Foto: Francisco Pereira Viegas e esposa, Mariana Viegas

Francisco Pereira Viegas nasceu em Campo de Ourique, freguesia de Santa Isabel, a 27 de Outubro de 1920. Faria 100 anos por esta altura se fosse vivo. Foi em Santarém que constituiu família e desenvolveu toda a sua vida social, económica e política.

Desde cedo namorou Mariana Viegas, professora da Escola Secundária Dr Ginestal Machado, com quem casou.

Pai do célebre actor Mário Viegas, e de Maria Hélia Viegas, o Dr. Viegas, como muitos o tratavam, foi o primeiro Presidente da Câmara de Santarém, no pós 25 de Abril, antecedendo Ladislau Botas.

Dedicou muito do seu tempo à acção social e à vida pública. Fundou a Escola de Música, hoje Conservatório, o Rotary Club de Santarém, o Cineclube, e dirigiu o Círculo Cultural Scalabitano, entre outros.

Dono de duas farmácias, a Paiva Bastos, primeiro, a São Nicolau, mais tarde, conhecia muito bem o Ribatejo, não apenas por ser reconhecidamente um gastrónomo mas porque geria o Centro Farmacêutico Ribatejano que fornecia muitas das farmácias desta região. Fazia visitas regulares aos seus clientes e aproveitava para conhecer o que de melhor a gastronomia do Ribatejo tinha para dar.

O seu crescimento foi marcado por uma grave tuberculose, que quase lhe tirou a vida e que o levou durante três anos para um sanatório na Guarda, onde se recuperou e viveu uma vida intensa até nos deixar a 23 de Dezembro de 1998.

Sarcástico, com muito sentido de humor, directo e frontal, era um excelente conversador. Tinha na filatelia e nas artes manuais os hobbies que completavam a vida de um homem que muito se dedicou a Santarém.


Correio do Ribatejo republica texto de António Cacho referente à morte de Francisco Pereira Viegas

Faleceu o Dr. Francisco Pereira ViegasUm grande ideólogo/construtor da Democracia(!)

Pela sua acção dedicada e generosa por Santarém e o seu concelho em tempos incertos e de penúria, a este homem sugiro que lhe seja concedida a máxima consagração a atribuir pela Camara Municipal, de que é digno merecedor.

Recordo-me do “Chico Viegas”, quando veio para Santarém. Era um jovem alfacinha, ali de Campo de Ourique. Algo introvertido. Mas atento ao mundo a seu redor. De olhar firme. Penetrante. Sua mãe, a Dr.ª Hélia, formada em farmácia. Seu pai, o Senhor Mário Viegas, trabalhava a venda das pílulas e quejandos. Ambos, na presença do Chico acertavam o negócio da “Farmácia Paiva Bastos”. O dono, o Senhor Bastos era um sujeito simpático, de estatura meã e umas barbichas que lhe ficavam bem. Logo gostou do jovem e passou a convidá-lo para o acompanhar na visita e estadia nas termas, já que o decano dos farmacêuticos, mais confiava na natureza das águas, ditas curativas.

O Chico era um tanto enfermiço. E breve lhe sobreveio uma crise pulmonar. Esteve dois anos no Sanatório. Tempo que havia de dedicar à leitura, na voragem de quantos livros lhe aparecessem. Ávido de ampliar os conhecimentos e a cultura no convívio com a sua avó e dos familiares, para quem era o seu “ai Jesus!”. Além desse entusiasmo, o jovem era então absorvido pelos problemas humanos, sociais, a miséria, o desespero pelas injustiças de uma sociedade que asfixiava o pensamento. A destruir as mais elementares regras do comportamento das pessoas. Do respeito devido a cada um. E, foi assim tempo de reflexão.

Logicamente, a sua aptidão e uma inteligência a consertar ideias: o Chico cursou Farmácia.

O Dr. Viegas, passou a desempenhar uma acção renovadora. A revolução industrial fazia operar novos sistemas; novos métodos. Os produtos manipulados deixaram de ser o laboratório do dia-a-dia e o fabrico do produto curativo surgiria em embalagens cuidadas, atraentes, de literatura fácil, folhetos explicativos. Era o capricho da evolução, a deitar fora as normas antigas que naturalmente haviam de tornar-se obsoletas. Sem que não deixe de se prestar justiça aos homens que tanto enriqueceram a farmacopeia.

Agora os jovens viriam a comandar essa prodigiosa transformação. O Dr. Viegas, no respeito pelo passado, no qual centrara todos os conhecimentos aprendidos, acompanhou decidido, renovou, adquiriu novos estabelecimentos e criou um grande Centro Farmacêutico. Era o corolário da acção da máquina humana, desperta pelo saber adquirido, atenta a todas as transformações. Ao serviço de uma indústria que floria mais e mais.

