Arquitectura de um dos 980 edifícios da Cidade Proibida (Palácio do Imperador Chinês de 1420 a 1912)

No texto da semana passada referi a grande confusão política em que a China vivia, numa enorme humilhação nacional, alimentando um forte sentimento anti-imperialista. O decadente império chinês, não conseguia recuperar da situação em que se encontrava: era enorme a estagnação económica; grande a insatisfação popular devido à fome e pobreza generalizada; a economia via-se castigada por pesadas reparações de guerra para com a Inglaterra e França. Tudo contribuía para a anarquia e para a queda da Dinastia Qing, acabando com mais de 2.000 anos de governação dinástica. 

Tal queda foi originada pela Revolução Xinhai de 10 de Outubro de 1911, um movimento republicano, liderado pelo médico Sun Yat Sen que estabeleceu a República da China a 1 de Janeiro de 1912. A abdicação final do último imperador, ocorreria a 12 de Fevereiro do mesmo ano, data em que a Imperatriz Viúva Longyu assinou o Édito Imperial de Abdicação em nome do imperador Puyi, então com apenas seis anos de idade, marcando o fim da dinastia. 

O período que se seguiu também foi marcado por grande instabilidade. Inicialmente com a designada “Era dos Senhores da Guerra” um período da história chinesa de 1916 a 1928, de constante guerra civil entre fações militares, lideradas por chefes militares com “poder e controle militar de facto” sobre as diferentes regiões. Este período inicia-se com Yuan Shikai, um general que servira como Primeiro-ministro no último Gabinete Imperial Chinês, e desempenhara um papel decisivo em garantir a abdicação do Imperador Puyi em 1912, que marcou o colapso da monarquia Qing. Para se opor a estes Senhores da Guerra era criado em 1917 o Partido Nacionalista da China, denominado Kuomintang, liderada pelo médico Sun Yat Sen. Contudo em 1921 divergências no interior vão levar à sua cisão surgindo o Partido Comunista da China liderado por Mao Tsé-Tung. Tais divergências darão azo a prisões e assassinatos, até uma nova união, para juntos lutar contra a invasão japonesa.

Em 1931, o Japão, aproveitando-se da instabilidade da China, adopta uma política expansionista para com a Ásia Oriental, pelo que vai invadir a Manchúria estabelecendo em 1932 o estado fantoche de Manchukuo, sob a administração do Exército Imperial Japonês, tendo como chefe nominal o último imperador Qing, Puyi. Da Manchúria parte para a ocupação de toda a China e países vizinhos, até ser derrotada em 1945 na 2ª Guerra Mundial. A saída dos japoneses reiniciou a disputa pelo poder entre o Partido Comunista e o Kuomintang. O exército comunista, fortalecido e bem organizado, teve vitórias cruciais, como a tomada de Pequim em Janeiro de 1949, culminando na derrota final dos nacionalistas. No 1º de Outubro de 1949, Mao Tsé-Tung proclamou o estabelecimento da República Popular da China, declarando que “o povo chinês se pôs de pé”. Chiang Kai-shek e seu Governo nacionalista, muda-se para Taiwan.

 Mao Tsé-Tung vai implementar o modelo marxista-leninista adaptado à realidade chinesa, que enfatizava o papel do camponês na revolução e onde todos os aspectos da sociedade, cultura, economia e política deveriam estar ao serviço da expansão da ideologia comunista. Foi um fracasso total, sendo os principais os económicos como o programa “Grande Salto ” e a “Revolução Cultural”, que causaram prejuízos como a fome generalizada que matou milhões de pessoas, o enfraquecimento da economia e a paralisação do país. 

Após esta série de falhanços, sobe ao poder em 1978 Deng Xiaoping que vai liderar uma transformação económica e social, através da política de “Reforma e Abertura”. Visou modernizar o país e integrá-lo no comércio global, focado em quatro setores principais: agricultura, indústria, defesa, e ciência e tecnologia, para o que estabeleceu o programa “As Quatro Modernizações”, vincado na modernização e crescimento económico com abertura ao capital estrangeiro, por desafios sociais e ambientais, pelo desenvolvimento de infraestrutura e tecnologia, mas também pela preservação do sistema unipartidário, pela repressão às dissidências, como em 1989, quando ordenou o fim violento dos protestos pró-democracia, na Praça Tiananmen, que apelava à democracia e liberdades de imprensa e de expressão. 

