A edição de 2020 da Feira Nacional de Agricultura (FNA) em Santarém foi cancelada, mas a administração do CNEMA – Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas, entidade organizadora do evento que se devia realizar em Junho, já está a trabalhar para que a Feira do próximo ano “seja realmente impactante”.
Ao Correio do Ribatejo, Luís Mira, secretário-geral da CAP e administrador do CNEMA, anuncia que a Feira regressa de 5 a 13 de Junho de 2021 prometendo “dedicar toda a energia para surpreender todos aqueles que nos visitarem no próximo ano”.
O responsável deixa ainda, nesta entrevista, um “agradecimento a patrocinadores, expositores, parceiros e visitantes pela confiança que sempre demonstraram na FNA”.

É possível avaliar o real impacto para a região e para o País da não realização da Feira este ano?
É, sem dúvida, um impacto muito grande, eu creio que a não realização da Feira, aqui, em Santarém, e para todos os expositores e visitantes tem um impacto fortíssimo que não sei quantificar em Milhões de Euros (ME), mas serão, certamente, alguns. Entre o dinheiro que é investido aqui, na montagem da Feira, com o dinheiro que os expositores depois usam nas dormidas, nas comidas, nas deslocações, no design, nas tendas, em tudo…
E as próprias pessoas aqui de Santarém que acabam por, durante a Feira, também gastar algum dinheiro, vir aqui divertir-se, reviver outros tempos, reviver a juventude. Só em negócios quanto não se faz aqui? Nem consigo quantificar… mas são seguramente uns ME. Só a montagem da Feira representa mais de um milhão de euros. Tendo em conta tudo o que acontece aqui, o valor pode chegar facilmente aos 15 ou 20 ME, mas é muito complicado quantificar.

Como é que o CNEMA geriu esta situação em termos dos expositores por exemplo, já havia compromissos, e com artistas também, como se gere isto?
Com os artistas tivemos o cuidado de colocar uma cláusula – porque já na altura haviam alguns sinais – no contrato que previa, de certa forma, esta situação. Quando eu tomei essa iniciativa, algumas pessoas ainda ficaram admiradas, achava-se, na altura, ser completamente impossível isso verificar-se. As pessoas também perceberam que isto não é uma situação normal, todos sabem o que que se passou.
Em relação aos expositores que tinham avançado com dinheiro, quem o solicitou, nós devolvemos. Outros preferiram ficar com a inscrição já paga para o próximo ano.

Concretamente, para o CNEMA, também foi um prejuízo financeiro enorme…
Sim, sem dúvida. Consegue-se gerir com recurso ao layoff. Foi o instrumento que usámos, com recurso aos financiamentos das linhas de crédito, todas as que existiam. Isto não é uma quebra de receitas de dois meses, é uma quebra de receitas superior a 80 por cento em termos globais.
Esperemos que as coisas retomem a partir de Setembro. O mês de Junho era o forte da Feira, o Julho e o Agosto, não são meses, ainda, com condições para se fazer qualquer tipo de actividades aqui no CNEMA. Não são permitidas concentrações de pessoas, e esperemos que a partir de Setembro as coisas normalizem e que consigamos retomar, a pouco e pouco, a nossa actividade e já estamos a trabalhar na Feira do próximo ano para que seja realmente impactante.

Em relação à Feira de 2021, vai manter-se o tema e em que moldes se perspectiva a sua realização?
Não há razão nenhuma para mudar a temática. O tema é muito importante, a água é um factor muito importante no sector agrícola, mas também fora do sector. É um dos recursos escassos que o nosso planeta tem. É um factor de produtividade e sustentabilidade no sector agrícola. Os agricultores têm, ano após ano, com a tecnologia, com os conhecimentos científicos, vindo a utilizar o recurso da água de forma cada vez mais racional. A tecnologia também evoluiu muito com computadores, com sondas, com regas gota-a-gota, com todo o tipo de equipamentos que permite racionalizar a água.

