Jorge Silva Melo trouxe ao palco do Teatro Sá da Bandeira, em Santarém, no passado sábado, a peça Vidas Íntimas, de Noël Coward, trazendo riso e reflexão sobre as “alegrias e os malefícios” do casamento e do divórcio, sobre casais que não são felizes juntos nem separados. Oportunidade para o Correio do Ribatejo falar com o fundador dos ‘Artistas Unidos’ sobre o estado da arte do Teatro feito em Portugal. Jorge Silva Melo (Lisboa, 1948) estudou na Faculdade de Letras de Lisboa e na London Film School. Fundou e dirigiu, com Luís Miguel Cintra, o Teatro da Cornucópia (1973/79). Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, estagiou em Berlim junto de Peter Stein e em Milão junto de Giorgio Strehler. Tradutor de várias obras teatrais, é também autor de várias peças, crónicas, documentários, longas-metragens de ficção.

Como é que olha, hoje, para o Teatro feito em Portugal?
Estamos perante uma enorme geração de novos talentos como intérpretes. Nunca vi tantos actores tão interessantes a trabalhar. Nem tanta gente a querer criar espectáculos, escrevendo, montando, fazendo. Nem sempre o resultado é aquilo que eu, que sou velho e já vi muitas coisas, quereria ou gostaria. Mas admiro o empenho e a teimosia dos que todos os dias inventam, para o bem e para o mal, uma nova maneira de vivermos juntos. Pois é disso – de vivermos juntos – que o teatro trata.

Para onde vai o teatro português?
Como muito do teatro europeu nomeadamente de França, Países Baixos e nas margens do Reino Unido, avançamos para um teatro em que o espectáculo é inteiramente assumido pela equipa. Autor, cenógrafo, intérprete confundem-se e têm criado alguns espectáculos memoráveis. Como tudo o que é novo, nem tudo é bom – mas é bom não ser velho!

Faz falta uma real política cultural no País?
Não. Existe uma política cultural em Portugal. Há muitos anos. Eu é que não concordo com ela. O teatro tende a ser visto como uma coisa antiquada (como a ópera) dando-lhe prioridade nas curtas carreiras feitas nos teatros institucionais. Fora de Lisboa ou Porto o teatro é descurado, quando muito, é coisa escolar, dependendo da boa ou má vontades municipais. Acabaram as companhias… quase só há instituições que compram barato o trabalho de alguns artistas teimosos. De resto, Lisboa é o centro absoluto… e assim o desejam.

Quais são os seus autores de eleição. Porquê?
Sempre aqueles com quem vou trabalhar. Neste momento, Heiner Müller (de quem acabei de dirigir A Máquina Hamlet), Noël Coward (de quem fiz Vidas Íntimas e espero vir a fazer em 2021 O Riso de Hoje), Jon Fosse (de quem em Abril estreio no Teatro da Politécnica um dos seus últimos textos, Calor).

Quando é que percebeu que o caminho seria a encenação?
Aos poucos, quando senti a necessidade de ir formando equipas com uma finalidade… ainda nos anos 70 e no Teatro da Cornucópia. Mas claro que fui mudando a maneira de trabalhar. Cada dia sou menos impositivo, aguardo que os actores iluminem o texto, espero por eles, adoro-os.

Como é o seu método no trabalho com os actores?
Esperar com todo o cuidado que eles me guiem pelo texto dentro. Acredito na intuição dos actores, não quero que eles façam aquilo que eu pensei fazer, não quero que sejam ventríloquos, quero-os inteiros, livres, belos. E espero por eles, todos os dias, pelas 14h30…

Está a assinalar-se o Centenário de Bernardo Santareno. Na sua perspectiva, que importância é que ele teve para o Teatro?
Foi crucial. Nos temas, no desassombro, na poesia dilacerante em que se envolveu. E, no final na ditadura, no desassombro com que defrontou a censura (que o proibiu) em peças como O Judeu ou A Traição do Padre Martinho…

Que projectos grandes tem na gaveta, daqueles que quer mesmo concretizar?
Espero voltar a Arthur Miller e estrear em 2021 uma versão de A Morte do Caixeiro Viajante. Adorava poder continuar a apresentar estes espectáculos fora de Lisboa… de Vila Real a Santarém, da Guarda a Torres Vedras. E ver na plateia caras que, entretanto, fui conhecendo…

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