Bertino Coelho Martins nasceu a 15 de Novembro de 1927 na freguesia das Lapas, no concelho de Torres Novas, tendo ali completado o ensino primário e aprendido música na Banda Filarmónica local, de que chegou a ser regente, tornando-se um dos músicos mais apreciados da sua geração.
Aos nove anos já tinha concluído a instrução primária e desde miúdo começou a trabalhar como ferreiro, nas oficinas Costa Nery e José da Rosa, em Torres Novas, e na oficina Sepodes, em Assentiz. Porém, a música foi desde sempre o seu sonho e o mote da sua vida. Mestre Guingau, personagem pitoresca das Lapas do início do século passado, foi o homem bom que ofereceu a Bertino Coelho Martins ainda menino, umas botas para que pudesse sair com a Banda de Lapas na saudação pública ao 1.º de Dezembro a tocar o seu flautim, porque ele, um menino pequeno, “já tocava como os homens”.
em Angola (1961)
Entre os quinze e os dezasseis anos Bertino Coelho Martins tirou dois cursos por correspondência: música e guarda-livros. Mais tarde, cursou clarinete, saxofone e regência de bandas filarmónicas.
Em meados da década de 1950 Bertino Coelho Martins já regia bandas filarmónicas, caso da Banda da Ribeira Ruiva. Chegou a leccionar acordeão, viola e clarinete, e formou e dirigiu o Grupo Musical Choutense “Os Ribatejanos”, popularmente conhecido pelos “Canários”, no Chouto, Chamusca, onde ia de bicicleta duas vezes por semana, percorrendo 30 quilómetros para cada lado. Chovesse ou fizesse sol. Percorreu a região centro a tocar em bailes, primeiro sozinho tocando saxofone, depois em dueto com a sua mulher D. Ivone, a quem ensinou a tocar acordeão em seis meses. De Penela a Santarém, de Coruche a Figueiró dos Vinhos, de Tomar a Ourém foi uma roda-viva a animar festas de aldeia. Em algumas circunstâncias chegaram a cruzar-se com a famosa Eugénia Lima, que também os apreciava bastante. Curiosamente, Bertino Coelho Martins fez o seu último baile na aldeia avieira das Caneiras. Outros tempos…
Foram, aliás, os seus reconhecidos dotes musicais que o trouxeram para Santarém, a convite de Camilo Teixeira Gaspar, comerciante e director da Banda dos Bombeiros de Santarém, e de Celestino Graça, já então Secretário-Geral da Feira do Ribatejo e fundador e director do Rancho Folclórico dos Pescadores do Tejo, de Benfica do Ribatejo, dos Grupos Infantil de Dança Regional e Académico de Danças Ribatejanas, de Santarém, e do Rancho Folclórico do Bairro de Santarém.
Camilo Teixeira Gaspar e Celestino Graça, que eram cunhados, conseguiram que a Câmara Municipal de Santarém o admitisse como contínuo e eis que o já consagrado músico filarmónico Bertino Coelho Martins assentou arraiais em Santarém, acompanhado de sua esposa, D. Ivone Faria da Silva, que igualmente haveria de arranjar emprego na Câmara e integrar estes grupos folclóricos escalabitanos como acordeonista e como solista, aliás, de excelentes recursos.
Estávamos no ano de 1958 e por essa altura também Bertino Coelho Martins começou a tocar na Orquestra Típica Scalabitana, então dirigida pelo Maestro António Gavino e onde estava também João Gomes Moreira, que igualmente era funcionário municipal e músico, pelo que sedimentaram uma profunda e longa amizade.
Bertino Coelho Martins e D. Ivone Faria da Silva tocaram nos Grupos Infantil e Académico de Santarém mais de quarenta anos, tendo-os acompanhado em largas centenas de actuações tanto no país como no estrangeiro, nomeadamente em toda a Europa, no Brasil, em Angola e em Israel.
Cioso por saber mais e mais, Bertino Coelho Martins, que em 1960 foi transferido para a Biblioteca Municipal de Santarém, onde exerceu as funções de contínuo, fiel de biblioteca, catalogador, encarregado de biblioteca, e após formação técnica específica exerceu funções de técnico especialista de Biblioteconomia e Arquivologia na especialidade de Biblioteconomia, Arquivo e Documentação (BAD), tendo ascendido ao cargo de principal responsável por esta instituição, entre os anos de 1974 e de 1993.
