José Manuel Sampaio, médico pediatra aposentado, vai apresentar ao público o seu livro ‘Terra Velha’, no próximo dia 19 de Fevereiro, no Cine Teatro de Almeirim.
Segundo o autor, a obra é constituída de linguagem teatral e uma nova experiência literária para si, que retrata a luta dos agricultores/rendeiros de Almeirim no ano de 1973 contra o espojamento das terras que amanhavam, em sucessivas gerações, desde os finais do século XIX. José refere ainda que este livro é “uma experiência de vida” e que os mais jovens devem saber “o que custou a Liberdade” e não devem esquecer o passado de 48 anos de ditadura que Portugal atravessou.
O José Sampaio vai lançar este mês o seu mais recente livro “Terra Velha”. O que retrata esta obra?
O tema central do livro (peça de teatro e anexos) consiste na resistência dos agricultores/rendeiros à tentativa de despojamento das terras que amanhavam, em sucessivas gerações, desde os finais do século XIX. Terras de mato que tornaram férteis com o seu trabalho e suor. Uma área de 990 hectares, conhecida como Casais Velhos, Gatinheiras e Courelas Novas, com 1050 rendeiros, situada no concelho de Almeirim.
Os proprietários aumentaram absurdamente o preço das rendas, incomportável para a capacidade financeira dos rendeiros, que dependiam daquela terra para o seu sustento. Com a agravante de 19 anos antes de 1973, ano da acção de resistência, terem iludido os rendeiros com falsas promessas, quase todos analfabetos ou semianalfabetos, levando-os a assinarem um papel em branco em que perdiam o direito às benfeitorias realizadas na terra.
O livro relata a acção desenvolvida, na clandestinidade, para tornar os rendeiros mais conscientes dos seus direitos à terra e da luta necessária pela justiça social e económica, contra a prepotência dos donos da terra. A peça de teatro constitui-se assim um espaço psicodramático tecido pelas emoções humanas e, ao mesmo tempo, memória de um facto histórico em que a ficção e realidade se misturam. O espaço temporal de maior actividade centra-se entre Junho e Outubro de 1973, mas a peça relata toda a movimentação posterior até Agosto de 1974. Os jornalistas dos jornais A República e Diário Popular tiveram uma acção fundamental ao darem ao assunto uma dimensão nacional com parangonas na primeira página. Posteriormente outros jornais se referiram ao tema.
A escrita é uma paixão recente ou sempre o acompanhou ao longo da sua vida?
Desde a minha juventude que tenho gosto pela escrita, prosa e poesia. A actividade médica sempre se sobrepôs como principal, mas sempre colaborei com jornais e publiquei alguns livros. Em 1973, publiquei um pequeno livro de poesia, chamado O GRITO, que foi apreendido durante a campanha eleitoral da Oposição Democrática (CDE de Santarém). Eu era um dos candidatos pelo Distrito. Em 1992, publiquei Memoria do Hospital Distrital de Torres Novas e do Serviço de Pediatria. Em 2011, surgiu Sal da Vida, um livro que relata vivências nalguns países de África e Timor Leste e, em 2017, Gritos, livro de poesia que foi premiado em concurso literário da SOPEAM (Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos). Agora, surge Terra Velha, em linguagem teatral e uma nova experiência literária para mim. A leitura prévia da obra de Bernardo Santareno ajudou na concretização do projecto.
Como é o seu processo criativo e o que é que o influencia?
Os livros de prosa, mesmo se ficcionados, como é o caso de ‘Terra Velha’, assentam em factos reais, vivenciados por mim. Os livros de poesia estão relacionados com emoções, sentimentos, angústias e uma grande necessidade interior de gritar por maior justiça social, igualdade de oportunidades e de combate a toda a discriminação entre seres humanos de todas as raças, credos e cores.
Refere que o livro é “uma experiência de vida” e que os mais jovens devem saber “o que custou a Liberdade”. Considera que os mais jovens que não enfrentaram a ditadura não devem esquecer esta parte da história?
É fundamental que não esqueçam. As escolas, os avós e pais, os mais velhos em geral, têm obrigação de ensinar e transmitir aos mais jovens a nossa história. No século passado vivemos em Ditadura durante 48 anos. Para que fosse possível a madrugada libertadora do 25 de abril de 1974 pelo Movimento dos Capitães, muitos combatentes, homens e mulheres, sofreram e alguns deles foram presos e mortos por um regime fascista. Sem dúvida que é justo salientar, sem desmerecer todos os outros, a resistência à Ditadura e a luta dos militantes do Partido Comunista Português. É preciso que as novas gerações não esqueçam que a defesa da liberdade e democracia é uma tarefa diária. Nada pode ser adquirido por definitivo e qualquer distração ou “abertura de portas” poderá permitir o retrocesso político e invasão de forças tenebrosas, que espreitam todas as oportunidades concedidas por regimens democráticos.
Como é que avalia o direito dos trabalhadores nos dias de hoje?
Ao colocar-se em causa o direito à contratação colectiva do trabalho, o mundo do trabalho sofreu um retrocesso. O patronato tem as mãos mais livres para poder despedir. Aumentaram os contratos de trabalho precário, logo a facilidade de despedimento e desemprego. Consequentemente isto tem implicações sérias na organização e segurança da vida familiar e no desejo de ter filhos. O País sofre uma quebra demográfica preocupante e a insegurança no trabalho é uma das razões principais. Acrescem complementarmente os salários baixos, enquanto os bens de consumo aumentam de preço quase diariamente. Os jovens, mesmo os mais qualificados, têm a perspectiva de trabalho precário e mal pago. A tentação de deixar o país existe. Em resumo, direi que a luta pelo direito e dignidade do trabalho, está na ordem do dia.
O crescimento da extrema-direita no País é uma questão que o preocupa?
Claro que preocupa. Exige-se uma atenção e vigilância contínua por todos os amantes da liberdade. São fenómenos sociais que surgem em períodos de crise, de dificuldade económica, de desigualdade, de desemprego. O populismo, a xenofobia e racismo encontram terreno fértil para se desenvolver. A resposta está em melhorar as condições de vida das populações e dar melhores e mais oportunidades às novas gerações. Mais uma vez, é fundamental o ensino da nossa história mais recente e mostrar-lhes quanto custou o alcance da Liberdade. O livro Terra Velha também pretende ser um pequeno contributo para a consciencialização dos mais jovens.
Tem outros projectos em carteira que gostaria de dar à estampa?
O sonho comanda a vida e eu passo a vida a sonhar. Tenho imensos projectos: escrita, música, viagens, que sei nunca irei concretizar mas, o sonho ajuda a viver melhor. Sendo um pouco mais concreto, direi que tenho muitos poemas dispersos que gostaria de organizar em livro. E, também, contar em livro o período de tempo que vivi na cidade de Nova Lisboa (hoje Huambo) entre Fevereiro e Outubro de 1975, período de grande perigosidade e caos que vivi intensamente como médico militar e responsável por uma enfermaria de sector desactivada onde se refugiaram mais de um milhar de civis afectos ao MPLA, perseguidos pela UNITA e FLNA.
Daniel Cepa