Vai haver para o ano uma quase coincidência de datas com a Agroglobal, isto poderá, de certa forma, desviar expositores e visitantes ou essa questão não se coloca?
Eu acho que a questão se coloca, e haverá, de facto, um impacto considerável num lado ou no outro. Isso é inevitável porque o mercado é pequeno, os expositores são os mesmos e porque não se pode fechar as empresas durante um mês e qualquer coisa para estarem em feiras. Devido ao custo que tem, mas também devido ao impacto que tem nas vidas deles. É uma situação que nunca se viveu, nunca tivemos uma concorrência tão próxima da nossa Feira. E é uma situação que vai ser encarada tanto por nós como pelos expositores.

Mas o CNEMA tem capacidade para atrair esses expositores e aguentar esta concorrência?
Não sei, vamos ver. Quando for a Feira, tudo faremos para que isso aconteça, tudo faremos para reforçar e dignificar ainda mais a Feira Nacional da Agricultura e Feira do Ribatejo e é para isso que vamos trabalhar.
Em termos de resultados, só para o ano poderemos fazer esse balanço e avaliar o impacto que teve a coincidência de datas com a Agroglobal. Mas, não escondo que irá ter, com certeza, impacto.

Em relação à retoma da actividade do CNEMA, tem outros eventos fora da Feira já programados? Existe algum calendário definido?
Todas as marcações que haviam foram canceladas. Temos já algumas coisas para Outubro, mas as pessoas estão ainda muito na incerteza. O maior problema desta crise é a incerteza: se pudéssemos dizer que, chegando a Setembro, tudo estava a funcionar podíamos ir-nos preparando para isso. Mas não há garantia nenhuma disso.
Enquanto não existir um medicamento – essa será a primeira coisa a surgir – que sossegue as pessoas, não só aqui, mas no mundo inteiro, os negócios e investimentos estão estagnados… Eu acho que a estratégia, neste momento é não existir estratégia. Porque não existem bases para nós podermos construir uma estratégia. É um problema que não é só nosso, não é só em Portugal, é um problema mundial. Mas também não irá durar para sempre e vamos aproveitar esta crise para também nos reestruturarmos um pouco e para sairmos dela, espero eu, mais fortes do que entrámos.

A agricultura foi um dos sectores que não parou durante a crise. Como avalia a resposta do sector a esta pandemia?
O sector, com a sua capacidade produtiva, respondeu bem, continua a funcionar. E é um sector muito particular, porque não existe um botão de desligar. Se tenho uma cultura que já fiz há quatro meses, já plantei, já semeei, as árvores têm o fruto a crescer, as vinhas têm as uvas a crescer e não posso dizer para ‘esperar um bocadinho’ que agora há crise e não vou conseguir vender tanto. Não é como uma fábrica ou um comércio em que parei e consegui, naquele período, não ter receitas, mas também os custos serem reduzidos.
Aqui, ainda há um problema acrescido – como tem também o sector do turismo – é que se a crise apanha a altura da colheita, eu perco tudo o que tinha para facturar num ano. Igual com actividades que faziam uma percentagem alta das suas facturações no Verão.
A cereja do Fundão, por exemplo, teve o problema da chuva e neve, teve uma quebra de 40 por cento. Todo o canal Horeca [que abrange os estabelecimentos de hotelaria, restauração e cafetaria] está fechado. Isso vem provocar em todos os bens agrícolas uma quebra de preço, que é muito prejudicial para o sector. Quem tem que intervir nestas situações é a Comissão Europeia. Os Estados membros não têm, por regulamento europeu, condições para intervir no mercado, tem que ser a Comunidade Europeia (CE) a fazê-lo e é isso que esperamos.
A CE veio, entretanto, dizer que não tinha verbas, porque o sistema não estaria preparado para uma situação destas, mas é preciso encontrar soluções.

A resposta tem, então, que ser mais forte?
Sobretudo mais rápida. A Europa está a demorar muito tempo a responder.

