Fernando Gaspar, presidente e treinador do Gimno Clube de Santarém faz contas ao impacto que a paragem forçada pela pandemia covid-19, que já provocou o cancelamento do momento da época desportiva no clube, a Scalabiscup. Em entrevista ao Correio do Ribatejo, o dirigente assinala as mudanças ao nível dos treinos durante o tempo de paragem, o impacto financeiro no clube e a indefinição em relação ao futuro da modalidade.

Qual é o balanço que faz da época desportiva até à data?
A época na Ginástica de Trampolins, nomeadamente a competitiva, ainda não tinha começado propriamente. Havíamos somente participado no Torneio de Abertura organizado pela Associação de Ginástica de Santarém que serve normalmente de antecâmara às provas oficiais que estavam prestes a começar! Resumidamente não houve época desportiva até agora!

Qual é o impacto da paragem forçada das competições e treinos na ginástica devido à pandemia covid-19?
Bem, em primeiro lugar no que toca às competições, os primeiros tempos foram de muita incerteza, pois o motor competitivo – Jogos Olímpicos – estava num impasse (realizar/cancelar/adiar). Logo que essa questão foi resolvida houve uma série de decisões em cadeia a vários níveis. Nessa altura foram havendo deliberações das entidades competentes à medida que a pandemia evoluía, que levaram ao cancelamento de algumas competições, quer no calendário oficial, quer nas provas particulares e também ao adiamento de outras para o último trimestre do ano, na expectativa de que se possam ainda apurar os campeões distritais e nacionais, mas permanecem condicionais. Havendo possibilidade de levar essas provas por diante, certamente que teremos um último trimestre do ano civil, anormalmente, muito preenchido de provas.
Quanto aos treinos, é uma paragem abrupta, numa fase em que se preparava o crescendo de forma, à medida que a relevância das provas ia crescendo também. As rotinas e a construção dos exercícios ficam comprometidas, a memória motora igualmente. Estamos a falar de uma modalidade extremamente técnica, em que o resultado depende da análise da qualidade de execução dos movimentos, pelo que é todo um trabalho que terá de ser totalmente refeito.

Como está a ser vivido este tempo de paragem no seio de atletas e treinadores?
Com saudade! Cada um à sua maneira tem como primeiro sentimento a saudade daquele momento do dia. Do cheiro do pavilhão, do equipamento específico, dos colegas, das dores, das superações pessoais, dos sorrisos. Depois, procuramos ter uma visão objectiva do momento em que vivemos. Desde cedo assumimos que não era algo a curto prazo e como tal não deveríamos assumir a necessidade de voltar amanhã ou depois. Encarámos com tranquilidade, fomos estando em contacto uns com os outros e também com os encarregados de educação. No caso dos ginastas mais pequenos, tornou-se mais fácil, pois aproximava-se o momento das férias da páscoa quando foi determinado o confinamento. Mas nas classes de competição, a tranquilidade e a comunicação têm sido essenciais, assim como a noção que será uma época completamente atípica e para recordar. De salientar que o clube assegurou os seus compromissos com os treinadores até ao final da presente época por um lado, e simultaneamente libertou as famílias da obrigatoriedade de pagarem uma mensalidade por algo que não usufruíam e acreditamos que isso ajudou a tranquilizar a grande família do GCS.

Como é que os atletas e treinadores orientam os seus treinos nesta altura de confinamento?
No Gimno Clube de Santarém, e na sequência da pergunta anterior, optámos por uma abordagem de tranquilidade: em primeiro lugar interrompemos os treinos até se perceber quais seriam as melhores previsões de retoma à actividade. Depois, deixámos que os ginastas e as famílias, que num espaço muitíssimo curto de tempo se viram altamente sobrecarregadas com actividades de vária ordem e a necessidade de adquirirem novas competências, se adaptassem e ganhassem e rotinas. Passada essa fase, bem como o regresso à escola à distância que foi outro momento complicado de gestão familiar, iniciámos classes de ginástica virtual, dirigidas pelos nossos treinadores e tendo em vista a manutenção da actividade física dos mais pequenos, e no caso dos ginastas de competição, manutenção da condição física.

Quando houver retoma de competições e treinos a que nível é que os atletas se vão apresentar?
Como já tive oportunidade de referir, a questão na ginástica não se põe apenas ao nível da condição física geral. Baseia-se muito em programas motores que é preciso criar, manter e desenvolver. É um ciclo permanente e esse ciclo foi brutalmente interrompido. Para que os leitores possam ter noção, um ginasta de competição, raramente faz interrupções para férias superiores a três semanas, para diminuir tanto quanto possível a perda natural dessas competências. Pode-se então imaginar qual o efeito que uma paragem que se prevê pelo menos de dois meses e meio na melhor das hipóteses (vamos ver o que nos reserva a partir de Junho) tem num ginasta de trampolins. Se a paragem se prolongar até ao final do verão, mesmo que possamos fazer um mês de treinos pelo meio, o trabalho de pré-epoca terá forçosamente de ser mais longo, mais cauteloso e de progressão mais lenta. Isto deve-se à impossibilidade de replicar o trabalho no aparelho, pois para além dos programas motores específicos e altamente complexos, os ginastas estão sujeitos a cada contacto com a lona a forças de valores aproximados a 5 vezes a força gravitacional (G).

