Em 1904 H. J. Mackinder (geógrafo e geopolítico britânico) publicou, na Real Sociedade Geográfica de Londres, um artigo que iria revolucionar as teorias sobre o poder mundial. Afirmou que quem dominasse o Centro da Eurásia (correspondia na época à Alemanha e à Rússia) dominaria o Mundo. Designou-a como a teoria do “Heartland”. Não podemos esquecer que Mackinder era britânico e existia um sentimento de perigo sobre uma potencial aliança entre a Alemanha e a Rússia.

Três décadas mais tarde, N. J. Spykman (geógrafo e geopolítico americano), baseado nas ideias anteriores, enuncia a teoria do “Rimland”. Afirmou que o poder não estava em quem controla o “Coração do Mundo” (Heartland), mas quem é capaz de cercá-lo.Quem controla a periferia. No final da Segunda Mundial e durante o período da Guerra Fria o presidente americano cria, com base nestas teorias, a chamada “Doutrina Truman”, que utiliza estas teorias geopolíticas.

Um século depois, as ideias de Mackinder e de Spykman foram revisitadas. O conflito Ucrânia-Rússia, com todo o envolvimento dos países “ocidentais”, parece recuperado de um qualquer Manual de Geopolítica do princípio do século XX.

No primeiro momento, uma potência mundial, o Reino Unido, estava preocupada com o avanço de uma potencial potência (Rússia). Não se concretizou! A Rússia não se aliou aos alemães na Primeira Guerra Mundial.

No segundo momento, uma potência mundial, os Estados Unidos, receavam a expansão da União Soviética. Assistimos à Guerra Fria.

Hoje, o “Ocidente” receia, novamente, uma expansão da Rússia. Na actualidade, a Rússia não é uma potência global, mas há um novo actor no “jogo” mundial, a China. A recente aliança entre estes dois países elevou a fasquia. Em 4 de Fevereiro foi apresentado em Pequim um documento muito importante para entender uma possível Nova Ordem Mundial. Xi Jinping e Putin apresentaram uma declaração conjunta sobre o “Novo Mundo” e as ideias geoestratégicas comuns.

Esta aproximação estratégica associada ao desenvolvimento das Novas Rotas da Seda (Belt and Road Initiative) e ao crescimento económico da China são factores que revelam um crescente posicionamento da Eurásia no jogo geopolítico.
E a Europa?

Os países da União Europeia estão numa posição complexa. Os diferentes interesses, políticos e económicos na Europa são uma marca dos nossos tempos. A retoma e o crescimento económico dos países da União não são compatíveis com um conflito desta dimensão. A Alemanha de Scholz está, de certo modo, prisioneira das suas opções nas relações económicas e energéticas. A França de Macron deseja posicionar-secomo dominante no espaço europeu e mediadora do conflito. Não esquecer que Macron afirmou em 2019 que “a NATO está em morte cerebral” e “A Europa está à beira de um precipício”…

A Ucrânia está no meio do turbilhão dos jogos de guerra e começa a entender que o seu futuro vai ser o de um Estado “tampão”. Pede esclarecimentos ao Kremlin sobre a posição das forças armadas russas, solicita aos EUA mais contenção nas suas posições e já admite não aderir à NATO, mas não cumpre o Acordo de Minsk (ocupação da Crimeia e autonomia das Repúblicas de Donetsk e Lugansk) assinado em 2014 sob o patrocínio da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.

E, mais uma vez, os poderes mundiais degladiam-se no território da Europa.
Não há vencedores e os perdedores são sempre os mesmos.

A propósito recordemos o poema de Bertolt Brecht : “Do rio que tudo arrasta/se diz que é violento./ Mas ninguém diz violentas/as margens que o comprimem.”.

Vítor Barreto – Professor de Geografia e de Geopolítica na Universidade da Terceira Idade de Santarém

In Correio do Ribatejo, 18 de Fevereiro 2022.

Leia também...

‘Guerra maldita’, por Pedro Carvalho

Absolutamente nada pode justificar uma guerra com estas características em pleno século XXI. Um Estado soberano que invade outro Estado soberano, sem ser em…

‘Natal’, por João Paulo Narciso

Aqui há uns anos, nesta mesma coluna onde vos escrevo, semanalmente, deixei expresso o desejo de, por cada ano que passe, o espírito da…

‘O Afeganistão é um problema nosso? Claro que é…’, por Ricardo Segurado

A semana que passou fica marcada, infelizmente, pelo regresso dos Talibãs ao poder do Afeganistão. 20 anos volvidos, e os Pashtun (etnia predominante entre…

A Regionalização na Ordem do Dia – Conclusão

Opinião de Ludgero Mendes