Para Ana Infante, presidente do Conselho de Administração do Hospital Distrital de Santarém, os pilares fundamentais para uma boa gestão hospitalar é conseguir definir prioridades, ter visão estratégica e ouvir as chefias intermédias. Gestora hospitalar há 33 anos, chegou ao HDS em 2018 e revolucionou de certa forma os processos de gestão da instituição. Procurou implementar uma cultura de gestão própria que diz até então não haver. A missão não tem sido fácil. Já enfrentou uma pandemia, falta de médicos e tem lidado, actualmente com as sérias consequências que a inflação, causada pelo conflito na Ucrânia. A vasta experiência tem sido uma forte aliada para ultrapassar os problemas, assim como a ajuda de todos os profissionais que a acompanham nesta caminhada que é gerir o dia-a-dia do HDS. Considera que tudo se torna muito mais fácil quando todos remam no mesmo sentido. O Correio do Ribatejo esteve à conversa com a administradora, abordando várias temáticas como a as longas listas de espera, a falta de médicos e as medidas tomadas para resolver estes problemas.

Como foi o seu percurso profissional até chegar à administração do HDS?
Sou licenciada em sociologia das organizações e do trabalho, em 86. O meu primeiro trabalho foi um projecto de investigação no Centro Cultural de Santarém, que era um muito engraçado e inovador à época, que envolvia todas as autarquias do distrito. O projecto teve o seu término e eu procurei alternativas de trabalho e fui tirar o curso de administração hospitalar, que concluí em 1990, que tem sido a minha profissão até aos dias de hoje. Já lá vão 33 anos.

Por que hospitais já passou?
Comecei a minha actividade profissional no Instituto Português de Sangue, depois achei que ser administradora hospitalar e sendo o IPS um instituto central, acabava por a minha actividade não ser plenamente usada, ou seja, não tínhamos doentes. Enquanto os meus colegas falavam da média de doentes, eu só falava de transfusões e de dadores de sangue. Resolvi ir mesmo trabalhar para os hospitais. Na altura fui para o hospital Pulido Valente, depois tive um convite para ir para abrir o Centro Hospitalar da Cova da Beira. Primeiro para criar o Centro Hospitalar e depois abrir o novo hospital. Foi um projecto intenso e de muito trabalho que durou quatro anos. Findo esse tempo voltei a Lisboa, à minha terra. Tinha casado, tinha sido mãe e a minha família estava a precisar do meu apoio, que só me tinha aos fins de semana. Voltei a um hospital, ao de Santa Cruz, e, entretanto, fui desafiada para um novo projecto, que foi o único interregno que tive fora da saúde. Fui convidada para ser vice-presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil. Uma realidade completamente diferente, difícil também, mas deu-me para perceber que trabalhar em hospitais é muito mais exigente e muito mais desgastante. Sendo a minha profissão base e o que eu gosto, regressei à origem. Morava em Cascais e fui trabalhar para o Centro Hospitalar de Cascais. Trabalhei no hospital velho de Cascais, que era público. Entretanto foi iniciada um Parceria Público-Privada e passou a ser gerido pelo sector privado e eu fui para o meu lugar de quadro no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e foi onde fiz o maior percurso da minha vida profissional e foi o sítio onde mais gostei de trabalhar. Os outros foram desafios e foram objectivos de missão e de projectos. Este foi a trabalhar no duro com uma equipa extraordinária. Entretanto fui desafiada a vir para o Hospital Distrital de Santarém. Tive alguns outros desafios que por razões várias e por querer dar apoio à minha família, que precisava do meu apoio, não aceitei alguns lugares que me foram oferecidos. Quando aceitei achei que estava na altura. Para já não se pode dizer que não consecutivamente, porque se as pessoas acreditam em nós e nos reconhecem mérito para desempenhar estas funções, não podemos constantemente estar a dizer que não e chegou a uma altura que tive que aceitar. Depois porque achei que poderia vir desempenhar um bom papel e cá estou há quatro anos. Cheguei em 2018 e estou no segundo mandato, que acaba no fim deste ano.