Aqui desempenhou um trabalho notável, sendo muito apreciado pela sua competência e pela inexcedível disponibilidade para ajudar todos os utentes desta prestigiada instituição, desde os alunos de mais tenra idade, a quem dava preciosas sugestões de leitura, até aos académicos de referência, entre os quais o saudoso Prof. Joaquim Veríssimo Serrão, que em diversos volumes da sua História de Portugal lhe fez judiciosas referências.
Como músico filarmónico Bertino Coelho Martins foi primeiro clarinete da categorizada Banda dos Bombeiros de Santarém, então dirigida pelo Maestro António Gonçalves, que também dirigia a Banda de Música da Sociedade Filarmónica Recreativa de Pêro Pinheiro, que convidou este conceituado músico escalabitano para reforçar os quadros da Banda de Pêro Pinheiro quando participou, em Julho de 1974, no Kerkrade World Music Contest, prestigiado concurso internacional nesta cidade de Holanda, onde esta Banda portuguesa alcançou o primeiro prémio na sua especialidade.
Na convivência com Celestino Graça, João Gomes Moreira, Augusto Souto Barreiros, Viriato Martins Ferreira, António Cláudio e outros folcloristas da nossa região, Bertino Coelho Martins aprendeu a gostar de folclore, ramo da ciência etnológica pelo qual não nutria até então particular apreço. Porém, deixando-se apaixonar por este património e expressão artística, cedo se deu conta da importância do seu contributo na área da etnomusicologia, aspecto de mais difícil acesso técnico para a maioria dos folcloristas ribatejanos.
Tive o privilégio de acompanhar com muita frequência o bom Amigo Bertino Coelho Martins, homem que me transmitiu muito do seu vasto saber, e se mais não aprendi, não foi por insuficiência do mestre, mas sim por incapacidade do aluno. A forma como ele explicava como se devia fazer e o que devíamos ter em conta, foram verdadeiras lições de que eu pude dispor para me valorizar na área da etnografia.
Calcorreámos todo o Ribatejo e fizemos centenas de acções de formação, colóquios e palestras, onde generosamente partilhava o seu saber e a sua experiência. O estudo neste campo que Bertino Coelho Martins realizou veio contribuir para que hoje haja uma visão mais abrangente e esclarecida do folclore ribatejano, pelo que todos temos ainda por saldar uma dívida de gratidão e reconhecimento profundo.
Por este tempo tivemos igualmente a sorte de poder conviver de muito perto com eminentes figuras da nossa cultura tradicional, como eram, entre outros, Joaquim Lopes Santana, Nelson Ferrão, Aurélio Lopes e Manuel João Barbosa com quem partilhou também memoráveis jornadas culturais com o objectivo de reflectir e valorizar a representação etnográfica e folclórica do Ribatejo.
Como consequência natural desta sua paixão pelo folclore, Bertino Coelho Martins publicou diversas obras de referência nesta área, nomeadamente: “Lapas, História e Tradições”, “Lapas – Memórias e Etnografia”, “O Fandango – Raízes, Disseminação e Diversidade”, “O Folclore como Cultura e Animação Turística”, “Os Grupos de Folclore e a Complexidade da Música Tradicional Ribatejana”, “Considerações sobre Música Regional”, “Música Folclórica do Ribatejo” e “Músicas e Danças Tradicionais do Ribatejo”. Dentro desta temática ainda publicou em co-autoria com o Dr. Aurélio Lopes “Fandangos” e “Campinas – A Mulher Ribatejana, o Canto e a Dança”. Igualmente digno de menção é o seu livro “Coisas da Nossa Gente – Crenças, Estórias, Tradições e Cultura”, onde reflecte muito do seu pensamento sobre todas estas tão aliciantes temáticas.
Bertino Coelho Martins integrou o Conselho Técnico da Federação do Folclore Português durante largos anos, colaborando de forma superior com os grupos e ranchos de folclore ribatejanos na área da etnomusicologia, ciência em que foi, efectivamente, um dos mais reputados especialistas. Quanto lhe devem os grupos folclóricos ribatejanos pelo tanto que Bertino Coelho Martins lhes transmitiu! Com ele tivemos a possibilidade de participar em dezenas de visitas técnicas, contribuindo de forma decisiva para a valorização do folclore regional não apenas no seu aspecto artístico, mas, essencialmente, na sua dimensão cultural.
