As novas tecnologias sempre criaram nas comunidades um efeito de desconfiança e temor. Por curiosidade leia-se o seguinte texto publicado na Gazeta dos Caminhos de Ferro em 1953 num artigo sobre a história dos comboios em Portugal:  

Os caminhos de ferro haviam derrotado para todo o sempre a “fácil, cómoda e rápida» Real Mala Posta que, quer de Verão quer de Inverno, havia assegurado a primeira comunicação efectiva de transportes públicos, entre Lisboa e a cidade do Porto.

O medo de grande parte do público, continuava, porém, a fazer-se sentir. Vinham gentes de longe ver passar o “сomboio puxado pelo cavalo rinchão tocado a fogo» e muitos se negavam terminantemente a fazer uso de tal meio de transporte, que até nas curvas tombava tanto para um lado que parecia mesmo que ia voltar-se.”

Sempre! Sempre! As populações reagem negativamente, durante um certo período, à introdução de novas tecnologias. É evidente, que devemos considerar que as mudanças tecnológicas arrastam aspectos negativos e positivos à vida das pessoas e, em especial, à sua segurança.

O desenvolvimento da tecnologia de inteligência artificial (IA) não está desligado desta realidade. É verdade que a velocidade das mudanças, neste século XIX, não tem dado tempo às pessoas para assimilar as alterações. O que é hoje, amanhã já não é … A reacção negativa da população torna-se inevitável. No entanto, a inteligência artificial está no meio de nós e na nossa vida pessoal e comunitária. Todos os momentos, em todos os lugares a IA é uma realidade. O poder de controlo desta nova ferramenta é imenso e como em todas as situações é necessário percebermos o que está em causa, quer no seu desenvolvimento quer na sua utilização.

A investigação sobre a Inteligência Artificial tem sido exponencial. Repare-se na notícia publicada por G1 em 2017 e sugerido pelo livro de KAI-Fu Lee – “As Superpotências da Inteligência Artificial”: “O jogo de hoje foi diferente desde o começo”, disse Ke, “AlphaGo fez alguns movimentos que eram o oposto da minha visão de maximizar a possibilidade de ganhar. Eu também pensei que eu estava muito perto de vencer o jogo no meio, mas talvez isso não era o que AlphaGo estava pensando. Eu estou um pouco triste, e há um pouco de ressentimento porque eu acho que joguei bem.” O AlphaGo é um programa de computador de inteligência artificial desenvolvido pela ”DeepMind” britânica e adquirido pela Google, que venceu um desafio de “Go” (jogo de estratégia chinês com mais de 2000 anos) contra o melhor jogador do mundo, Ke Jie (jogador chinês).

Os Estados/Países (potências) percebendo que podiam ter em mãos um utensílio de domínio político e económico, cedo procuraram desenvolver uma concentração de valências atraindo cérebros que permitissem chegar mais alto na supremacia nas novas tecnologias. 

Parece claro que o desenvolvimento acelerado da Inteligência Artificial tem uma importância cada vez maior na geopolítica. No entanto, é necessário dividir, esta temática em duas áreas diferentes, mas ao mesmo tempo interligadas: a inovação e utilização. É claro que quem dominar numa área tem a possibilidade de dominar na outra.

Em primeiro lugar e para responder ao primeiro aspecto: a luta pelo poder geopolítico – a conquista da primazia no domínio da criação e inovação da IA, leia-se o texto que se segue:

Operacionalizar hoje o poder da IA requer quatro contributos análogos: dados em abundância, empreendedores ávidos, cientistas de IA e um ambiente de políticas que lha seja favorável. Quando olhamos para as forças relativas da China e dos Estados Unidos nestas quatro categorias, podemos prever o equilíbrio de poderes, que está para se definir na Ordem Mundial da IA.” (KAI-Fu Lee – “As Superpotências da Inteligência Artificial”).

