Completam-se no próximo dia 8 de Agosto 110 anos sobre a data da primeira actuação formal do Grupo de Forcados Amadores de Santarém. Quando o Grupo de Forcados Amadores de Santarém fez a sua apresentação na antiga Praça de Toiros de Almeirim, a actuação dos pegadores de toiros de então era bem diferente do que viria a ser após o aparecimento dos forcados amadores escalabitanos. Nessa corrida de toiros participaram os cavaleiros amadores David Luizello Godinho e D. Alexandre de Mascarenhas, os bandarilheiros Francisco Perestrelo, D. João de Mascarenhas, Francisco de Oliveira, Gama Lobo, João Malhou da Costa e António Franco, que enfrentaram toiros de António Branco Teixeira e de Ribeiro Telles. As pegas estavam confiadas ao “arrojado grupo de amadores de Santarém, que pela valentia e arte, honram o seu nome de amadores”.
Nascia aqui o prestigiado Grupo de Forcados Amadores de Santarém, que nesta época era constituído pelos seguintes elementos: Cabo António Gomes de Abreu, Diogo do Rego, João da Costa, Manuel Esteves, Joaquim de Aguiar, Miguel Calado, João Figueiredo, Fernando de Vasconcelos, José Maria Antunes, José Maria Pedroso e Casimiro Igrejas.
Até então, os grupos existentes eram constituídos por profissionais e não tinham uma composição fixa, sendo que quando alguns pegadores se tornavam mais famosos pela sua valentia e pela sua destreza ascendiam à função de Cabo, aceitando pegar em algumas corridas para o que contratavam homens possantes e valentes, mas nem sempre conhecedores e experientes, para constituir o seu grupo.
Proliferavam, então, grupos formados nestas circunstâncias, muitos deles com uma duração efémera, os quais pegavam alguns dos toiros anunciados nessas corridas ou garraiadas. Ao tempo era habitual serem lidados dez ou doze toiros numa corrida, porém, apenas eram pegados os toiros lidados a cavalo, dois, quatro ou seis, posto que os que eram lidados e farpeados por bandarilheiros, ou, mais tarde, por matadores, não eram pegados pelos forcados. Em muitas corridas também os campinos pegavam alguns toiros.
Era o tempo do “toiro corrido”, isto é, um toiro era lidado em várias corridas, não sendo raro que alguns destes toiros fossem mais conhecidos e afamados do que os próprios toureiros que os iam enfrentar. Nestas circunstâncias, compreende-se que a maioria das pegas fossem consumadas à meia-volta, ou seja, com o toiro fixo junto à trincheira pelos capotes dos bandarilheiros, os forcados aproximavam-se tão rapidamente quanto possível junto do toiro e, sem prévio cite, chamavam-no, caindo-lhe em cima todos os forcados para, assim, o dominarem. Quando as dificuldades eram maiores, recorria-se às sortes “à ponta do capote”, ao sopé, ou de cernelha, havendo, também, algumas sortes mais artísticas, e igualmente valorosas, como era o caso das pegas de costas ou da célebre casa da guarda.
Alguns destes valorosos forcados integravam diversos grupos – ou, em bom rigor, não integravam nenhum, dada a ausência de organização, até que alguns Cabos contratados para um maior número de corridas começaram a fixar alguns forcados, o que contribuiu sobremaneira para melhorar a sua qualidade.
O Grupo de Forcados Amadores de Santarém representa o limiar da história da forcadagem, posto que a sua fundação e a sua trajectória está na base de alterações profundas, tanto na organização dos grupos de forcados como na própria arte de pegar toiros. António Gomes de Abreu, um jovem aficionado que desde cedo se deixou seduzir pelas toiradas, integrou aos dezasseis anos de idade o Grupo de Forcados Amadores do Ribatejo, capitaneado por Jayme Godinho. Estávamos em 1914, nos inícios da I Grande Guerra.