Marido carinhoso, o Chico acompanhou sempre a sua esposa, D. Mariana que viria a leccionar para a nossa cidade. Senhora de muitos dotes de saber e cultura, em pouco tempo adquiriu uma aura de muito apreço, como de muita respeitosa consideração. Ambos se tornariam alvo das maiores atenções.

Não obstante a sobrecarga de actividades, o Dr. Viegas passou a desempenhar lugares primordiais nos centros de cultura de Santarém: Círculo Cultural (ex-Taborda), Academia Musical e outras manifestações para as quais é convidado e sua esposa, a quem sempre correspondem, por quanto são já uns cidadãos scalabitanos. Participa na fundação do Grupo Rotary e torna-se, sem dúvida, um elemento essencial dessa família que presta franca solidariedade ao seu semelhante e estabelece bolsas de estudo aos jovens com o melhor aproveitamento escolar.

Do casal nascem dois filhos: o António Mário, “o Mário” só, que atinge os pináculos de uma carreira teatral de vanguarda e um “diseur” notável. Consagrado, o pai não o entende com toda a verdade: misto de alguma paranoia e excentricidades, não lhes merecem a aprovação livre. Reconhece-lhe o talento e, dizia-me, muito recentemente que concluíra que o Mário era de uma tal organização e preciosismos que lhe permitiram construir uma obra do mais alto significado. E a filha, Hélia, que também cursou farmácia e dedicou muito da sua existência ao seu irmão Mário, que sempre o acompanhou e estimulou e tem reunido uma soma de documentos que são o mais delicado espólio de um artista. Filha da Hélia, a sua neta, Ana, é uma aluna distinta já universitária.

O Dr. Viegas, homem de uma dureza que às vezes magoa, cáustico, foi um oposicionista sem tréguas ao regime deposto. Lutador sem tréguas. Paradigma de uma firmeza de carácter, de uma frontalidade sem tremores nem hesitações. Foi muitas vezes confundido como um homem, só rico! “Lutador proletário” para defesa e protecção da fortuna que foi construindo. Nada mais injusto e irreal!

A dimensão de um grande trabalhador. Um ideólogo não imbuído de uma doutrina com jactâncias de romantismo. Antes acção. Alcançar uma sociedade mais justa, livre de injustiças, sem aviltamentos, sem corrupções… Naturalmente incómodo.

Daí que o 25 de Abril lhe trás, como a milhares de portugueses, a maior satisfação. Uma enorme alegria, incontidas alegrias, esfusiante de uma alvorada da liberdade, um gritar do extermínio dessa opressão única.

O Dr. Viegas, em plena euforia recebe o convite para presidir à Comissão Administrativa da Câmara Municipal. Vitória que à semelhança de muitos oposicionistas aceita sem hesitações. Mãos à obra. Rodeia-se de elementos da sua valia e, desde logo presta a todos a melhor atenção.

Recebe munícipes, comissões das várias proveniências, estuda as possibilidades, traça firmemente obras a realizar dispondo de todos os materiais ao seu alcance, reparte os meios disponíveis, sem delongas, firmemente ataca as necessidades mais prementes, sem compadrios, sem excepções: os meios de higiene e limpeza é criteriosamente definido, exaustivamente estudado, a ponto de se continuar perfeitamente com toda a actualidade e eficiência. Sem sombras de cansaço. Inicia o tratamento dos lixos, lança a construção dos tanques/piscinas. Desenvolvendo incessantemente uma soma de actividades sem tréguas. De tal modo é o seu empenho e o preço das múltiplas actividades que em determinada altura, para acerto legal das suas funções é obrigado a assinar um documento com um selo de 600$00 – pasmai!!! Para obviar ao salário de 30.000 contos mensais que se negou a receber.

Na noite histórica de 6 de Outubro de 1974, a Comissão da Feira do Ribatejo pede a exoneração do seu cargo, 23 anos após a sua fundação, na pessoa do saudoso Celestino Graça, que depõe na mão do Presidente da Comissão Administrativa, a importância de cerca de 3.000 contos e um bem elaborado inventário de bens materiais e outros que totalizam cerca de 80.000 contos. Não obstante o destino proposto, o Dr. Viegas depois de saudar todos os elementos e elogiar na pessoa de Celestino Graça o resultado de uma administração ímpar, decide-se a aproveitar uma excelente oportunidade para dispor daquele valor para a compra de um terreno, junto às Caneiras, o que resultou de uma operação muito frutuosa para o nosso Município.

