22 de Agosto de 1879!
Há cento e quarenta anos nascia no Vale de Santarém uma criança do sexo masculino a que os pais deram o nome de João António Silva Nogueira.
Nascido numa família relativamente abonada para a época, João António vai crescer num mundo encantado – o Vale de Santarém de finais do século XIX, a ‘Sintra de Santarém’, como então se dizia. O Vale vai enfeitiçá-lo. O arvoredo, os campos, as hortas, o ‘rio’, as nascentes, o passaredo, bandos e bandos de pássaros, as traquinices, as brincadeiras, tudo vai fazer com que a Escola surja como um entrave aos folguedos constantes apesar de ir com o seu primo predilecto, Carlos Reis, do lugar do Carrascal. As suas inúmeras faltas às aulas e a constante distracção fazem com que fique sem o exame da instrução primária e, portanto, não prossiga para o Liceu, tal como o seu primo, dando um acrescentado desgosto aos seus pais. A Escola, porém, que lhe revelara a Poesia, vai fazer com que se apaixone pelos versos e continue a compor as suas ‘rimas’, Por volta de 1903, «para que se não percam mais das suas muitas poesias», tal como já acontecera, decide «trasladar as suas rimas» para um cadernito com desenhos na capa da autoria de Carlos Reis e que assim se transformará na primeira colectânea de poesia sua – «Versos por um Poeta de… Papel Pardo», ainda inédita.

Curiosamente, para um jovem que se assume tristemente como ‘analphabeto’, a linguagem que utiliza vai revelando uma cultura invulgar e inesperada.

João António vai-se afirmando como um poeta nato, com um crescente domínio da Poesia, começando num jeito trovadoresco de jogral enamorado e indo crescendo para um pré-anunciado lirismo campestre em que o Amor se vai impondo como tema maior da sua poesia.

Na sua continuada criação literária aparece um hiato temporal inexplicável entre 1900 e 1940. Iniciado com a sua ida para Lisboa onde terá tentado seguir a carreira de seu irmão Manuel, fotógrafo de Suas Majestades e da alta sociedade lisboeta, mas em que, afinal, vai iniciar a sua colaboração com o jornal «O Mundo», o mais importante órgão de comunicação da imprensa republicana na época, e onde terá também tido um contacto directo com os maiores vultos da literatura portuguesa e as suas obras. Esta estadia parece ter sido cedo interrompida com o seu inesperado regresso ao Vale natal a «instâncias de seus pais». Nada parece justificar, até agora, este silêncio de cerca de quarenta anos na sua poesia, em que apenas surge uma profícua produção de textos poéticos, muitos deles em verso, para um teatro ‘revisteiro’, destinados à população escolar do Vale de Santarém, e muitos deles musicados pelo maestro Wenceslau Pinto, seu sobrinho, então episodicamente trabalhando para muitas das revistas que davam os primeiros passos nos teatros de Lisboa.

Mas é a década de 40 que vai marcar o início da época de ouro da poesia de João d’Aldeia, o pseudónimo literário adoptado por João António, evidenciada sobretudo na sua obra, também ainda inédita, «Gorjeios da minha terra», com poesias coligidas também pelo próprio poeta e datadas essencialmente dos anos 40 e 50. Versos simples, plenos de afectos, de amor; versos de uma longa vida plenamente vivida; dos sonetos ao verso alexandrino, da quadra popular à sextilha encadeada, do vilancico campestre ao vilancete enamorado.

Deste mesmo período data um outro ‘caderninho’ de poesias de uma beleza ímpar, nunca referenciado sequer pela própria família do poeta, já que só agora foi descoberto no seu espólio literário. Versos de um espaço de vida íntima, versos dos mais belos que escreveu; uma magnifica história de amor, um amor da adolescência que se vai prolongar, ainda que proibido, vida fora na sombra de duas vidas paralelas mas eternamente apaixonadas. Um amor a que nem a própria morte vai conseguir pôr fim. Um amor a lembrar os amores de Garrett e da viscondessa da Luz, a bela Rosa Montufar, imortalizados nas «Folhas Caída».

O Ribatejo devia empenhar-se no conhecimento e divulgação da obra deste autor, festejando a poesia de um poeta esquecido da nossa terra, um cantor das nossas gentes em poemas plenos de vida e de musicalidade. Centenas de poemas, de ardentes versos, de cantares do Povo que somos todos nós., de trovas de Amor, do Amor Português.

Victor Manoel Pinto da Rocha

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