O jogo geopolítico, ou de poderes, pode ser centrado, portanto, na área dos dados. Tal como os recursos minerais, a “exploração” de dados é intensa em todo o Mundo e torna-se evidente a feroz procura (colheita) desta matéria-prima. Os grandes poderes mundiais digladiam-se na recolha de dados. Veja-se o problema que suscitou a implantação da tecnologia 5G. Todos os dias, todas as horas ou mesmo todos os minutos, estamos, voluntariamente e gratuitamente, a fornecer dados às grandes empresas globais, através da internet ou dos smartphones, de modo que a inteligência artificial funcione para o bem e para o mal. Referimo-nos ao 4G, 5G ou 6G ou 7G… somos nós os fornecedores da matéria-prima dos dados. Dados que são fundamentais para os dois grandes poderes globais sejam, cada vez mais, potências universais. Controlar essas tecnologias permite dominar o crescimento económico desses países deixando os outros progressivamente mais dominados. A montante ainda podemos referirmo-nos à concentração do negócio dos chips, ou seja, do silício, do lítio, do cobalto ou das terras raras. A China é o país com a maior reserva de terras raras e o primeiro do Mundo na sua produção (5 vezes mais que os Estados Unidos). Curioso…

É evidente que outros países como: os da União Europeia, Coreia do Sul, Rússia ou Japão têm um papel importante no mundo das novas tecnologias. O investimento nas áreas da inteligência generativa (criadora de novos conteúdos) ou da inteligência preditiva (constrói padrões e prevê situações futuros com base em padrões) têm vindo a aumentar exponencialmente nos Estados Unidos e na China, mas também na Europa.  No entanto, a China está em vantagem competitiva porque o ambiente político de Estado é favorável ao investimento público. O desenvolvimento do Projecto em 2015 “Zhōngguó zhìzào” (Made in China) com o objectivo de expandir os principais sectores das Novas Tecnologias permite, hoje, passados dez anos, transportar o país para a primeira posição na área da Inteligência Artificial e na Computação Quântica ou mesmo entre outras áreas High Tech (Internet das Coisas ou Internet de Tudo…).

A nova Ordem Mundial também se estabelece aqui. Os Estados Unidos e a China possuem as maiores empresas tecnológicas. Estamos a referirmo-nos às empresas Google, Microsoft, Apple, Meta (Facebook), Alibaba, Tencent,  Stepfun, Zhipu AI, entre muitas outras, que estão a investir dezenas de milhares de milhões de dólares. As empresas europeias: Nokia, Siemens, Ericsson, Brain++, CZAI, HammerHai, JAIF, LitAi,  Pharos … ou à Gigafábrica de IA em Portugal, apesar dos grandes investimentos, ainda não atingem o nível para se tornarem líderes globais na área, pois, por exemplo, só a Microsoft vai investir mais de 100 mil milhões de dólares no Chat-GPT.

O posicionamento geopolítico fica, assim, reduzido às duas grandes potências e não como tem afirmado o governo chinês – um mundo multipolar… A guerra comercial, financeira, militar continua… 

A segunda questão é a utilização da IA. A crescente preocupação sobre as questões de defesa, segurança e cibersegurança torna-se central no debate sobre a utilização da Inteligência Artificial e as suas consequências. A lógica da guerra passa a ser outra e cada vez mais perigosa. Lembremo-nos da crescente utilização de drones e satélites. Estamos a assistir a um aumento do Poder Aéreo em oposição ao Poder Terrestre ou Marítimo considerados geopoliticamente vantajosos nas décadas anteriores. Na verdade, quem reunir os três poderes irá sobrepor-se aos outros Estados. As vantagens comparativas de quem detêm o domínio dos instrumentos de poder, através da ameaça, passa a ser o “Senhor do Mundo”. A escalada do uso do antigo conceito de “espaço vital”, que tanto serviu as ditaduras europeias para justificar a sua expansão territorial, passa a ser dominante num futuro próximo. 

É importante e urgente pensar num consenso sobre a regulamentação. As regras são fundamentais num mundo que passa por um momento complexo e de incerteza. A IA tem vantagens em muitas áreas da vida e do planeta. A tecnologia da Inteligência Artificial não é um mal em si, mas… A Inteligência Artificial não pode ser desumanizada nem desumana!

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