Quando findar o mandato pretende continuar na gestão do HDS?
Não depende só de mim. Não é uma candidatura ou algo do género. Somos reconduzidos para o cargo, desde que se manifeste interesse e que a tutela reconheça o nosso trabalho. Reconheceu no primeiro mandato e vamos ver se reconhece no segundo. Mas não estou preocupada com isso, porque temos que nos focar no presente. Isto é tão absorvente e tenho tanta coisa para fazer até ao final do ano. Depois logo vemos se eu própria tenho vontade de continuar e se tenho o reconhecimento da tutela.

Como encontrou a gestão do hospital quando chegou aqui em 2018?
Com esta larga experiência em gestão hospitalar e vinda de um Hospital Central, que tem mais meios a todos os níveis, não só recursos médicos, mas também de chefias intermédias e de directores de serviço não só médicos e administrativos, senti aqui muita falta de organização e muita falta de gestão. Digamos que não era um hospital que não tinha essa cultura. Sentia que os serviços não estavam robustecidos nem tinham os conhecimentos adequados. Isso exigiu mais de mim, porque para além de transmitir a visão estratégica tive que ensinar quais eram os procedimentos. Acho que está muito melhor, conseguimos melhorar alguns serviços. Fomos formando funcionários, com cursos de contratação pública, direito do trabalho… Penso que hoje as pessoas estão mais preparadas do que estavam há quatro anos atrás. Como digo, não havia cultura de gestão, não se fazia contratualização interna com os serviços, que é uma coisa que eu já fazia há 15 anos nos hospitais. Contratualização interna é envolver os directores de serviços da produção nos objectivos da administração, cumprindo as metas assistenciais e os custos. Não estavam habituados a essa cultura, que é uma cultura de compromisso. Estranharam o primeiro ano e hoje já faz parte da rotina.

