A Câmara de Santarém adquiriu o lote do espólio do escritor Alexandre Herculano, leiloado segunda-feira, uma compra ainda condicionada ao exercício do direito de preferência que pode ser manifestado pela Biblioteca Nacional num prazo de oito dias.
O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, disse à Lusa que a aquisição, pelo valor base de 30 mil euros, se destina a enriquecer o arquivo municipal “com um espólio de grande relevância, de um dos maiores vultos do século XIX, para muitos a maior personalidade intelectual desses anos”.
O autarca recorda que Alexandre Herculano (1810-1877) escolheu viver a fase final da sua vida na quinta de Vale de Lobos, em Santarém, “num ‘retiro fértil’”, onde permanece o quarto que o acolheu nos últimos dez anos de vida, até à morte.
Numa nota colocada na sua página do Facebook, o historiador Vítor Serrão sublinha a importância da aquisição feita pela Câmara de Santarém, frisando tratar-se de “um acervo substantivo do espólio documental e pessoal de Alexandre Herculano”.
O lote adquirido inclui manuscritos anotados de obras do escritor, projectos e notas de investigação, correspondência pessoal e oficial, e parte de um diário íntimo onde narra as circunstâncias do exílio em França e nos Açores por causa da opressão miguelista, afirmou ainda Vítor Serrão, salientando a “importância histórica assinalável” do lote leiloado segunda-feira pela Leiloeira Renascimento.
Segundo informação da leiloeira, são “centenas de folhas manuscritas com rascunhos e anotações de obras concluídas e de projectos que Herculano empreendeu ao longo da vida e as correspondências dirigidas ao mesmo, que vão desde o século XIX e se estendem por mais ou menos cem anos depois da sua morte até ao século XX, já que os seus herdeiros foram correspondendo com editoras, vários académicos e investigadores”.
“Bem andou o Município de Santarém em adquirir este verdadeiro ‘tesouro arquivístico nacional!’”, afirma Vítor Serrão.
O espólio do historiador e romancista “encontra-se dividido entre a Biblioteca Municipal do Porto, a Biblioteca Nacional de Portugal e, agora, a de Santarém”, acrescenta, considerando que estas “são boas notícias para os historiadores e demais investigadores”.
“Estes documentos permitem uma visão de conjunto sobre a sua obra, mas também um vislumbre sobre o seu percurso de vida”, afirmou a leiloeira, no texto de apresentação, enviado à agência Lusa antes do leilão.
Entre a correspondência há missivas para o então ministro dos Negócios Estrangeiros Andrade Corvo e para os escritores Almeida Garrett e Guiomar Torresão, entre outros.
Da correspondência sobressai uma carta, de 12 folhas, dirigida ao primeiro imperador do Brasil, Pedro I (Pedro IV, de Portugal), e outra, de três folhas, dirigidas a Madame Marie Rattazzi, escritora francesa que visitou Portugal em 1876, 1878 e 1879, e que publicou um livro sobre estas viagens, “Portugal de Relance” (“Le Portugal A Vol D’Oiseau”, 1880).
A leilão foram também os rascunhos originais de cartas sobre a “Questão da Emigração”, debate público de meados do século XIX em que Herculano participou quando era crescente a corrente migratória para o Brasil, e o Governo se esforçava por alertar para os falsos desígnios de rápido enriquecimento.
A leiloeira destacou igualmente os “originais dos tomos um e dois das ‘Cartas’, publicadas em 1860, por Aillaud, Alves e Bastos, num total de cerca de 800 folhas”.
No lote de manuscritos destacam-se “centenas de folhas com rascunhos e anotações de obras concluídas e de projectos que Alexandre Herculano empreendeu ao longo da vida”, acrescentou a leiloeira.
Entre os poemas manuscritos encontram-se “As Meditações”, “O Sonâmbulo”, “A Melancolia”, “A Freira”, “O Hino de Batalha” e “O Desembarque”.
A leilão foi também um “conjunto de manuscritos com dezenas de ensaios originais que fazem parte dos diversos volumes da obra ‘Opúsculos’, entre os quais se encontram ‘Conversão dos Godos’, ‘Instrução Pública’, ‘Da Educação e Instrução das Classes Laboriosas’, ‘Aristocracia Hereditária’, ‘A Questão de Salvaterra’, ‘A Padeira de Aljubarrota’, ‘Discurso no Teatro D. Maria’, ‘Parecer sobre Filosofia Racional’ e ‘Lísia Poética'”.
Do lote fazem também parte as provas corrigidas da obra “O Clero Português” (1841) e textos sobre a História de Portugal e cópias de alguns ensaios. Há ainda um “livro sem título nem frontispício que apresenta inúmeras anotações e correcções que [se julga] serem da autoria de Herculano”, acrescenta a leiloeira.
Em 2010, no ano do bicentenário do nascimento de Alexandre Herculano, a Biblioteca Nacional de Portugal comprou no leilão da Livraria Luís Burnay dois documentos autógrafos do escritor, uma carta e uma declaração dirigidas aos editores e livreiros Bertrand, sobre cedência de direitos autorais, datadas de Fevereiro de 1860. À data, cada um destes documentos tinha uma estimativa máxima de preço de 400 euros.