Esta situação poderá criar um travão na agricultura Nacional, concretamente no seu desenvolvimento?
Acho que não. É uma crise como nunca se assistiu, não tem nada a ver com a de 2008. Muitas empresas aproveitaram o crescimento de outros países para as suas exportações. Neste momento, não é possível usar essa via. Também acho que a retoma, segundo os especialistas, será mais rápida: em 2022, as coisas estão normalizadas, segundo afirmam. O ano de 2021 será de recuperação. Há muitas contas para pagar, tal como aqui, no CNEMA. Numa perspectiva realista considero que isto demorará cinco anos a recuperar. Mas é a vida de uma empresa. Ficaria muito triste se fosse devido a um caso de gestão, mas foi uma situação de crise global e temos que cerrar fileiras, tornar-nos ainda mais eficientes e ultrapassar esta situação.
Acredito que, com as pessoas que temos, com os expositores, com os patrocinadores e com o público que nos visita, vamos ultrapassar mais este problema.

Como avalia a forma como o governo respondeu à crise e às solicitações dos agricultores?
O Ministério da Agricultura e a Política Agrícola Comum (PAC) dependem muito do orçamento comunitário, dos meios financeiros disponibilizados por Bruxelas. Acho que, nessa matéria, estão à espera de decidir sobre o quadro financeiro anual. É um facto que o governo português, também devido às condições financeiras que tem, não ajudou nada em Orçamento de Estado o sector. O lay-off não era para o sector agrícola, porque o sector não parou. Existem linhas de crédito, que espero que sejam reforçadas, porque muitos dos sectores da agricultura vão entrar em crise e encontrarão problemas mais à frente.

Porquê?
Porque, por exemplo, imagine o vinho: as pessoas têm stocks de vinho em casa, especialmente aqueles que vendiam para exportação. É verdade que o mercado interno melhorou um pouco, mas foi pontual. Mas veja o que é ter os restaurantes todos fechados… Os hotéis… E as exportações sem se realizarem. Obviamente, não há maneira de solucionar os milhões de litros que têm. E terão que se implementar mecanismos de intervenção.

A antecipação de pagamentos nas ajudas aos agricultores seria uma forma de ajudar nestes casos?
Essa é uma acção que a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), desde o princípio, tem solicitado. A Comissão Europeia fez aquilo que fez no passado: pagar em Outubro e, nos últimos cinco anos, sempre se pagou nessa data. Exigimos ao Governo é que faça o pagamento em Julho/Agosto. O Governo tem condições para o fazer. São à volta de 500 milhões de euros e, essa sim, é uma ajuda. Entenda-se que não é dinheiro para o agricultor: é como se, a um trabalhador, lhe antecipassem o subsídio de Natal. Isso representaria um volume financeiro para pagar contas, para pagar todas as despesas que existem e isso era muito importante que acontecesse.

Que outras medidas reivindica a CAP?
Temos reivindicado um conjunto de medidas: em primeiro lugar, que se acabasse com o pagamento por conta. Não faz sentido, numa altura em que as empresas precisam de liquidez, em que o Estado diz publicamente que quer ajudar a liquidez das empresas, acaba por continuar a impor um mecanismo que só serve para financiar o Estado. O mesmo com as taxas de retenção do IRS dos trabalhadores. Estamos a falar em mais ou menos 3.000 ME. Esse dinheiro podia estar na economia mais cedo, podia ser uma alavanca que levava a um maior consumo. Para além disso, as linhas de crédito têm tido dificuldade em chegar às empresas, são muito burocratizadas. Outra forma de ajudar seria o não pagamento da taxa de potência nas explorações que utilizam equipamentos. O que acontece é que, se eu tiver um equipamento que uso dois ou três meses, numa adega, numa bombagem ou numa rega, tenho que pagar uma taxa de potência, não dos três meses que utilizo, mas dos 12 meses do ano. Isto não é aceitável: devia ser pago em relação ao tempo utilizado. Não há justificação nenhuma para pagar esta taxa durante oito ou nove meses sem usar.
Também não ficou bem ao Governo ter lançado um conjunto de medidas para apoiar as pequenas e médias empresas que precisavam de máscaras e gel e equipamentos de protecção, e retirar disso a agricultura e o agro-alimentar. Muitos dos casos de Covid-19 que se têm visto nesta área podem estar relacionados com isto e não há razão nenhuma para que isso aconteça.
De resto, estamos à espera, vamos ter reuniões com o Primeiro-Ministro e com o governo… acho que o País precisa de um plano de recuperação – como nestas situações de grande crise é preciso focar todos nesse plano de recuperação – que seja de medidas concretas, que levem a uma maior capacidade produtiva do País e uma maior criação de riqueza e que o dinheiro que vão disponibilizar seja canalizado para isso e não para outras situações que não trarão o seu retorno.

