ou a história do jovem Luís que fez da vida um exemplo de dedicação e seriedade.

Venho aqui hoje referir alguém da cidade de Santarém que alcançou o topo na hierarquia do desporto associativo federado, logo o topo nacional de uma modalidade desportiva e, que por aquilo que pessoalmente verifico, passou despercebido à grande maioria da população e instituições de Santarém ao longo deste ano de 2021, certamente porque para além do trabalho, a maioria se preocupa com o vírus e uns tantos com as telenovelas, casa dos segredos, passadeiras vermelhas, dos blá, blá, blá … e outros programas por onde circulam gente de trejeitos, de gestos maneirinhos, totalmente tatuados, de vestuário roto ou atrevido e de tudo quanto baste. Decidi então aqui falar de alguém bem diferente, de alguém que, não menosprezando outros, interessados em outras áreas, desde bem jovem fez da vida um exemplo de trabalho, rigor e seriedade, numa modalidade desportiva que me apaixona, que fiz minha e aquela que hoje, seguramente, mais projecta a cidade de Santarém por esse mundo fora.

Se trago para aqui a pessoa que irei referir, é porque o conheci há décadas, a ele, os seus irmãos e os seus pais, uma família de gente modesta, de peito aberto e coração sensível, que me tocou. E se para aqui o trago, é porque a causa que abraçou há quase meio século, ainda bem jovem, tem até hoje sido notável, e tal – o seu amor pela ginástica – comigo teve o seu início.

Falo do LUÍS ARRAIS, ontem meu aluno, dos 13 aos 18 anos, (da primeira classe de ginástica de competição por mim criado que existiu na cidade, e até mesmo no distrito de Santarém), que pelo seu trabalho e mérito conquistou-me desde cedo. Recordo-me quando junto de mim procurou a sua inscrição na classe que iniciara naquele longínquo Dezembro de 1974 na Escola Industrial e Comercial de Santarém, inscrição que aceitei, porque, embora algo desajeitado entre dezenas de candidatos a esta nova modalidade desportiva, senti algo nas suas palavras e no seu olhar que me diziam que havia nele um forte querer, inexplicável, quase que como uma necessidade, pelo que, e assim manda a boa pedagogia, decidi que o Luís ficava, longe de pensar que este meu gesto encaminharia aquele jovem para o resto da sua vida. Ficou e provou. Exercitava-se, mas notava-se o seu gosto pela ajuda e aconselhamento aos colegas de equipa. E só por isso nos seus 18 anos, depois de frequentar, aplicadamente, diversos cursos de animação e de monitores da modalidade de ginástica, então administrados ou possibilitados pela antiga Delegação da Direcção Geral dos Desportos, pela qual eu já era responsável, lhe entreguei a responsabilidade por uma classe infantil, no extinto Centro de Ginástica localizado no Ginásio do Seminário, infelizmente já desaparecido como espaço do desporto. Foi neste Ginásio que o Luís e um grupo de jovens se contaminaram “… pelo prazer de praticar, pelo risco, pela aventura, pela afirmação de uma ideia nova e pioneira em que o fazer e o participar era uma forma diferente de estar na vida com prazer, com causas, com muito suor”, como certa vez referiu Nelson Ferrão. Como meu aluno e ginasta de competição, o Luís percorreu o país de Norte ao Sul, onde ganhou muito poucas medalhas, mas distribuiu amizade, superou limites físicos, interessou-se pela técnica, rompeu barreiras, revelou moral e por actos e reflectidas decisões ia construindo inadvertidamente a sua vitoriosa trajectória na modalidade. Em simultâneo e com mérito fazia o seu percurso de estudante do ensino secundário e, logo depois embora trabalhando, tornou-se estudante universitário no Instituto Superior de Educação Física, em Lisboa. Passado uns anos quando parti em serviço oficial para Macau, foi a ele, ainda estudante, e não a um Professor diplomado, que lhe entreguei as minhas classes de ginástica de competição, fosse as da Associação Académica de Santarém, fosse as do Ateneu Artístico Cartaxense. Era elevado o meu nível de confiança. Uma confiança absoluta nas suas capacidades e responsabilidades. Não fui defraudado. Ele mereceu-as pela sua dedicação, qualidade e perseverança demonstradas. Entre a Faculdade, compromissos com clubes, calendários competitivos, vai frequentando diverso tipo de formação gímnica a nível nacional e internacional. E foi com ele e com aqueles que o seguiram e acreditaram, aqui merece destaque Vítor Varejão, o assumido e dedicado Presidente da Associação de Ginástica de Santarém, que a ginástica de competição ribatejana cresceu. E o crescimento dos praticantes, do calendário competitivo, da exigência de valores essenciais de um extenso e diversificado “saber ser”, “saber estar” e “saber fazer” com todas as exigências técnico-tácticos da modalidade, leva à criação de um Clube, vocacionado só para modalidade gímnica, que vai desempenhar um papel importante, partindo da motricidade infantil até à competição, o Gimno Clube de Santarém. Com a dedicação e trabalho dos seus técnicos, agora liderados pelo Luís Arrais, vai o Gimno Clube projectar o nome de Santarém pelo país e estrangeiro, dando corpo a um sonho que “alguém” em Dezembro de 1974 tivera o atrevimento de idealizar. A par, vai a Associação de Ginástica de Santarém promovendo com mérito não só a modalidade, mas também os seus técnicos locais e distritais, ganhando também estes, e são vários, reconhecimento nacional e internacional. Pouco a pouco, sem pressa, com trabalho e afinco diário, sim porque ginástica de competição tem elevados riscos pelo que se treina todos os dias e várias horas, vão surgindo valores locais, levando a que Santarém cidade vejam os seus ginastas a competir por esse mundo fora e a serem reconhecidos na alta-roda mundial, como dos melhores da Europa e logo depois do Mundo. E foi neste compasso que o ouvi certa vez, porque interrogado se era de Lisboa, referir com orgulho perante a admiração de alguns, pronunciar numa reunião internacional em Cantão, na China: -Não. Eu sou de Santarém!

O meritório trabalho do Luís Arrais, levam-no a ser convidado para Técnico Nacional da modalidade e logo depois para Seleccionador Nacional. Neste papel, provando-o por trabalho, muito trabalho, e não pela ligeireza qual “dom sobrenatural concedido por Hermes, o deus de beleza jovem e atlética, patrono dos ginastas”, o Luís não se encheu de prosápia, nem vaidoso se tornou, como tantos que diariamente ouvimos nos cafés ou nos entram pela casa dentro pelos écrans dos televisores. Provou-o com bons resultados nas competições internacionais. E foi assim sem surpresa que no presente ano o vimos ser votado pelos seus pares de todo Portugal, e tornar-se no Presidente da Federação Portuguesa de Ginástica, entidade máxima da modalidade, com assento na mesa Olímpica e com uma infinidade de responsabilidade para acções e decisões do quotidiano da prática gímnica nacional. Conhecendo eu o seu perfil desde jovem aos dias de hoje, já cinquentão, bem como a sua forma de estar e trabalhar, estou seguro que levará a Ginástica Nacional a bom porto. Esta é a razão porque neste epílogo de 2021, para mim, o Luís Arrais é o dirigente desportivo do ano.

Cândido Azevedo

1 comment
  1. Artigo feito com coração e conhecimento. Abraço agradecido.

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