o que acaba por conduzir os que nele mergulham a um mundo enredado de ilusão onde insistem em permanecer prisioneiros.

Depois de Quase Poesia, apresentado a público neste Semanário no passado mês de Fevereiro, chega o momento de trazer à ribalta o livro Percurso e percalços de um tocador de guitarra, que ousa romper o silêncio relativamente às vivências nos bastidores daquela que é vista e entendida como a canção nacional, mas que, em boa verdade, não passa tão-só e simplesmente do Fado nas diferentes vertentes que compõem e representam, de alguma maneira e quer se queira quer não, as gentes deste país à beira-mar plantado.

O livro, constitui um testemunho em que o autor optou por iniciar a sua abordagem recorrendo ao registo cronológico de acontecimentos passados, desde a entrada periclitante de um tocador de guitarra que se lançou nas andanças do fado, até ao momento em que, ainda antes de o dar por concluído, se viu involuntariamente posicionado, de forma alternada e dinâmica, entre dois mundos em que o fado foi o elo comum. Tal circunstância levou-o a transpor para o texto todo o desenrolar de enredos mais ou menos actuais e, alguns deles, quiçá com o seu quê de ridículo, não o dando por completo, no entanto, sem antes proceder ao registo dessas situações que, apesar de reais e poderem sugerir um certo tipo de desconforto naqueles que, mesmo equivocamente, se possam rever nelas, não conseguiu, ainda assim, evitar descrever.

Não se trata, porém, de uma narrativa delineada tendenciosamente no intuito de se assemelhar de algum modo, ao teor das célebres cantigas de escárnio e maldizer escritas durante a primeira dinastia da história de Portugal. Não obstante, o caricato de algumas cenas relatadas, não deixará certamente os leitores indiferentes, mas antes duvidosos face à suposta veracidade que as mesmas indiciam patentear.

Uma vez mais de parceria com a Chiado Books, Afonso Souto Vargas traz ao conhecimento do público uma nova obra de sua autoria, continuando firme no propósito de fazer face às muitas dificuldades que o mundo das letras traz naturalmente associadas a quem se atreve a afrontá-lo de ânimo leve. O custo real deste livro, que desde cedo procurou manter controlado, levou-o a esmagar a já diminuta margem dos direitos de autor em prol do valor final unitário de venda.

Sabendo embora que a indústria do papel, nomeadamente o mercado livreiro só por si, atravessa frequentemente enormes dificuldades de subsistência, não se impede de continuar a fazer tudo para garantir preços módicos, de forma a tornar tão acessível quanto possível o acesso à leitura daqueles que pretendem fazê-lo.

De destacar que continua ainda no ar a possibilidade de efectuar a apresentação desta obra, ao vivo, num espaço cultural da cidade de Santarém. Contudo, face à maneira como tudo tem vindo a evoluir no que à pandemia diz respeito, a edilidade local tem-se mantido silenciosamente arredada quanto a tal pretensão, tendo optado por não dar parecer favorável às solicitações da Chiado Books nesse sentido até ao momento. Em contrapartida, o autor irá ter oportunidade de marcar presença na Feira do Livro de Lisboa, no próximo dia 28 de Agosto, pelas 20:00, para uma sessão de autógrafos.

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