Que balanço faz da sua gestão até agora?
A gestão hospitalar é muito desgastante e exige um grande espírito de sacrifício e muitas vezes nem é reconhecida. Para ser reconhecida temos que ter uma comunicação com os profissionais e com as chefias intermédias muito grande, para perceber não só os objectivos que a tutela nos exige, como para estarem envolvidos no projecto, porque a administração por si só não consegue se não estiverem todos envolvidos no mesmo projecto, nas mesmas metas e se não remarmos todos para o mesmo lado. Estes quatro anos foram altamente desafiantes, porque viemos encontrar um hospital que tinha uma má imagem na comunidade, que não tinha fundos disponíveis, ou seja, não tinha orçamento para poder lançar os concursos, implicando que não tinha visto do tribunal de contas. Isso estava a impactar em processos chave. Não tínhamos visadas a alimentação ou a lavagem de roupa. Essas coisas não podiam parar. As obras do bloco estavam paradas porque não havia visto do tribunal de contas. Nesse primeiro ano de 2018, nos primeiros seis meses, foi a luta junto da tutela e isso implicou um grande esforço. Não é fácil a tutela dar um reforço a um hospital, que tem um orçamento deficitário, só porque necessita. Teve que ser muito bem discutido e muito bem negociado para se perceber que o hospital estava cortado na sua função de dar assistência à sua população, aos seus utentes. Cada casa tem a sua cultura. Não nos conhecia a nós, nem nós conhecíamos a casa. Quando conseguimos ter os fundos disponíveis para começar a implantar projectos, veio uma pandemia. Além de estarmos focados nas metas existenciais, porque não podemos descurar todos os outros utentes que tínhamos que atender, tivemos que dar resposta em tempo útil a uma doença nova para todos. Era testes que não se conheciam, circuitos que tinham que se criar, enfermarias especializadas. À nossa dimensão, que não somos um hospital de fim de linha, tivemos 170 doentes covid em enfermaria e 19 doentes internados em cuidados intensivos. À nossa dimensão é muito! E mesmo assim ainda conseguimos ajudar os hospitais da grande Lisboa que estavam ainda mais sobrelotados que o nosso, porque a periferia é ainda maior. Ajudámos muito o Amadora-Sintra (Hospital Fernando da Fonseca) e outros hospitais. O controlo da infecção foi aqui importantíssimo e a comunicação diária que tivemos com os directores de serviço envolvidos, neste caso a urgência, a unidade de cuidados intensivos e as enfermarias Covid, a comissão de controlo de infecção, a saúde ocupacional… O número que tivemos que fazer, a comunicação de testes. O número de falecidos que tivemos obrigou-nos a alugar um contentor porque era enorme e não cabia na nossa morgue, que só tem capacidade para 12 corpos. Tudo isto foi novo e implicou um acréscimo de trabalho muito grande, continuando paralelamente a tratar os outros doentes, mas focados ali. Alguns projectos que estavam na nossa cabeça que iam ser feitos tiveram que ser adiados no tempo. Acho que Portugal e o SNS deram uma boa resposta à pandemia e estamos de parabéns, foi reconhecido internacionalmente. A seguir a uma pandemia vem uma guerra, e como consequência uma inflação dos preços. A nível da gestão hospitalar influenciou que todos os fornecedores que tinham contractos de contratação pública por um determinado preço, começaram a dizer que não forneciam por aquele preço e que tinham que os aumentar. Se temos um orçamento, foi complicado revê-lo com esse aumento. Se alguns têm razão, porque a nível da energia e dos combustíveis houve uma grande subida dos preços, há também algum oportunismo de quem pretende ganhar ainda mais dinheiro. Temos que ter o bom senso de ter esse equilíbrio, mas temos que continuar a comprar, muitas vezes ao preço a que fornecem porque não podemos deixar de ter determinados produtos e materiais. Coisas tão simples como papel. É necessário para as marquesas e afins. Chegou a entrar em ruptura de stock porque não havia no mercado. Isto é só um exemplo. Parece uma coisas simples, mas pode comprometer o bom funcionamento. Temos continuado a nossa senda no hospital, temos conseguido diferenciar o hospital naquilo que podemos, quer a nível das especialidades médicas, quer de outros sectores. Criámos uma especialidade de plástica, com dois novos médicos; neurorradiologia, que não havia; cirurgia torácica; e temos feito muito investimento. Este hospital tem cerca de 40 anos e em termos de saúde isso é muito tempo. O que se preconizava há 40 anos para a saúde já não tem a haver com a evolução tecnológica nem com os tratamentos de actualmente. Uma estrutura deste tipo, de utilização intensiva quer por profissionais quer por utentes, tem muito desgaste. Tivemos que fazer um grande investimento. Os elevadores avariavam constantemente, o quadro eléctrico estava em risco, estamos neste momento a pintar, conseguimos orçamento para isso. A rede de águas está crítica, tem problemas. Tentámos sempre, apesar de o nosso orçamento ser deficitário, como a maior parte dos hospitais do SNS, recorrer a fundos comunitários para adquirir o equipamento necessário e fazer as obras necessárias. E temos feito muitas. Remodelámos a ressonância magnética, o ano passado comprámos 1,5 milhões de euros em equipamento médico. Comprámos vários equipamentos necessários para os serviços como torres de laparoscopia, ecógrafos, telemetrias, um fibroscan para a infecciologia. Comprámos todo o equipamento que pudemos e era necessário, dentro do plafond que tínhamos. Este ano estamos a fazer o levantamento para ver se conseguimos ainda adquirir mais equipamento. Em termos de obras temos a anatomia patológica e o gabinete de medicina legal. Quando cá cheguei percebi que era um desejo da autarquia e do Ministério da Justiça. Santarém é a única comarca que não tem gabinete médico-legal, que está a funcionar em instalações provisórias emprestadas pela câmara e as autópsias são feitas nas nossas instalações antigas. Fiz logo um protocolo com o Ministério da Justiça para iniciarmos, ainda em 2019, essa obra, que estava prevista iniciar em 2020. A pandemia adiou, e ainda adiou mais porque os valores dos concursos foram empolados de tal maneira que ficam desertos. Este concurso ficou duas vezes deserto. Finalmente temos um concorrente, já se iniciou a obra e vai estar finalizada em Dezembro deste ano. É um projecto emblemático não só para o hospital, mas também para autarquia e para a justiça. Tenho pena que o juiz presidente com quem falei tenha acabado a sua comissão, mas vou convidá-lo para a inauguração. Outra obra grande que vamos fazer, com financiamento do PRR, é a da psiquiatria e saúde mental, que está esgotada cá dentro e tivemos um financiamento de 1,2 milhões de euros, mas só financiado em 2024, para o ambulatório e as consultas e hospital de dia da psiquiatria de adultos e de infância e adolescência. Têm também um novo carro eléctrico, estão muito contentes. Conseguimos adquirir no fim do ano ao abrigo do PRR. Também comprámos, por orçamento, uma nova VMER. Estão muito contentes também porque a outra estava envelhecida e não oferecia as garantias, estava desgastada. Estas viaturas têm um desgaste enorme. Tem se feito aquilo que se pode dentro dos condicionalismos que há. Com planeamento e alguma visão estratégica consegue-se. É preciso é definir muito bem as prioridades. Todos querem tudo para ontem. Cada um quer o melhor para o seu serviço e temos que ter uma visão conjunta e tentar definir as prioridades e dar o que se pode.

