Há um ditado popular, repetido e transmitido ao longo de gerações, composto e baseado no senso comum, que diz o seguinte: “Quem faz filhos em mulher alheia, perde-lhe o tempo e o feitio”.

Vem isto a propósito de ter sido tornado público, na passada semana, que a Câmara Municipal de Santarém irá efetuar um contrato de arrendamento com o Instituto Politécnico de Santarém, visando a melhoria do parque desportivo existente na Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS).

Será substituído o piso sintético no campo de futebol 11 já existente (acabou de ser mudado e a obra terminou em outubro), será construído um novo campo em relva natural na área do antigo campo de rugby, uma nova pista de atletismo em piso sintético, bancada e as devidas instalações de apoio. Será ainda requalificado o campo contiguo do ginásio e construído um novo circuito de manutenção (certamente diferente do que havia há umas décadas).

Será ainda construído um novo estacionamento e uma portaria para controlo de acessos no lado norte.

Para esta intervenção, a Câmara pagará ao Politécnico um montante, no mínimo, de 460 mil euros, a que acrescerão os valores dos investimentos necessários de serem realizados ao longo da vigência do protocolo.

A Câmara pagará ainda cerca de 26 mil euros anuais para investimentos no Património imobiliários da ESAS. Isto para 15 anos, renováveis. Em números redondos, estamos a falar de cerca de 850 mil euros. Mínimo.

Há uns meses, a mesma Câmara Municipal cedeu ao Politécnico os antigos blocos habitacionais dos militares, em São Bento, para ali poderem ser construídas residências universitárias.

Esses investimentos serão realizados com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) pelo que, sendo a propriedade dos imóveis da Autarquia, poderia realizar os investimentos.

Assim não foi decidido e não sei se para este protocolo esta cedência foi tida em conta ou foi contabilizada.

No centro da questão, assistimos a uma Câmara Municipal que pretende fazer investimentos avultados em propriedade que não é sua e não será sua.

No fundo, a cidade continuará “alegremente” a não dispor de um Complexo Desportivo Municipal. Não há muito tempo, diziam-nos que os terrenos, para esse fim, até já estavam identificados…

Por contraponto, este contrato é excelente para o Politécnico.

Valoriza as suas instalações, recebe verbas para essa valorização e ainda garante uma renda.

Era difícil conseguir melhor.

Já para a Cidade, em termos estruturantes e de visão de desenvolvimento desportivo do Concelho, é mais um erro.

Santarém devia apostar claramente num investimento diferenciador, de instalações desportivas de natureza diversa e, sem ter de repetir modelos, já que são tantos os exemplos existentes nos concelhos à nossa volta, não seria uma tarefa hercúlea proceder à construção de um Complexo Desportivo Municipal digno desse nome. Concentrando instalações num único espaço, pensado a 25 – 30 anos e com uma verdadeira política desportiva de desenvolvimento para Santarém.

Exigia-se uma visão estratégica e de longo prazo em detrimento do conjuntural e de curto prazo.

Impunha-se um passo em frente e desafiante, não para um abismo em que ao nível das instalações desportivas este concelho continua a viver, mas para uma construção de futuro e para o futuro. E de propriedade Municipal.

O que será agora realizado é uma renovação dos espaços já existentes, deteriorados e alguns abandonados na ESAS. E que durante anos tiveram pouco mais de zero investimento. É pouco. E não se trata do valor do investimento que agora se pretende realizar. Mas, sim de ausência de uma visão desportiva para o Concelho.

Não é possível olhar para este investimento e pensar: “antes isto do que nada”. Recuso-me a tal pensamento.

Existem excelentes exemplos de parcerias, um pouco por todo o país, entre as autarquias e os seus politécnicos: Viseu, Castelo Branco, Portalegre, só para citar três exemplos de capitais de distrito do interior.

Parcerias que visam uma melhor integração dos estudantes nas cidades, promover a ligação do tecido empresarial aos Politécnicos, potenciar que o conhecimento produzido nos politécnicos possa ser colocado ao serviço do desenvolvimento dos concelhos e promover a criação de valor para os Politécnicos e para as suas comunidades.

E são estas as parcerias que a Câmara Municipal de Santarém deveria desenvolver e deveria apostar.

A Cidade continua ávida de instalações desportivas e entrará em 2022 como estava em 2015, mas os investimentos desportivos que a Cidade precisa são de uma monta bem maior e mais relevante que este paliativo pretende fazer crer.

Já agora, o Rugby Clube de Santarém está há 5 anos à espera da construção de uns balneários, casas de banho e de alargamento do seu campo. Há 5 anos que é credor dessa promessa por cumprir. Se tivesse subido de divisão, provavelmente estaria a jogar nas Caldas da Rainha. Assim, provavelmente, até está melhor. Pelo facto de não ter subido à principal divisão do Rugby Nacional, foi menos uma vergonha.

Num concelho em que a Autarquia é proprietária de tantos imóveis (já ouviram falar na Escola Prática de Cavalaria??? só para citar um caso), é uma dor de alma assistir a investimentos precários, de curta duração e não naquilo que era necessário.

Prefere-se prosseguir a senda dos investimentos em imóveis de terceiros, que ficarão na propriedade de outros e que, decorridos os contratos, todos os investimentos ficam na posse desses terceiros. E não da Autarquia.

É também por isso que o direito de propriedade é tão importante.

E nesta Autarquia parece que ainda não perceberam.

Ou não querem perceber.

Inato ou Adquirido – Ricardo Segurado

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