Os sucessores de Deng Xiaoping continuaram as suas políticas de reforma, mantendo o controle político pelo Partido Comunista, enquanto o país se modernizava e ganhava influência global. O atual Presidente, Xi Jinping, que sucedeu a Hu Jintao na liderança do Partido Comunista, em 2012, chama a si o cargo de Presidente da Comissão Militar Central e desde 2013 o de Presidente da República Popular da China, o que de facto o torna o Líder Político absoluto do país. 

E a China hoje? Ainda aposta na liderança do Partido Comunista em todas as formas de trabalho mantendo a “liderança absoluta” sobre o Exército de Libertação do Povo Chinês. Recusa a adopção de uma democracia multipartidária no estilo ocidental que considera falhada, ineficaz e inadequada, geradora de instabilidade política e social, argumentando que a competição entre vários partidos leva a um “caos” e a decisões políticas menos eficientes. Porém, 80 anos depois, com uma população de 1400 milhões, tornou-se num país de classe média alta (o 2º maior em quantidade de bilionários), com a erradicação da pobreza extrema, com grande ênfase na modernização militar e no crescimento económico, com tecnologia de ponta mais evoluída do globo em áreas como a inteligência artificial, energia renovável, tecnologia 5G, computação quântica, ferrovia de alta velocidade, comércio electrónico, cidades inteligentes, etc. (com destaque em 37 das 44 tecnologias críticas, onde se destaca  a fluidez entre vida urbana e inteligência artificial), com as maiores reservas de divisas do mundo, sendo hoje o maior receptor de investimento direto estrangeiro. Prestes a ser a maior economia mundial é um dos dois maiores decisores na geopolítica mundial com projeção de poder global, que procura reforçar a dependência do resto do mundo dos seus sectores produtivos, num contexto de competição geopolítica com os países mais industrializados. 

O seu exército, o Exército de Libertação Popular, com um arsenal nuclear com centenas de ogivas operacionais, é a maior força militar permanente do mundo em número de tropas ativas, com mais de 2 milhões de soldados, apoiado em tecnologias de ponta, como armas hipersónicas, inteligência artificial (IA), capacidades cibernéticas e espaciais,  procurando expandir a sua capacidade de projeção de poder para além das suas águas costeiras, acima de tudo procurando desenvolver a capacidade de deter e negar a presença de forças adversárias em áreas próximas, como no Mar da China Meridional ou em Taiwan.

Segundo o Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios (CEBR), a China vai ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo em 2028. Pergunta-se: procurará um dia a China, com toda a evolução da sua tecnologia, capacidade geopolítica e poderio militar, vingar-se da humilhação sofrida, por parte dos países imperialistas, por mais de um século, fosse pela imposição dos tratados desiguais e suas pesadas indemnizações, fosse pelos massacres à sua população, fosse pela perda definitiva de alguns dos seus territórios, sendo que só para a Rússia somam mais de um milhão de quilómetros quadrados perdidos? 

Seguro que a memória desse “século de humilhação”, moldou a desconfiança da China e criou pouca empatia em relação às potências estrangeiras, esperemos que procure superar tal memória apenas através da sua ascensão económica, que se manifesta numa postura diplomática mais assertiva e em disputas comerciais. Mas porque o futuro é hoje, pensemos, reflectindo, no que será a China do Futuro (razão de ser destes artigos abordando a sua milenar história, conflitos e protagonistas) e qual o seu contributo, como foi outrora, para o bem da humanidade. Diz-se que o pior cego é o que não quer ver, e por isso devemos atentar, com duplo entendimento, na frase cheia de significado de um líder actual: “Deixemos de olhar para Ocidente, onde o Sol se põe, e olhemos antes para Oriente, onde o Sol se levanta”. Entretanto nos poucos minutos em que leram este texto, creio 7, nasceram na China 210 bebés, à média de 30 por minuto.

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