Depois, bem depois, cessando a brilhante acção que a convite expresso o Dr. Viegas acabara de realizar vê, com profundo desgosto, sabemo-lo bem, que nas eleições levadas a cabo, não conseguiu um lugar de vereador sequer! Clamorosa injustiça! Nem por isso deixou de se dedicar intensamente aos problemas mais complexos da cidade. Presente nas reuniões da Câmara, participa sempre na acção cultural de Santarém.

Nos dias últimos intensifica as maiores diligências para conseguir que se construa um centro dos 3 poderes no Campo Infante da Câmara. Convidaria um arquitecto e alguns amigos, para um jantar a expensas suas, num desejado acerto de ideias no sentido de libertar aquele precioso espaço do tanto que o confina a um descalabro para o qual o tempo corre implacável. E também a recuperação da escola de Música em franca agonia e elevar a sua cidade que com toda a dignidade, merecimento e honradez adoptou…

Um certo hiato do tempo político do dia-a-dia de cada um de nós sem quebra de amizade e consideração, que sempre reforçámos em cada momento participado, passámos a encontrarmo-nos com alguma regularidade à hora do almoço, particularmente aos domingos, sem horas. A sede da Tertúlia do “Solar” fazia as delícias dos circunstantes, em especial de Dona Mariana, algumas vezes da doutorinha e continuadora sua filha; da Ana a neta do regalo e também, de longe em longe, uma senhorinha, professora, a Dina que colhera frutos na seara de D. Mariana e o aconchego do casal. As graças que envolviam o ambiente. Dir-se-ia que era o descanso do guerreiro. O Chico era um conversador nato. Um contador de estórias, muitas vezes de saborosa irreverência. Outras cáusticas com o palavrão próprio. A palavra certa. O enredo bem efabulado. Era um gosto de ouvir-se.

Ria-se com os arremedos e descrições piramidais do Carlos Rodrigues opinava com as questões mais sérias do Jaime Carvalho e, pasme-se era do Benfica, não daqueles para quem outrora correspondia a um “bom chefe de família” mais um devaneio para refrescar ideias que ferviam em turbilhão.

As horas escorrias em pleno agrado: o almoço sempre gostoso de conviver. Uma que outra vez, lembrava-se do tempo em que fôramos jovens e, eu consegui que me acompanhasse e aos meus irmãos para fazermos um pouco de volei e basquetebol. E elucidativa: Calculem lá que este “gajo” conseguia que eu o acompanhasse até à Cerca da Mecheira. Fazíamos exercícios e depois tomávamos duche gelado do “bidon” para o qual concorríamos com uma quarta (em folha) de água.

Outra, recordava uma jornada que realizara com o meu irmão Carlos e o José Fragateiro – 3 cabeças de eleição – e a dada altura depois de petiscos e uns copos foram encontrar o Carlos em cima de um lezirão a fazer uma parlenga aos circunstantes, a que denominaria o “Sermão aos Pelicos” – ganhava uma alma nova e sentia-se compensado de tantas agruras.

Distinguia-me sempre uns certos carinhos e não dispensava a minha presença. Um misto de respeito pelos mais velhos e firme solidariedade pelo muito amargor da época muito sofrida que vivi.

O turbilhão dos desmandos actuais, os problemas sócio-económicos, destruíam-nos, comentava. Enquanto os cigarros e os ‘wiskis’ consumavam aquela máquina estruturalmente pensante do muito que congeminara e arquitectara, sem atinar com o logro que nos enclausurara.

Sabes, disse-me da última vez: – “Estou velho!!!”. Respondi-lhe que não: – Estávamos, sim ultrapassados. Sem préstimo. Porque esta sociedade deixou de contemplar mesmos os que têm ainda valimento porque o código que a rege baseia-se em ganâncias, metas desenfreadas, sem respeito por quem quer que seja. E acrescentei: – A Democracia não pode ser feita de tolerâncias. Quem alguma vez imaginou isso não sabe o que é Democracia!

Pelo seu curriculum brilhantíssimo e por uma acção tão dedicada, quanto generosa, o Dr. Francisco Pereira Viegas merece da Câmara Municipal de Santarém a consagração máxima que muito lhe é devida.

O meu querido amigo Chico Viegas, respeitou até à última gota do seu valimento o desempenho diário das suas funções. Depois, passou pelo Hospital, no desespero de fumar um cigarro e desce à terra.

Nota – Olha Chico não fui capaz de deixar uma palavra quando solenemente te arrumaram para todo o sempre. A ideia que isso pertencia a outrém. Tanta e tão diversificada gente foi o penhor eloquente do teu valimento. Até…

Vésperas de Natal 1998

António Cacho

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