É também um dos organizadores da SCALABISCUP, competição internacional de trampolim, DMT e tumbling. Ainda será possível a realização desta competição no presente ano? 
A SCALABISCUP, foi oficialmente cancelada esta semana. Com data prevista para o primeiro fim-de-semana de Julho era extremamente difícil que houvessem ginastas que pudessem participar. Apesar de bastantes interessados em que isso acontecesse, em Portugal ninguém está a treinar, nem sabem quando podem voltar a fazê-lo o que condicionaria fortemente a possível preparação e posterior participação. E a nível mundial recebemos imensas comunicações com sentido semelhante. Pois apesar de estas já terem declarado interesse em participar, por estarem impedidos de treinar e até ao impedimento em viajar decretado em muitos países, leva ao impedimento em participar.
Entendemos cancelar e não adiar, porque o adiamento teria de ser para o último trimestre do ano (e mesmo assim sem certezas). Isso traria dois problemas, por um lado íamos criar demasiada expectativa nos possíveis participantes, que depois estariam sujeitos a uma forte probabilidade de novo cancelamento. Por outro lado, a passagem da prova para esse período, implicaria uma sobrecarga ainda maior no calendário, que não seria benéfico para ninguém – ginastas e treinadores por um lado, que teriam de fazer escolhas, clubes e organizações por outro, que viam o seu público repartido. Por esses motivos, entendemos que o melhor seria mesmo partir para a preparação da edição de 2021, que terá lugar na semana de 3 a 10 de Julho desse ano. Em 2021 tudo faremos para que seja ainda mais memorável.

Que implica a sua não realização?
As implicações são várias. Começando pelo nível desportivo em que a prova é vista como o momento de fecho da época desportiva, o último grande evento antes das férias, onde estão ginastas de todo o mundo e de grande nível. Onde jovens ginastas inexperientes podem competir lado a lado com campeões do mundo e aprender com eles, num ambiente de desportivismo muito saudável. Onde ginastas e treinadores aplicam e testam os seus exercícios mais difíceis, onde se tentam bater recordes. Só por isso seria uma perda enorme. Depois temos o impacto económico, quer no clube, mas acima de tudo na cidade! Para que se possa ter a noção da dimensão do evento, no ano passado, só a SCALABISCUP directamente foi responsável pela venda de mais de 3100 camas de hotel na cidade. Acolhemos 931 participantes, mais de metade estrangeiros, provenientes de 22 países e dos 5 continentes. A estes números há que somar os acompanhantes e as marcações feitas à margem da organização e toda a dinâmica comercial que é gerada na cidade por estes visitantes. Se no clube o impacto económico é algum, pois ajudava a encarar a época com mais tranquilidade, ao nível da cidade o impacto financeiro há de ser significativo, ainda para mais num momento em que toda a ajuda para revitalizar a economia local seria importante. Por fim, temos a perda  da dinâmica social. A organização de um evento desta dimensão por uma equipa totalmente voluntária é acima de tudo um momento de entrega, partilha e de esforço conjunto pago com o reconhecimento, simpatia e a vontade anual em regressar a Santarém, por parte de ginastas, treinadores, clubes, famílias de todo o mundo. Por todos estes motivos vão haver saudades desta semana louca, mas em 2021 voltaremos mais fortes e certamente será ainda mais grandiosa.

Qual é a perceptiva de futuro depois desta pandemia?  
Incógnita será a palavra que melhor define o que nos espera. Se esta época está definida como atípica e a todos os níveis excepcional, a próxima acima de tudo dependerá do nível económico em que estaremos em Setembro e do grau de confiança das famílias na economia futura. O nível de novas inscrições e revalidações poderá ser afectado, assim como a disponibilidade financeira para poder participar em outros eventos que não os oficiais. Estamos preocupados com isso e já a preparar algumas medidas e iniciativas para que quando pudermos voltar à actividade normal o possamos fazer de acordo com os interesses do clube e simultaneamente dando resposta às necessidades da sociedade em geral.
Em termos de prática da modalidade em si, mais cedo ou mais tarde teremos de voltar à prática normal, conscientes das implicações mas sem restrições, pois é impossível um ginasta treinar com uma máscara na boca por exemplo. Teremos de nos readaptar e tomar algumas medidas gerais, mas a prática em si, em cima do aparelho, dificilmente sofrerá alterações.
De uma forma geral, teremos de saber lidar com os riscos e condicionantes desta pandemia e dela retirar aprendizagens importantes para outras situações que possam vir a acontecer no futuro. Estar mais atentos aos sinais, perceber que o que se passa do outro lado do mundo, não é apenas um problema deles e que rápida e brutalmente pode ser um problema nosso. Antecipar soluções profiláticas, aprender com as boas práticas de outras sociedades. Resta saber se saberemos em sociedade fazer essa aprendizagem, ou se serão apenas aquisições de curto prazo, que rapidamente serão esquecidas quando regressar a “normalidade”.

Que mensagem quer deixar aos atletas e treinadores de ginástica?
De esperança e de oportunidade. Esperança que em breve poderemos todos voltar a fazer aquilo que mais gostamos e a estar todos juntos a partilhar momentos marcantes para todos nós. E de oportunidade, pois por ninguém ser profissional da ginástica raramente se dispõe do tempo necessário para ver e rever os trajectos até aqui, melhor identificar erros e sucessos que às vezes passam despercebidos, trabalhar nos mesmos. Oportunidade por exemplo para fazer descansar o corpo e a mente, pois por vezes falamos de épocas consecutivas a correr atrás de objectivos, de prova em prova, de salto em salto e apesar de se reporem energias, por vezes não se descansa efectivamente. Teremos certamente, quando regressarmos em pleno, a oportunidade de aplicar essas reflexões e aprendizagens na prática diária. Acredito ainda que, apesar dos índices físicos aquando do regresso poderem estar um pouco mais abaixo em relação aos de Fevereiro, certamente sairemos desta pandemia, mais conscientes e assertivos e isso pode ser importante para o desenvolvimento de ambos: ginastas e treinadores e dos clubes e modalidade em geral.

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