É esse o segredo da gestão hospitalar?
Definir prioridades, ter visão estratégica, ouvir muito bem as chefias intermédias e os profissionais, mas conseguir separar o trigo do joio e definir o que é ou não prioritário. É impossível fazer tudo ao mesmo tempo e dar tudo a todos ao mesmo tempo. A pandemia deu-nos ali uma sobrecarga. Tínhamos que estar em várias frentes ao mesmo tempo e a pandemia obrigava-nos a uma decisão imediata, porque obrigava-nos a um tempo útil e eram coisas novas. Tínhamos que decidir na altura. Os hospitais tiveram que se adaptar, e os profissionais de saúde estão habituados a ser proactivos e a tentar resolver. Lidam com a vida e com a morte, por tanto tem que ser proactivo e decidir em tempo útil.

No HDS, quais os serviços que têm sofrido mais com essa falta de profissionais?
A falta de profissional médico é transversal ao SNS por vários motivos: Porque há uma classe médica envelhecida, que houve um tempo que as universidades não deixavam entrar o número necessário de médicos para se formar e porque a classe mais nova tem optado pelo sector privado. No hospital de Santarém temos duas especialidades críticas a nível de recursos. Na ortopedia temos perdido recursos por aposentação e outros porque rescindem o contracto, porque optam por ser prestadores de serviço onde ganham mais do que se manterem no mapa de pessoal. A ortopedia é uma especialidade que o sector privado aprecia muito por causa das seguradoras, dos acidentes de trabalho. Eles optam muito por trabalhar no sector privado. A medicina interna, tem sido, foi e continua a ser a especialidade que ao tratar o doente como um todo é no fundo a mais sobrecarregada. Durante a pandemia foram sempre eles que tiveram ou nas urgências ou nos internamentos COVID. Todas as especialidades faziam urgência, mas foram-se autonomizando e ficou para a medicina interna fazer as urgências. Na pandemia deram resposta eficaz e eficiente, mas vieram as sequelas. Ficaram exaustos. Foram sempre eles que lá tiveram. Na urgência nota-se que estão cansados. O altruísmo que tiveram nessa altura, já não têm. São humanos. Durante a pandemia todos nos motivámos para combater um inimigo invisível que afectava a população. Também estão envelhecidos. Temos alguma escassez de recursos médicos na medicina interna. A anestesiologia também não é excepção. É uma especialidade em que há poucos formados e que são necessários para várias valências, não só no bloco operatório, mas há inúmeras técnicas que precisam de anestesia, e também têm que estar na urgência. E têm um número mínimo para estar, não basta estar um, têm que ser dois ou três numa equipa de urgência, e todos os dias, porque temos uma porta que está sempre aberta.

