O colectivo chileno Mil m2 anda, desde terça-feira, em vários espaços públicos do Cartaxo a pedir aos cartaxenses para fazerem perguntas à sua cidade e ao Governo.

O “Projecto Pergunta”, dispositivo de participação cívica que, desde há cinco anos, passou por dezenas de cidades de 15 países com o objectivo de “gerar, tornar viral e potenciar debates colectivos no espaço público”, é uma das iniciativas do Festival Materiais Diversos (FMD), que arrancou no passado fim de semana em Minde e em Alcanena e que esta semana acontece no Cartaxo.

“Cada dia temos uma pergunta distinta, como ‘o que perguntaria à sua cidade?’ ou ‘o que perguntaria a si mesmo?’ ou ‘o que perguntaria ao seu pai e à sua mãe?’, e estamos aqui em Portugal pela primeira vez, depois de 120 versões do projecto, mais de 20.000 perguntas recolhidas em todo o mundo”, disse à Lusa Pedro Sepulveda, um dos quatro elementos do colectivo que veio a Portugal para o FMD e para o festival Verão Azul, no Algarve.

A pergunta colocada hoje, numa escola do Cartaxo, foi “o que perguntaria ao seu Governo” e as quase 200 perguntas feitas pelos jovens – com questões que vão da legalização do haxixe, à qualidade da educação, aos problemas ambientais até à política, à corrupção e aos impostos – foram sendo expostas durante a tarde na plataforma instalada em frente à Câmara Municipal, uma forma de “colocar em diálogo os jovens, as suas perguntas, e este espaço político e cidadão”.

Para Pedro Sepulveda, a experiência tem sido “muito interessante, muito forte”, até um pouco “depressiva”, dada a quantidade de vezes que a pergunta “porque é que estás morta?” foi feita à cidade, ao ponto de liderar a lista das questões colocadas.

Sublinhando que o projecto “vai variando muito”, dependendo do lugar e também das pessoas, o director criativo do colectivo salientou o número “muito alto, raro”, de perguntas reunidas em dois dias no Cartaxo (perto de 500), sinal de “uma necessidade de ser escutado” e de como a democracia não oferece um espaço de expressão suficiente, o que leva as pessoas a sentirem “esta impotência, esta raiva com tudo o que precisam expressar”.

“Por isso acreditamos muito que a arte tem de fazer essas pontes também, como uma ferramenta. A arte não é uma coisa, é algo que você faz”, disse, lamentando que as instituições culturais funcionem “mais para os grémios do que para as pessoas”, quando a arte “é diálogo”.

Daí a opção pelo trabalho em espaços públicos e pela ocupação temporária de espaços, “pensando em novas instituições culturais, novos espaços de intercâmbio e de fazer produção, gestão e arte”, afirmou, referindo o facto de as pessoas que integram o colectivo virem “de distintos ‘backgrounds’, de distintas disciplinas”.

Surgido há seis anos, em Santiago do Chile, o colectivo deve o seu nome ao espaço de mil metros quadrados onde começou a investigar, a fazer pesquisas e intervenções, nomeadamente de activismo e educação, com organizações não governamentais, dando origem a “distintos dispositivos” a que chamaram “geração colectiva de conhecimento”.

O projecto de investigação que desenvolvem “é um convite a falarmos uns com os outros, a falar com desconhecidos na rua, a falar de política, a sentarmo-nos na rua e a pensarmos juntos, na rua, como ato político de resistência”, salientou.

As mais de 20.000 perguntas feitas em todo o mundo estão reunidas num arquivo e vão dar origem a um livro, sendo também usadas para fazer “leituras performativas”.

“Fazemos distintas classes de coisas. Este é um projecto que não pretende dar uma resposta, uma maneira de interpretar, uma maneira de entender, tem muita experimentação, muita pesquisa que vai trocando”, disse, dando como exemplo as 80 canecas de cerveja com 80 perguntas colocadas num bar em Madrid, acção que será repetida no Algarve.

“Uma parte do arquivo fica aí, uma experiência, mas não é a única coisa”, afirmou, apontando o projecto já em curso com o Museu Rainha Sofia, na capital espanhola, e que leva já cinco meses de pesquisa com o objectivo de fazer o “Projecto Pergunta” nas escolas, em sala de aula.

“Este projecto converte numa prática de vida, de fazer, de pensar, uma ferramenta, poder entender a sua cidade e nós mesmos, um exercício que é antológico, filosófico, político, pessoal, de humor, com todas essas capas”, acrescentou.

No Cartaxo, o projecto culmina no sábado com a apresentação de “um pequeno fanzine, uma pequena publicação com fotos e as perguntas”, num espaço em que haverá partilha da experiência com a comunidade local.

“É para nós muito valioso poder entregar este tipo de ferramentas, este tipo de pensamento artístico – pode não ser arte, mas é uma maneira de trabalhar que tem muito a ver com arte e com o pensamento artístico -, e ter também o ‘feedback’. Gostamos muito de partilhar espaços de encontro — não só perguntar, mas também como podemos compreender-nos colectivamente”, salientou.

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