António Gomes de Abreu, que capitaneou o Grupo durante trinta anos, nem se terá dado conta do magnífico sucesso que a sua iniciativa viria a alcançar, pois, a partir de então, os êxitos somaram-se e a acção e atitude destes valorosos forcados começou a ditar regras e a fazer doutrina. Seguiram-se-lhe na liderança do Grupo de Forcados Amadores de Santarém D. Fernando de Mascarenhas, Ricardo Rhodes Sérgio, José Manuel do Souto Barreiros, Carlos Empis, Carlos Grave, Gonçalo da Cunha Ferreira, Pedro Graciosa, Diogo Sepúlveda, João Grave e, actualmente, Francisco Graciosa.
Quando, por exigência de Mestre João Branco Núncio passaram a lidar-se apenas toiros puros, registou-se uma importante evolução técnica na arte de pegar os toiros, concedendo-lhes vantagens – cite frontal e de largo, recuo na cara do toiro, templando, carregando a sorte e definindo o tempo da reunião. Desta maneira a pega deixava de ser, apenas, uma manifestação de valentia e de destreza física, para passar a ser também uma afirmação de técnica e de arte, que teve em Fernando de Vasconcelos o seu grande precursor e em D. Fernando de Mascarenhas um profundo cultor.
Porém, com Ricardo Rhodes Sérgio a pega de cernelha, que anteriormente era considerada uma sorte de recurso, passou a ser justamente valorizada e a ser praticamente exigida em cada actuação do Grupo de Santarém. Este inolvidável forcado terá sido, decerto, o melhor cernelheiro de todos os tempos, atributo reconhecido tão generalizadamente que, estando a assistir a uma corrida de toiros em Santarém, no dia 17 de Outubro de 1948, na companhia do seu amigo Jorge Duque, e como não fosse possível aos grupos de forcados que estavam em praça consumar uma pega de cernelha, o público descobrindo a presença destes dois forcados na bancada começou a clamar para que fossem pegar o toiro.
Após alguma relutância inicial, aliás, compreensível, em pessoa de tão esmerada educação, e com a condescendência dos próprios grupos, esta “parelha” de forcados saltou à arena e, com a técnica e o conhecimento que detinham, concretizaram uma pega extraordinária, o que originou que após a recolha do toiro aos chiqueiros fossem os dois forcados escalabitanos passeados em ombros pela arena, num ambiente de indescritível alegria.
Ao longo da sua existência o Grupo de Forcados Amadores de Santarém foi condecorado pela Presidência da República em três ocasiões: em 1965, por ocasião das celebrações das suas Bodas de Ouro, foi galardoado pelo Presidente da República, Almirante Américo Thomaz, com o Grau de Oficial da Ordem de Benemerência, sendo Cabo Ricardo Rhodes Sérgio; Em 1990, na época das comemorações das Bodas de Diamante foi agraciado com a Medalha de Membro-Honorário da Ordem do Infante D. Henrique, conferida pelo Presidente da República Dr. Mário Soares, em cerimónia repartida por dois momentos: a 10 de Junho, em Santarém, e a 18 de Julho, no Campo Pequeno, sendo Cabo Carlos Grave; Em 2015, no âmbito das comemorações do Centenário, no Campo Pequeno, em Lisboa, a 23 de Julho de 2015, foi distinguido com a Medalha de Membro-Honorário da Ordem do Mérito, outorgada pelo Prof. Aníbal Cavaco Silva, sendo Cabo Diogo Sepúlveda. Também a Câmara Municipal de Santarém distinguiu o Grupo de Santarém com a Medalha de Ouro da Cidade.
O Grupo de Forcados Amadores de Santarém continua a desenvolver uma actividade muito intensa e qualificada, fiel aos pergaminhos que tanto prestigiam a sua jaqueta de ramagens, e está a atravessar um momento de grande valia técnica, pelo que se adivinha um futuro longo e muito auspicioso.