A fuga para o sector privado terá que ser combatida, especialmente por parte da tutela. O que é preciso para combater este ‘flagelo’?
Nós tentamos ao nosso nível combater, aliciando os médicos com projectos de investigação, de formação, até tentando focá-los em algumas técnicas que eles gostem mais para desenvolver, com novos equipamentos. Agora isto é estrutural. A tutela já o percebeu e está para breve sair legislação que aumenta a remuneração base dos médicos para se tornar mais aliciante. A remuneração base actual é baixa para a responsabilidade que se tem de tratar a vida humana. Digamos que um médico compõe o seu vencimento trabalhando em várias instituições e com o trabalho extraordinário. A tutela já percebeu que tem que, estruturalmente, tomar medidas e penso que está para sair muito em breve uma legislação em que vão diferenciar os pagamentos por regiões mais carenciadas. Se diferenciam os pagamentos a nível nacional da mesma forma fica tudo nos grandes centros, Lisboa e Porto, e continuamos a ter assimetrias. Vão tentar que nas regiões do interior os médicos sejam melhor remunerados. Espero que Santarém seja contemplado, porque não é bem interior. Estamos a 80 quilómetros de Lisboa, mas temos carência de médicos. Para combater isso já criámos um gabinete de investigação. Não havia o hábito de fazer sessões de clínicos em que se partilha os casos clínicos dos seus serviços com os colegas e agora fazemos. Tentamos sempre envolvê-los num projecto, mas muitas vezes é incompatível com uma remuneração base no sector privado que é maior e não têm que fazer urgências. E aqui, no público, têm que fazer e muitas. Além do seu horário. A geração mais nova não vê só o trabalho como um projecto de vida. Vê a família, os tempos livres. Vê como um todo e opta pelo que considera melhor para a sua vida.

Uma das coisas que se tem criticado é a lista de espera nas cirurgias. O HDS tem alguns números elevados. Deve-se muito a esta falta de médicos?
Nas consultas temos lista de espera na dermatologia, porque estamos a dar resposta à nossa área de influência e a 500 mil habitantes, porque damos resposta a todo o distrito. Isso faz com que fiquemos sobrecarregados. Neste momento está definido uma estratégia, até porque foi discutido com o director executivo, que está muito preocupado com as listas de espera. No primeiro semestre espero que esteja ultrapassada a questão da lista de espera das consultas de dermatologia. Nós damos resposta a nível distrital às especialidades mais diferenciadas e mais onerosas. Infecciologia, cirurgia vascular, dermatologia e radioterapia. Pagamos todos os transportes e todos os tratamentos de radioterapia de todos os doentes do distrito, não é só de Santarém. Trabalhamos mais, mas também temos mais custos. A nível das listas de esperas cirúrgicas temos mais dois serviços críticos. A ortopedia, fruto do que referi, temos apenas cinco médicos do mapa dos quadros, dos quais mais têm mais de 63 anos e um já deixou de fazer urgência. Estamos na confluência de duas auto-estradas com muitos acidentes, muito trauma. Temos uma população que é a mais envelhecida a nível nacional, com as quedas e os traumatismos. Os médicos que temos são insuficientes para recuperar as listas de espera de ortopedia e para dar resposta ao trauma. O que acontece é que muitas vezes temos que estar em contingência na nossa urgência para os politraumatizados. Temos trabalhado em rede com o hospital do Médio Tejo e com o de Vila Franca de Xira. Continuamos a ter ortopedia, mas não em número suficiente, em alguns dias. Neste caso concreto da ortopedia, eu, em conjunto com o director do departamento cirúrgico e com o director de serviço definimos que temos que recorrer ao exterior para nos ajudar a limpar esta lista de espera. Já estamos a trabalhar com o sector privado. Preferia que fossem tratados dentro, porque era melhor, mas não temos capacidade humana. Também não temos os anestesistas suficientes para termos tantos tempos de bloco. Temos a mesma razão na cirurgia geral. Não tanto por falta de médicos, mas por muita procura. Há muitos tumores, muitas hérnias, muitas cirurgias à vesícula, e acaba por ter uma lista de espera longa. Tivemos a cirurgia vascular com um tempo de espera elevado. Mais as varizes. A vascular também toma conta dos aneurismas, mas esses são urgentes, porque senão o doente morre. As varizes podem esperar, nestes casos. Com a nomeação do novo director de serviço, que se encheu de brio, e num ano limpou mais de metade da lista de espera. Este ano já se comprometeu que até Junho não vai ter doentes com mais de 12 meses de espera. Ele assumiu muito esse compromisso e tem feito um trabalho extraordinário. E vamos melhorar porque é o nosso compromisso neste semestre. Cirurgia geral e ortopedia são as nossas duas especialidades críticas e vamos pedir apoio, já estamos a tratar dos concursos, para nos ajudarem a recuperar estes doentes em lista de espera no exterior. É preciso explicar que são doentes readmitidos, que estão em vale cirúrgico. Se não cumprirmos o tempo o próprio sistema emite vale cirúrgico para os doentes serem operados no sector convencional. Estes doentes são tão complicados que o próprio sector privado também não os quer. Por isso é que eles se mantém em lista de espera. Ou têm risco de vida ou muitas complicações. No entanto temos que ter uma solução para os doentes e é isso que vamos resolver este ano. Não querem (o privado) porque não dá lucro, mas temos que resolver o problema. Se não podem ser operados temos que ter outro tipo de tratamento. Podem ter risco de vida e não ter condições fisiológicas, porque essas operações de ortopedia são muito complicadas e muito grandes, mas tem que haver uma solução.

