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Quando em janeiro de 2022 visitou os Açores, Daria, refugiada ucraniana a viver em Fátima, onde frequenta um colégio, que acumula com os estudos numa escola na Crimeia, pensou que um dia gostaria de viver em Portugal.

“Pensei: ‘eu gostava de viver em Portugal’. O meu sonho tornou-se realidade. Mas porque é que eu não estou feliz? Eu gostava de estar em Portugal por uma boa razão, como estudar. Mas estou por causa da guerra”, afirmou à agência Lusa a aluna de 15 anos e a frequentar o 9.º ano do Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Fátima.

Para Daria, contudo, os estudos começam às 06:00, hora portuguesa.

“Vejo os trabalhos de casa da escola da Ucrânia ‘online’. Faço o meu trabalho e mando para os professores. Às 09:00, já estou nas aulas no colégio”, explicou, referindo que, após sair do colégio, à tarde, ajuda a irmã, participa nas tarefas de casa e estuda. Aos fins de semana, coloca o sono em dia.

No dia 24 de fevereiro de 2022, foi também na escola, na Crimeia ocupada desde 2014 pela Rússia, que soube do início da guerra.

“A aula era sobre Estudo Público de Segurança da Vida. O meu professor disse que ‘a guerra começou’”, contou. O primeiro pensamento de Daria foi “não pode ser real”.

Depois, foi o telefonema da mãe. “As minhas mãos tremiam”, relatou.

No final de março de 2022, Daria, a mãe e a irmã, de 10 anos, que frequenta outra escola de Fátima, colocaram-se a caminho de Portugal. “Primeiro autocarro, depois comboio, depois avião [Polónia para Lisboa]”. A estudante trouxe roupa, telemóvel e documentos.

No início de abril, chegaram a Fátima, que a mãe de Daria já conhecia, porque tinha vindo visitar uma amiga, há cerca de dois anos, a mesma que lhe disse: “A guerra começou, podes vir para cá”.

No dia 14 de maio, Daria entrou pela primeira vez no colégio, para o 8.º ano, e foi recebida por um aluno ucraniano.

“Aos meus primeiros passos todos olhavam para mim”, declarou, lembrando os elogios “ao cabelo [louro] muito bonito, aos olhos [azuis] muito bonitos” que lhe eram dirigidos.

“Muitas pessoas queriam estar comigo”, comentou, garantindo que, embora a língua tenha sido a maior dificuldade, “não foi difícil a adaptação”, até porque “mudou muitas vezes de escola na Ucrânia”, onde também viveu na capital, Kiev.

Por outro lado, assumiu não ter problemas de comunicação, porque fala inglês. Somam-se os idiomas alemão, russo, ucraniano e tártaro. E já algum português. Mas quando ouve alguém a dizer “eles [refugiados] chegaram e têm tudo, porque o Governo dá”, responde: “‘Não percebi nada’. Tipo, sou estúpida”.

Dos portugueses, diz que “sorriem sempre” e são “muito amáveis”, reconhecendo que na Ucrânia as pessoas são mais distantes.

O desejo, além de ter como horizonte ser designer ou advogada, é apenas um: “Viver uma vida normal, como uma pessoa normal”.

“Eu quero viver em Portugal, mas quero regressar a minha casa, à Crimeia sem ocupação, não quero ir para a Rússia, que é o meu maior medo. Agora, sinto que Portugal é a minha casa”, afirmou, assumindo que, às vezes, sente saudades do tempo que passou na Ucrânia.

O Colégio do Sagrado Coração de Maria, atualmente com um total de 351 alunos, recebeu, desde fevereiro de 2022, 18 alunos refugiados, permanecendo 11, disse à agência Lusa a psicóloga do estabelecimento de ensino, Filipa Borralho.

Dos dados que o colégio tem, um aluno foi depois para a Polónia e quatro regressaram à Ucrânia.

“O colégio procurou, à chegada destes alunos, que fossem estudantes com conhecimentos de ucraniano a recebê-los”, afirmou Filipa Borralho. Antes, foi perguntado que alunos falavam ucraniano e foram solicitados a colaborar no acolhimento, baseado na iniciativa de que a escola tem de serem sempre os alunos do 9.º ano a colaborar na integração dos alunos que ingressem no 5.º ano.

Adiantando que “os alunos refugiados foram depois integrados em turmas de alunos que falavam a língua ucraniana, o que facilitou imenso o trabalho de docentes e não docentes e a interação com os colegas de turma”, a psicóloga destacou que “os alunos mostraram sempre uma grande sensibilidade para acolher todos os refugiados que chegaram”.

“A língua é, sem dúvida, o maior obstáculo, mas com alguma criatividade e ajuda de aplicações para telemóvel vão sendo ultrapassadas”, declarou, lembrando que “houve docentes que nos testes colocavam a instrução em português e em ucraniano”.

A ofensiva militar lançada em 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou até agora a fuga de mais de 14 milhões de pessoas – 6,5 milhões de deslocados internos e mais de oito milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados das Nações Unidas, que classificam esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

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