Desde 2015 que um grupo de ornitólogos, através da plataforma “Aves de Portugal”, realiza um censo à população de Águias Pesqueiras em Portugal e em Espanha. Esta grande ave de rapina é uma espécie invernante regular em Portugal continental que vem para a Península Ibérica desde países do norte de Europa, como o Reino unido, Suécia, Finlândia ou Rússia. A iniciativa iniciou em 2015, como o “Dia da Águia Pesqueira”, repetiu-se em 2016, coincidindo com um censo similar do lado espanhol, mais precisamente na Comunidade Autónoma da Andaluzia, organizado pelos “Amigos del Águila Pescadora”, coordenados pela Fundación Migres. Já em 2017, o censo passou a ser ibérico e as duas comunidades passaram a estudar a invernada desta espécie a uma maior escala, permitindo ainda a partilha de dados entre os dois países. O último recenseamento censo da Águia Pesqueira realizou-se em 2019 e a coordenação do censo em Portugal ficou a cargo da plataforma “Aves de Portugal” e em Espanha a cargo da Fundación Migres. O grande objectivo da iniciativa levada a cabo por voluntários é de a médio-longo prazo, compreender qual a evolução das populações desta espécie a nível ibérico, e em particular em território nacional.
No passado sábado e domingo, 22 e 23 de Janeiro, realizou-se a edição de 2022 e o Correio do Ribatejo acompanhou durante um dia o censo à Águia Pesqueira entre Santarém e a Chamusca, zona do Vale do Tejo, que teve a coordenação do fotógrafo e observador de aves, José Freitas, e Paulo Alves, consultor ambiental, ilustrador e observador de aves.
A saída do porto da Ribeira de Santarém aconteceu pelas 7h30 de sábado. O termómetro marcava quatro graus Celsius quando as duas equipas dos Bombeiros Sapadores de Santarém e Voluntários de Santarém lançaram os barcos à água para levar José Freitas, Paulo Alves, Vasco Garcias e Vasco Valadares, voluntários desta missão, pelo Rio Tejo acima.
Os voluntários subiram o rio naquela que é considerada uma área de prioridade 1 (entre Abrantes e Vila Franca de Xira), ou seja, uma área onde em edições anteriores foram avistadas cinco ou mais águias-pesqueiras, daí que seja importante assegurar uma boa cobertura.
Para José Freitas, um dos coordenadores desta área, este é um trabalho que permite observar, preservar e ainda fotografar a Águia Pesqueira com o objectivo de ter “algum conhecimento sobre esta espécie, sobre a sua população e também sobre a sua proveniência destas aves que se consegue verificar através dos anilhos, pois muitas delas estão anilhadas”.
“Um das coisas que nos motiva a fazer o censo, é que é uma iniciativa que não depende de ninguém. Não há organizações por trás e não há entidades oficiais. Toda a informação recolhida é partilhada por todos”, destaca.
No distrito de Santarém em Janeiro de 2015, primeiro ano da actividade, foram avistadas nestes censos 8 a 9 indivíduos, notando-se um crescimento até Janeiro de 2019 onde foram avistadas 53 a 55 Águias Pesqueiras, segundo os dados da plataforma “Aves de Portugal”.
Segundo o coordenador, o número destes animais manteve estável de há dois anos a esta parte.
“Este sábado fizemos dois terços do percurso que tínhamos realizado há dois anos. O número de indivíduos deve ser sensivelmente o mesmo. Contamos cerca de 35 aves há dois anos e este ano 20, fizemos dois terços do percurso e a população manteve-se estável”, defende.
Uma realidade também defendida por Paulo Alves, também coordenador da área e um apaixonado observador de aves, que destaca que os números conseguidos “estão dentro da média dos anos anteriores”. O consultor ambiental refere ainda que estas iniciativas são importantes para “perceber as dinâmicas das populações”.
Também em relação ao rio Tejo, Paulo Alves caracteriza o leito com uma “boa área de invernada” para a Águia Pesqueira, que por ter um baixo caudal “pode ser uma mais-valia, porque facilita a vida em termos de pesca”.
Vasco Valadares, geólogo, participa desde o início na iniciativa e considera que é um ferramenta muito importante para saber o tamanho real da população desta ave.
“Antes de se fazer os primeiros censos não se sabia. Inicialmente os censos não cobriram tantas áreas como agora. A tentativa foi sempre de melhorar. É uma ferramenta importante para saber da situação actual e de como podemos actuar e melhorar condições que temos”, frisa.
O geólogo reconhece que o Tejo já teve mais vida animal presente e apesar de achar que está a melhorar sugere que este tipo de habitat deveriam ser mais cuidados.
“A situação que vivemos não é só ligada às águias, é uma situação de uma envolvência maior e desse ponto de vista acho que os habitats deviam ser melhor cuidados e preservados para que tanto as águias pesqueiras como o resto das espécies possam beneficiar de um habitat melhor”, alerta.
A melhoria na presença de mais animais nesta área é reconhecida por Paulo Alves, que notou durante a subida no Tejo um aumento da população de outra ave de rapina, o Milhafre Real.
“No geral conseguimos detectar aqui várias espécies nesta área. Há um dado interessante que é o aumento da população de Milhafre Real que é notório desde há 2 anos. Eram quatro ou cinco aves e hoje anda a volta dos 10 ou 11”, revela.
Mas nem tudo foi um mar de rosas neste primeiro dia de censo às Águias Pesqueiras. A viagem foi interrompida na zona da Chamusca por uma draga de extracção de areia que ocupava o rio de margem a margem e impediu a passagem das duas embarcações até Vila Nova da Barquinha. Uma situação que José Freitas considera que devia ser alvo de uma fiscalização mais apertada por parte das autoridades que administram o Rio Tejo, como é o caso da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Para o observador de aves a situação encontrada “é totalmente ilegal e que pelo que percebeu no local, se encontra ali há muito tempo, e ninguém faz nada”.
“É preciso essencialmente que alguém gostasse do rio e houvesse fiscalização. A APA também deve fazer aquilo que lhe compete e não faz. É também preciso que não fosse poluído como o poluem. E que não encontrássemos situações como esta, de alguém que se lembra de atravessar o rio com a draga e corta por completo a navegabilidade deste rio”, contesta.
Uma outra dificuldade encontrada ao longo desta viagem foi o desassoreamento patente desde Santarém até à Chamusca, causado pelo baixo caudal do rio que dificultou a passagem dos barcos dos Bombeiros de Santarém. João Dias, dos Bombeiros Voluntários de Santarém, confirma que navegar no Tejo durante estes dias é “uma autêntica aventura porque a navegabilidade é praticamente nula”.
Uma situação que para o bombeiro coloca em causa também o socorro às populações.
“É complicado. O caudal é muito baixo, as rampas de acesso para os barcos são dificeis e a vegetação imensa junto às margens complica em muito a nossa tarefa”, aponta.
No domingo, o grupo contou com a presença de Nuno Russo, vereador do PS na Câmara de Santarém, que acompanhou a segunda parte do censo até Alhandra.
Fotos: José Freitas
Texto: Daniel Cepa