Qual é, neste momento a prioridade do HDS?
Neste momento eu queria dar continuidade a alguns dos projectos que estão quase finalizados. Quer em termos de obras quer em termos de aquisição de equipamentos. Porque isto também é uma luta, há sempre problemas nas obras. O acesso nas duas especialidades também tem que ficar resolvido. E é manter esta cultura de gestão que não se pode perder. Tem que se continuar e tem que haver envolvimento nos projectos. O que acontece nas instituições hospitalares, e nota-se mais nas mais pequenas, é que cada um funciona pelo seu serviço. Eu não condeno porque sei que cada um quer o melhor para o seu serviço. Mas tem que se ter uma visão global e sistémica do bem comum, e é assim que se define prioridades.

Como está a situação dos enfermeiros no HDS?
O HDS não tem falta de enfermeiros. Sendo a classe de enfermagem essencialmente feminina acaba por ter muitas baixas por gravidez. A lei permite-nos que possamos substituir os enfermeiros. Temos é uma grande rotatividade. Depois alguns vêm e são de outros lados, e assim que conseguem vão para perto de casa. O que implica que estamos a formar e passado um ano temos que formar outra equipa. Mas não há questões relacionadas com a falta de enfermeiros. O enfermeiro director também tem feito uma boa gestão, alocando os recursos onde são mais necessários.

É uma mais valia para o hospital ter uma escola de saúde aqui em Santarém?
Sim, claro. E temos uma óptima articulação. Temos trabalhado muito em conjunto. A professora Hélia tem sido inexcedível. Criaram um curso de hospitalização domiciliária que nós ajudámos. É uma mais valia enorme.

Que projectos de relevância para a população há no HDS?
Começámos a fazer o rastreio do cancro do cólo do útero a toda a população do distrito. Era feito em Santa Maria, Lisboa, nós assumimos, deu uma resposta excelente e já vamos em sete mil rastreios por ano. A ARS deu-nos um grande elogio sobre esse projecto. E o nosso projecto de hospitalização domiciliária, que implementámos e tem estado num crescendo. A população está muito contente, porque está na sua casa, com a sua alimentação, com os seus familiares. Vai lá um médico e os enfermeiros tratar do doente. Nem todos pode estar nessa condição, há requisitos. Há quem tenha mesmo que estar no hospital porque causa da condição clínica. E tem de haver um cuidador. A população está envelhecida e nem sempre há cuidadores. Temos um problema, como outros hospitais, que é os casos sociais. Ou não têm família, ou a família abandonou-os. Acabam por ocupar camas de hospital desnecessariamente, porque precisam de apoio social e não de apoio clínico e acabam às vezes por apanhar outro tipo de infecções, porque estamos num meio hospitalar e por muito que se tente, essas situações acabam por acontecer. Há visitas, o pessoal entra e sai todos os dias…

O que é que se perspectiva para 2023 no HDS?
Vamos ser, à partida, o primeiro hospital do país a ter o nosso plano de actividades e orçamento aprovado. Ainda é um bocadinho informal, mas já nos deram essa indicação. Isso é muito bom, porque vai ser um instrumento de trabalho que nos permite contratar quem lá está definido e permite-nos fazer os investimentos sem estar a pedir as burocracias de autorizações às tutelas, como tínhamos que fazer anteriormente. Temos o plano de pessoal também aprovado. Vai ser um instrumento de gestão essencial para este hospital.

