Cada vez é menos intensa a conotação religiosa dada ao tradicional peditório do “Pão-por-Deus”. Esta tradição perde-se no tempo e o termo ‘perde-se’ está cada vez mais actual. É que hoje, não passa de um ‘terrorífico baile de máscaras’, onde não faltam aranhas, cabeças abertas, olhos fora das órbitas, um género de Carnaval assombrado fora de época, originário da Irlanda, que os Estados Unidos da América (EUA) perfilharam e nós copiamos…

Já são raras as crianças que nos batem à porta com os seus tradicionais sacos de pano, de retalhos ou de borlas, à espera que a nossa generosidade os encha de guloseimas que vieram substituir o pão, as broas, castanhas, romãs, ou os frutos secos que era hábito serem repartidos pelas famílias mais humildes.

Só em doces, o Halloween rende 1,5 milhões de euros todos os anos nos EUA e é, nesse país, a seguir ao Natal, a festividade mais lucrativa.
Daí que se perceba a gulosa intenção de tornar a quadra desprovida de qualquer espaço para a memória, para a homenagem, para o relembrar os entes queridos que já partiram.

Mas mais do que isso, o que aqui está em causa também é mais uma ameaça ao valoroso Património Imaterial português que se vê ultrapassado por rituais e expressões orais originárias do Inglês que não nos trazem nada de novo, antes pelo contrário, afastam-nos cada vez mais das nossas raízes e até geram violência. Veja-se o (mau) exemplo vindo de França, na madrugada de quinta-feira, onde uma centena de jovens inspiraram-se no filme “The Purge” de James DeMonaco (2013) no qual todos os crimes são possíveis de cometer, sem qualquer consequência, durante a noite de Halloween.

Mas pior do que isso é que o Halloween veio para ficar e já chegou às escolas. E que pena é algumas delas incentivarem esse “trick or treat!” (doçura ou travessura) em detrimento do bem português ‘bolinho’ ou ‘Pão-por-Deus’.

Seria pedir muito que as escolas não se deixassem levar por modas importadas e valorizassem as nossas ancestrais tradições?

E se vimos espaços e eventos onde o que é tradicional e genuíno é preservado e incentivado é na Golegã, onde já cheira a São Martinho.
Respigo um parágrafo de um texto de José Veiga Maltez e com ele fica tudo dito: “Na Golegã, desfila o presente, como referência para o futuro. O mesmo presente, que preserva a harmonia e a estética da Vila, redignificando a ruralidade. Um presente, que insiste em não deixar vilipendiar a génese da Feira, tentando salvaguardar normas e padrões de conduta, transmitidos de geração em geração, que a fizeram chegar com o mesmo encanto, aos nossos dias”.

João Paulo Narciso

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