A menos de um ano da Jornada Mundial da Juventude, que fará confluir a Lisboa centenas de milhares de jovens de todo o mundo, começam a ser visíveis os produtos que ostentam o símbolo daquele encontro com o Papa.
De bonés a camisolas, passando por sacos, colares, cachecóis e até toalhas de praia, são muitos os produtos, mas há um que se destaca pela procura: o terço oficial.
Em três modelos – dois de madeira e um em plástico reciclado -, os terços são feitos à mão numa fábrica de Fátima, a poucas centenas de metros do santuário que, em Agosto de 2023, receberá o Papa Francisco pela segunda vez.
Na Farup, na estrada para Minde, mulheres com mãos habilidosas, treinadas por anos a encadear as contas com que se faz um rosário, passam os dias a montar os terços e as dezenas com que muitos milhares de jovens rezarão nos próximos meses.
Francisco Pereira e Alexandre Ferreira são sócios da Farup, empresa criada há seis décadas pelos seus pais e por outros sócios, e que se dedica ao fabrico de artigos religiosos, como terços, imagens ou crucifixos.
Embora tenham nas imagens, principalmente nas da Virgem de Fátima, o seu produto de eleição, muita da actividade actual passa pela produção dos terços da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 (JMJ Lisboa 2023).
O projecto começou quando, no início de 2021, contactaram a organização da JMJ Lisboa 2023, com vista a serem um dos fornecedores do evento: “Foi-se desenvolvendo o processo, desde logo, quanto à escolha dos materiais, ver se conseguíamos arranjar os materiais que eles queriam e cumprir os critérios” exigidos, recorda Francisco Pereira.
Foi verificado que se conseguia cumprir os critérios e, então, avançar para a produção, tendo presente que alguns critérios assentavam na produção nacional e utilização de “produtos naturais, amigos da natureza”, diz o empresário, explicando que, assim, “o terço de plástico é de plástico reciclado, e os outros materiais são madeira e fio de algodão”.
“Portanto, tudo materiais naturais”, sublinha Francisco Pereira, de 60 anos, que desde muito novo está ligado ao fabrico de artigos religiosos.
Com capacidade de produção das peças em plástico, estando a fábrica dotada de máquinas de injecção, a empresa recorre a uma unidade de Fátima para a aquisição das peças em madeira.
Sem revelar os segredos do negócio, não abrindo o “jogo” quanto à encomenda total de terços e dezenas – além do colar com cruz de cortiça – feita pela organização da JMJ, Francisco Pereira apenas adianta que “são muitos milhares” e que, da sua fábrica, podem sair entre 300 a 500 terços diariamente, mas “isso é muito relativo, pois depende das pessoas que estiverem ao serviço”.
Cada pessoa demora cerca de 15 minutos a montar um terço, estimando-se a média de 30 terços diários para cada uma das trabalhadoras envolvidas no processo.
Além das funcionárias que estão em permanência na Farup, os empresários têm várias subcontratadas, por forma a poderem dar resposta às encomendas.
Dos três modelos de terço – os dois de madeira diferem porque um tem as contas do Pai Nosso em forma de placa JMJLisboa2023 em diferentes idiomas, e no final tem uma placa com o tema da jornada, “Maria levantou-se e partiu apressadamente” –, o que tem mais saída, segundo Francisco Pereira, é o de madeira mais simples, com todas as contas esféricas.
A produzir estes terços desde os primeiros meses de 2021, a par com a restante produção da empresa, Francisco Pereira e o sócio Alexandre Ferreira esperam que as encomendas continuem a chegar a bom ritmo até ao início da JMJ.
“Estamos a prever que à medida que se aproxima mais da data aumente a procura. Isso pode obrigar-nos a recorrer a mais pessoal para fazer os terços”, diz Francisco, lamentando, no entanto, a dificuldade em recrutar pessoal.
Segundo o empresário, “as pessoas novas não querem aprender a fazer isto. Cada vez se torna mais difícil encontrar pessoas que façam este trabalho”.
“Os jovens não têm atracção por este trabalho, mesmo por pintura [de imagens religiosas], não se sentem atraídos por este tipo de serviço, porque é preciso muito tempo para aprender, é preciso muita concentração no que se está a fazer”, acrescenta, enquanto questiona: “O que acontecerá daqui uns anos? Hoje, eu também faço essa pergunta a mim próprio. O que acontecerá daqui a uns anos? Não sei”.
“Se já hoje vem muita coisa dos países asiáticos, da China, provavelmente passará a ser tudo [importado] quando estas pessoas com mais de idade que estão a fazer este serviço acabarem. Hoje, as pessoas estudam até muito tarde. O jovem estudante procura outros serviços, mais bem pagos, que satisfaçam mais os objectivos deles”, afirma.
Numa banca, frente a caixas de contas e crucifixos de madeira e rolos de fio castanho, Maria do Rosário, de 48 anos, há 31 na empresa, vai montando os terços da JMJ, admitindo que adora aquele trabalho, que aprendeu com o patrão inicialmente, adquirindo mais conhecimentos “ao longo do tempo”.
Sublinhando que de todos os terços em que tem trabalhado ao longo dos anos, este da JMJ é o que gosta mais de fazer, também ela lamenta que não haja gente nova interessada em seguir a profissão.
“Não vejo pessoas interessadas que venham para aqui fazer este serviço. As pessoas, hoje, querem outros trabalhos, mais qualificados, melhores”, sublinha esta operária que, além de terços, também trabalha na pintura das imagens.
Ao seu lado, Maria João, de 59 anos, que regressou há empresa em 2017, após já ter trabalhado no sector há mais de 30 anos, também dá nota do quanto gosta de trabalhar no terço da JMJ.
“Tem um significado especial, porque eu estou a fazer o terço e imagino quem fica com ele. E também sinto de outra forma, pois venho de uma família católica e lembro-me de quando era miúda e rezávamos o terço em casa dos meus pais e íamos ao terço às capelas no mês de Maio e no mês de Outubro. Tem um significado especial. Agora já não se reza tanto, mas continua a ter um significado”, diz Maria João.
Apesar do gosto, o cansaço também pesa ao fim de um dia de trabalho. “É um bocadinho cansativo, isto exige muita concentração. De vez em quando temos de nos levantar e dar uma voltinha, porque isto é um bocado cansativo”.
“Puxa muito pela cabeça, porque temos de estar sempre concentrados, a contar [cada mistério do terço tem dez contas]. Às vezes, também nos enganamos e temos de desfazer, o que exige um bocado de nós”, reconhece.
Porém, ao cansaço sobrepõe-se o prazer de fazer, com as próprias mãos, peças para um momento único, sentindo-se parte de uma grande máquina que trabalha para aquele que muitos consideram o maior evento alguma vez realizado no país e que culminará com o encontro de mais de um milhão de jovens com o Papa.