O Hospital tem apostado numa modernização dos serviços, com várias iniciativas como os quiosques. Como está a funcionar em termos de optimização dos serviços?
Temos investido no digital e a pandemia fez-nos dar um salto. Em termos de pandemia fomos obrigados a criar aplicações que dessem uma resposta aos utentes. Como não era possível ter visitas, criámos aplicações em que fornecíamos aos familiares do utente que estava na urgência toda a informação, todos os passos do percurso do doente na instituição para dar algum conforto. A nível dos testes COVID, criámos uma plataforma em que os negativos iam todos por SMS. Os positivos, telefonava-se directamente ao utente porque era preciso explicar as medidas profilaxia. Também criámos os quiosques digitais, que têm como objectivo efectivar as consultas, pagar taxas moderadoras, tirar declarações de presença. Digamos que é um instrumento que permite ao utente não estar à espera para se dirigir a um guichet de atendimento. Na nossa população que também tem as suas dificuldades, a nível informático, temos numa primeira fase ajuda dos nossos funcionários e voluntários, apesar de o sistema ser muito intuitivo. A maior parte das pessoas, à segunda vez que vêm já não precisam de ajuda. Criámos também uma aplicação em que o doente consulta todo o seu percurso e faz a comunicação com a instituição. Criámos um sistema de notificações de SMS para alertar das consultas, dos exames, das preparações dos exames. Já em 2018 se tinha reformulado toda a rede informática do hospital num investimento de um milhão de euros. E neste momento estamos a criar a nível da cibersegurança algo que chamam ‘Recover Disaster’, que é a redundância. A segurança de termos servidores e bastidores para em caso de alguma coisa correr mal, o sistema não apresentar falhas. Implementamos uma gestão de stocks a nível da logística, em que nos vai dar o consumo por doente, em tempo útil, para que não haja rupturas. Estamos também com uma aplicação a nível do inventário, que para quem trabalha em hospitais é sempre uma coisa muito complicada. Os equipamentos são muitos, o mobiliário é muito, muitas pessoas mexem em tudo e isto implica nos abates, nas amortizações e nos financeiros. Estamos a fazer uma aplicação em que vamos saber onde está toda a cadeira, todo o mobiliário.

Que marca de gestão quer deixar no Hospital?
Eu queria que o hospital estivesse cada vez mais diferenciado, mais autónomo, com uma cultura própria de gestão e que funcionasse por si próprio. É sempre preciso um líder, um timoneiro, mas no fundo é preciso que as próprias chefias intermédias vestissem esta camisola e que continuassem esta senda para que o Hospital de Santarém se diferenciasse e que promovesse as coisas boas que cá se faz. A maior parte das notícias é o que há de mau. Há sempre falhas em algum momento, mas há tantas coisas boas que se fazem e é importante promover isso. Os nossos profissionais lidam com a doença, com a vida, com a morte, são profissões exigentes.

