O Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), com sede em Minde, no concelho de Alcanena, quer iniciar este ano a criação de um arquivo especializado em línguas ameaçadas da Europa, permitindo reunir toda a investigação já existente.

Vera Ferreira, presidente do CIDLeS, linguista e arquivista digital no SOAS – Instituto de Línguas Mundiais da Universidade de Londres, disse à Lusa que este arquivo, que disponibilizará ainda formação em matéria de documentação e gestão de dados de línguas ameaçadas, “será o próximo grande passo” do centro, fundado em 2010, na sequência do trabalho que desenvolveu sobre o minderico (língua falada na zona de Minde, distrito de Santarém).

“Temos vários arquivos de línguas no mundo, mas não existe um arquivo especializado para línguas da Europa”, ficando os dados ou nas gavetas dos investigadores ou em ‘websites’, afirmou, salientando a importância de reunir o trabalho sobre línguas ameaçadas ou minoritárias na Europa e facultar “formação adequada à realidade europeia”, o que espera conseguir concretizar nos próximos anos.

Atualmente, o CIDLeS está a preparar o II Simpósio sobre Línguas em Perigo e Variedades Linguísticas na Península Ibérica, que teve a sua primeira edição em 2016, em Minde, e que vai decorrer em 4 e 5 de Julho, na Mouraria, em Lisboa.

Realizado juntamente com o SOAS e o projecto FRONTESPO, que tem vindo a fazer a documentação linguística ao longo de toda a fronteira entre Portugal e Espanha, o encontro visa a troca de metodologias e de melhores práticas em documentação linguística, arquivo e revitalização linguística na Península Ibérica.

O projecto FRONTESPO – Fronteira hispano-portuguesa: documentação linguística e bibliográfica -, com nove investigadores portugueses e espanhóis, visa “documentar o estado de vida tradicional e estudar o processo de mudança”, bem como “valorizar o imenso património cultural, com o fim último de contribuir para a sua revitalização”, aliando a vertente linguística a outras.

O CIDLeS está ainda a coordenar um projecto no âmbito do Erasmus+, o LangUp: Preservação de Culturas e Línguas Minoritárias, que envolve a Fryske Akademy (Holanda), a Asociacion Negra de Defensa y Promocion de los Derechos Humanos (Peru), a Agenda Global Siglo 21 (Argentina) e a Action Synergy (Grécia).

“Estamos a trabalhar com línguas minoritárias faladas nestes países e o foco principal é como conseguir criar empregabilidade, como é que a língua pode trazer proveito à comunidade”, disse Vera Ferreira, adiantando que um dos objectivos do projecto é criar um “documento de melhores práticas para a empregabilidade” usando a língua minoritária, mas tendo em conta o contexto cultural em que existe.

“Queremos perceber o contexto real da perspectiva do falante. Uma coisa é o que existe na realidade, outra coisa é o que as pessoas pensam que existe”, disse.

Um exemplo seria privilegiar candidatos a empregos falantes da língua, mesmo não fluentes, mas em que o uso de expressões do dia a dia (cumprimentar, dizer o menu, apresentar a conta) “iria ter um efeito bola de neve, iria fazer interessar mais pela língua, passar aos filhos”.

No âmbito do projecto está a ser desenvolvida uma plataforma de ‘e-learning’. Vera Ferreira sublinhou que, não estando a ser ensinadas nas escolas, as comunidades “querem ver um manual para as suas línguas”, que pode ajudar a desenvolver estratégias de ensino.

O centro submeteu ainda candidaturas ao Erasmus+ para dois outros projectos, um deles com a Noruega e a Holanda, que visa a formação de jovens de comunidades falantes de sámi, frísio e de minderico em documentação e arquivo das próprias línguas.

“É também uma forma de empregabilidade”, disse a investigadora, salientando que a formação em documentação linguística e gestão de dados será certificada, constituindo uma mais-valia para os jovens.

O outro projecto envolve a Argentina, o Peru e a Itália e visa promover a identidade cultural.

A investigadora salientou que o objectivo do CIDLeS não é “criar realidades museológicas”, visando, ao recolher e arquivar dados, garantir que as línguas se mantenham no futuro e, caso desapareçam, possam ser reconstruídas.

Pretende-se também “dar às comunidades a possibilidade de expandir para o mundo extremamente digital, com mudanças rápidas”, em que vivem, sendo “óbvio que a língua tem de se adaptar a essa realidade para sobreviver, o vocabulário tem de crescer”.

Além da convicção de que o conhecimento e preservação do maior número possível de línguas permite “melhorar as teorias de língua e o conhecimento da capacidade cognitiva humana”, Vera Ferreira referiu a importância deste trabalho num momento em que as línguas estão a desaparecer a um ritmo nunca visto.

“As línguas sempre desapareceram ao longo da evolução histórica, mas nos últimos cem anos esse desaparecimento está a acontecer de uma forma até agora nunca vista na história da humanidade”, referiu, justificando este cenário com o mundo digital global “muito rápido” e o enfoque nas línguas maioritárias (inglês, mandarim, russo, árabe, espanhol, o português do Brasil).

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