Quando em 1977 foi fundada a Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém Bertino Coelho Martins foi um dos sócios fundadores, tendo tido um papel de grande relevo nas primeiras iniciativas da nóvel associação, nomeadamente na elaboração e montagem das memoráveis exposições “Santarém – A Cidade e os Homens” e “Santarém – Da Vila de Ontem à Cidade de Hoje”, para as quais foi necessário compulsar basto espólio documental que muito engrandeceu o conhecimento sobre o passado histórico da nossa urbe.
Bertino Coelho Martins integrou a Comissão Executiva da Região de Turismo do Ribatejo, onde foi o principal promotor dos Congressos de Folclore do Ribatejo, iniciativa da maior importância pela qual sempre se bateu, proporcionando a publicação de basta e interessante bibliografia sobre esta temática, de que o sector sentia grande carência, posto que as obras publicadas não eram muitas e o que proliferava eram textos dispersos pelos jornais e revistas de âmbito regional, que, como se compreende, eram/são de difícil acesso.
Esta constatação permitiu-lhe escrever também imensos artigos que hoje constituem importantes fontes de informação e de estudo para quem pretende aprofundar os seus conhecimentos sobre a cultura tradicional e popular portuguesa.
O Prof. Vítor Serrão, de quem igualmente Bertino Coelho Martins foi muito amigo, como o fora também de seu avô, o saudoso comerciante Sr. Joaquim Vicente Serrão, e seu pai, o sempre lembrado Prof. Joaquim Veríssimo Serrão, definiu-o numa síntese luminosa quando o considerou um “homem de cultura e militante de causas”. Perfeito.
Foi, de resto, no exercício da sua reconhecida disponibilidade para ajudar quantos o rodeiam que Bertino Coelho Martins, que nunca vestiu a pele de político, presidiu à Junta de Freguesia de Marvila durante dois mandatos (1993-2001), tendo desempenhado estas funções públicas com a maior ponderação e competência, pelo que é ainda hoje uma referência ao nível desta actividade política.
Bertino Coelho Martins foi, muito justamente, alvo de significativas homenagens e reconhecimentos públicos, nomeadamente pelo município de Torres Novas, que lhe atribuiu a Medalha de Mérito Municipal de Cultura (2000), em 2007 o Município de Santarém deliberou atribuir o seu prestigiado nome a uma rua na zona do Sacapeito, espaço moderno da freguesia de Marvila, bem como a uma sala da Biblioteca Municipal no Palácio Braamcamp Freire. A Junta de Freguesia de Lapas, sua terra natal, atribuiu o seu nome à Taberna do Aspirante, o auditório da aldeia, o Grupo Académico de Danças Ribatejanas distinguiu-o com o título de Sócio Honorário, bem assim como a sua Esposa, D. Ivone Faria da Silva, e também o Fórum Ribatejo, de que foi um dos membros fundadores, o distinguiu em diversas circunstâncias.
Também o Jornal “Correio do Ribatejo”, de que foi um qualificado colaborador, o distinguiu descerrando a 27 de Setembro de 2014 o seu retrato na “Galeria dos Notáveis”.
Aliás Bertino Coelho Martins colaborou ao longo da sua vida com diversos órgãos de comunicação social regional, nomeadamente, os jornais “Almonda” e o “Correio do Ribatejo” e “Folclore”, onde partilhou tão generosamente o seu imenso saber.
(2005)
Bertino Coelho Martins faleceu na madrugada do dia 14 de Novembro, véspera do dia em que assinalaria o seu 98.º aniversário, e as cerimónias fúnebres tiveram lugar no Crematório de Santarém, tendo comparecido muitos amigos e onde estiveram representadas diversas instituições, nomeadamente a Câmara Municipal de Torres Novas, pelo seu presidente, Dr. José Trincão Marques, a Federação do Folclore Português, pelo seu presidente Prof. Daniel Café, o Jornal “Correio do Ribatejo” pelo seu Director, João Paulo Narciso, o Fórum Ribatejo, pelo antigo Coordenador Prof. Aurélio Lopes, e o Grupo Académico de Danças Ribatejanas através de diversos membros dos seus Órgãos Sociais.
Apresentamos à Família enlutada, especialmente ao seu Filho, Luís Martins, e a seus netos Paulo e Joana, a expressão respeitosa das nossas mais sentidas condolências.
Ludgero Mendes