PERFIL: Ana Infante

Ana Marília Barata Infante, nascida a 13 de Março de 1962, em Lisboa, é licenciada em Sociologia (1986), ISCTE, e pós-graduada em Administração Hospitalar (1990), ENSP e, desde 2018, preside ao Conselho de Administração do Hospital Distrital de Santarém (HDS).
Antes de se lançar na carreira da administração hospitalar, passou pelo Centro Cultural Regional de Santarém, C.R.L, onde desenvolveu um projecto de investigação: “foi inovador à época, sendo que envolvia todas as autarquias do distrito. O projecto teve o seu término e eu procurei alternativas de trabalho e fui tirar o curso de administração hospitalar, que concluí em 1990, e que tem sido a minha profissão até aos dias de hoje. Já lá vão 33 anos”, conta ao Correio do Ribatejo.
Exerceu, assim, funções de administradora hospitalar de 2.ª classe, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, com responsabilidade no acompanhamento e monitorização dos Serviços de Pneumologia, Reumatologia, Infecciologia, Cirurgia Geral II, Cirurgia Vascular, Urologia, ORL, Radiologia, Neurorradiologia, Medicina Nuclear, Imuno-Hemoterapia, Anatomia Patológica, Bloco Operatório, UCA e UCIP.
Desenvolveu, com os directores de serviço, os processos de acreditação dos Serviços de Anatomia Patológica, Cirurgia Geral II, Radiologia e ORL. Integrou o Grupo de Trabalho nas candidaturas a Centro de Referência para as áreas de Implantes Cocleares e de Neurorradiologia de Intervenção na Doença Cerebrovascular. Participa actualmente na implementação do Projecto de Gestão Integrada da DPOC, em articulação com a ARSLVT, e na Comissão de Criação e Desenvolvimento dos CRI no CHLO.
Exerceu funções no Instituto Português do Sangue (1990-1994), no Hospital Pulido Valente (1994-1996), no Hospital de Santa Cruz (1996-1997; 2001) e no Centro Hospitalar de Cascais (2003-2007) com responsabilidade nas diversas áreas de gestão.
Administradora delegada dos Hospitais Distritais do Fundão (1997-1999) e da Covilhã (1999). Participou na elaboração da proposta de criação do Centro Hospitalar da Cova da Beira e na integração daqueles dois hospitais na nova estrutura. Pertenceu à Comissão de Acompanhamento do Centro Hospitalar da Cova da Beira. Foi vogal executiva do Centro Hospitalar da Cova da Beira (1999-2001).
Vice-presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil (2001-2003), integrou e coordenou grupos de trabalho; participou em diversos projectos inovadores na área da saúde; foi formadora e apresentou comunicações em seminários e conferências inseridos na problemática da saúde; exerceu funções de assessoria e tem vários trabalhos publicados como autora ou co-autora.
“Comecei a minha actividade profissional no Instituto Português de Sangue, depois achei que ser administradora hospitalar e sendo o IPS um instituto central, acabava por a minha actividade não ser plenamente usada, ou seja, não tínhamos doentes. Enquanto os meus colegas falavam da média de doentes, eu só falava de transfusões e de dadores de sangue. Resolvi ir mesmo trabalhar para os hospitais. Na altura fui para o hospital Pulido Valente, depois tive um convite para ir para abrir o Centro Hospitalar da Cova da Beira. Primeiro para criar o Centro Hospitalar e depois abrir o novo hospital.”
Dessa altura, recorda o “projecto intenso e de muito trabalho” que durou quatro anos: “findo esse tempo, voltei a Lisboa, à minha terra. Tinha casado, tinha sido mãe e a minha família estava a precisar do meu apoio, que só me tinha aos fins de semana”.
“Voltei a um hospital, ao de Santa Cruz, e, entretanto, fui desafiada para um novo projecto, que foi o único interregno que tive fora da saúde. Fui convidada para ser vice-presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil. Uma realidade completamente diferente, difícil também, mas deu-me para perceber que trabalhar em hospitais é muito mais exigente e muito mais desgastante. Sendo a minha profissão base e o que eu gosto, regressei à origem. Morava em Cascais e fui trabalhar para o Centro Hospitalar de Cascais. Trabalhei no hospital velho de Cascais, que era público”, relata.
Entretanto, foi iniciada uma Parceria Público-Privada e aquela unidade hospitalar passou a ser gerida pelo sector privado: Ana Infante ocupou o seu lugar de quadro no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, local onde fez o maior percurso da sua vida profissional e o sítio onde mais gostou de trabalhar, segundo afirma.
“Os outros foram desafios e foram objectivos de missão e de projectos. Este foi a trabalhar no duro, com uma equipa extraordinária. Entretanto, fui desafiada a vir para o Hospital Distrital de Santarém. Tive alguns outros desafios que, por razões várias e por querer dar apoio familiar à minha família – que precisava do meu apoio – não aceitei”, diz.
“Quando aceitei, achei que estava na altura”, remata Ana Infante que preside ao Conselho de Administração do Hospital Distrital de Santarém desde 2018, e vai no seu segundo mandato que termina no final deste ano.

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