A nossa história é feita entre o real e a ficção. Não se sabe onde começa um e acaba o outro. Esta é, porventura, a grande diferença, e o que verdadeiramente nos distingue, dos demais seres vivos. Quero dizer: a capacidade de identificar a verdade e frisar a mentira (ou o fabricado).

Acontece que ou Real está fora de nós. O quotidiano, o lufa-lufa diário, é um assombro desse grande real. Ou seja, o espaço / tempo onde vive a unidade, o todo, e que naturalmente nos transcende! E, todavia, nós, todos nós, e as nossas singularidades – ninguém é igual a ninguém – fazemos parte dessa unidade. É, portanto, o tempo de procurar a verdade, sabendo que esta, como sinónimo da unidade – só a unidade é verdadeira – nos escapa…!

William Paff, um jornalista norte-americano, que nos escombros da Guerra Fria, fez a autópsia dessa época, onde a guerra e a paz eram impossíveis e inencontráveis, disse que é o “passado faz-nos estar onde estamos”!

Era e continua a ser uma fórmula óbvia, porque desde os tempos remotos e primordiais que o passado, através dos nosso ADN, subjuga o nosso presente e compromete os ideais futuros!

Não compreender isto, leva a que não abranjamos nada, e estejamos cegos perante a realidade, até quando, ou, sobretudo quando, esta se limita “ao nosso quarto com vista para a cidade”! É também o tempo dos charlatões e dos aprendizes de tirano. É tempo de ser dar tempo ao tempo, e este, todavia, esgueira-se para parte incerta!

Esta foi, creio bem, a grande lição da pandemia, i.e., porque mesmo que confinados a vida continuava, da mesma forma que ela continua quando nós, imobilizados e incapazes, e virtualmente, assistimos ao que acontece na Ucrânia, como espectadores de um drama onde o real se sobrepôs à ficção. Não, não estamos no conforto deste quarto com vista para a cidade, a ver um seriado televisivo, onde o faz de conta vigora!

O mundo, e em particular uma parte significativa do velho continente, ganha uma nova forma, e entra num outro parêntesis que os humanos, e só eles, sabem fabricar! Porque, como escreveu Michel Foucault, “a história empenha-se em fazer aparecer todas as descontinuidades que nos trespassam!”

Opinião de António Canavarro

Leia também...

Crónicas do Tejo: «Zé da Silva Leite / Nosso benfeitor» – Montijo, Atalaia, Afonsoeiro e Figueirinha

Vivi no Montijo entre 1957 e 1960 mas nunca me despedi da…

Faleceu Edgar Nunes

Aos 90 anos de idade faleceu na cidade de Santarém, onde vivia…

‘O Orçamento que ficará na história…’, por Ricardo Segurado

Não tenhamos dúvidas, a proposta de orçamento do Estado para o ano…

‘Do rio que tudo arrasta… a guerra sem fim’, por Vítor Barreto

Opinião.