Já falámos da modernização da agricultura, há também uma modernização visível no CNEMA, que é a instalação dos painéis solares no parque de estacionamento. Foi um investimento que fizeram com que intuito?
Foi uma oportunidade que surgiu. Avaliámos o projecto, não tinham dinheiro para o fazer, mas recorremos a crédito. Em primeiro lugar, temos feito um trajecto com preocupação nas questões ambientais e de sustentabilidade. O ano passado acabamos, na FNA, com copos descartáveis, e estamos a aumentar, ano após ano, a reciclagem do lixo e a utilização de todos esses dispositivos de modo a que consigamos aumentar essa percentagem. Vamos tentando diminuir o número de bilhetes físicos para coisas desmaterializáveis. Tentamos impor medidas que possam ser benéficas para a questão ambiental e de sustentabilidade do planeta. Os painéis solares vêm nessa linha, não escondendo que esta central também permite, praticamente, com a energia que produzimos e gastamos, que o CNEMA seja auto-sustentável do ponto de vista energético e não escondo que tem contrapartida da receita que vamos ver ali.
Eu já cá estou há muito tempo e, em termos de investimento produtivo, foi o que fizemos aqui: um investimento produtivo. Todos os investimentos que tínhamos feito, as sombras, a melhoria de vários pontos do CNEMA, não têm esta capacidade produtiva que este tem. É mais uma forma de procurar que a empresa seja cada vez mais sustentável. A empresa não dá resultados negativos já há alguns anos, mas quanto mais se conseguir a sua sustentabilidade económica melhor.

O que sente ao entrar no CNEMA sem a azáfama típica desta altura do ano?
É uma dor de alma ver… Para quem, como eu, já organiza a Feira há 17 anos, não lhe escondo que é com emoção que este ano isto [a Feira] não vai acontecer. Nós montamos aqui uma Feira do nada. É uma fábrica de sonhos, dá um trabalhão enorme, é um risco muito grande, as coisas fazem-se com uma equipa, com patrocinadores, com expositores. Temos conseguido, ano após ano, elevar o nível da Feira e dignificá-la mas, depois, temos a retribuição disso na satisfação das pessoas quando aqui chegam quando vêem a Feira… Dos expositores e dos negócios, os expositores, empresários vêm cá exactamente para isso. Temos vindo a aumentar a área da maquinaria e dos expositores aqui dentro. E eles não estão cá por simpatia, vêm cá porque fazem negácio. O que vamos tentar criar em 2021 é que esse retorno ainda seja maior. E que sintam que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para proporcionar o maior retorno possível. Desde 1963 que a Feira se realiza… É a primeira vez que não há a Feira de Santarém, mas também é primeira vez que não há Jogos Olímpicos… Há muitas coisas no mundo nesta mesma situação.

Há aquela velha questão, de algumas pessoas ainda acharem que a Feira era boa no Campo Emílio Infante da Câmara. Acha que o facto de não haver Feira este ano vai criar saudades?
Eu acho que sim. E essa questão parece-me ser, realmente, uma questão do passado. A dimensão que a Feira tem hoje, as exigências em segurança, limpeza, em sustentabilidade ambiental e no espaço que ocupa era impossível ser realizada no Campo Emílio Infante da Câmara. É uma questão que já não se coloca. Colocou-se, mas isso acontece sempre que há uma mudança, todos somos resistentes à mudança. Um dia que vá para outro lado, porque já não cabe aqui, as pessoas vão dizer o mesmo: ‘era bom era no CNEMA, e agora mudaram para outro sitio’…

Filipe Mendes

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