João Gomes Moreira, saudoso amigo dotado de excelsas qualidades humanas, que Deus chamou a Si a 7 de Dezembro de 2017, cumpriria neste sábado, dia 22 de Agosto, o 98.º aniversário do seu nascimento.

João Moreira nasceu no Beco das Corteses, bem no coração do centro histórico de Santarém, e, talvez por isso, seja difícil encontrar alguém que se tivesse devotado tão intensamente à cidade que lhe serviu de berço e à região de que sempre falava com a mais profunda paixão. Nascido no seio de uma família modesta, marcada pela superior inteligência e vasta cultura de seu pai, João Moreira cumpriu a escolaridade até ao sétimo ano do Liceu, o que lhe abriu a oportunidade de encontrar emprego na Câmara Municipal de Santarém, com o íntimo desejo de prosseguir estudos em Lisboa. Porém, não lhe foi concedida pela edilidade permissão para conciliar o horário de trabalho com as deslocações à capital, frustrando, assim, o seu grande sonho académico.

Não obstante, João Moreira foi um autodidacta inveterado e detinha uma invejável cultura geral, enriquecida, mais tarde, com a formação em Turismo, que viria a obter no Instituto de Novas Profissões, e pelas dezenas de viagens que fez um pouco por todo o mundo. De facto, João Moreira viajou diversas vezes por toda a Europa, esteve na China, em Macau, em Hong Kong, no Canadá, nos Estados Unidos da América, no México, no Brasil, na Turquia, em Marrocos, enfim, e tantos outros países que se tornaria fastidioso estar a citá-los. Para que tudo fosse perfeito, apenas faltou a visita à Austrália, sonho que, efectivamente, não logrou concretizar, não obstante alguns projectos partilhados com o amigo comum António Cacho.

Homem culto e inteligente, João Moreira teve o dom de saber captar os detalhes e as minúcias do ser humano, no que contou com um mestre muito especial, seu saudoso pai, que de uma forma austera e rigorosa o preparou para as exigências do mundo de então. Mundo mais difícil e arrojado para quem não detinha fortuna material. No tempo que viveu em Santarém, João Moreira desdobrava-se em actividades na maioria das associações culturais, especialmente nas áreas da música e do teatro, o que o ocupava todos os dias da semana e em alguns dias ainda tinha de se apressar num sítio para ir terminar o serão noutra associação. Entre outras actividades, João Moreira colaborou devotadamente no Clube de Campismo, no Orfeão Scalabitano, na Orquestra Típica de Santarém, de que foi co-fundador, no Teatro Taborda, na Orquestra de Câmara de Santarém, na Rádio Ribatejo, na Feira do Ribatejo – Feira Nacional de Agricultura, no Festival Internacional de Folclore de Santarém, nos Grupos Infantil e Académico de Santarém, na Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico- Cultural de Santarém, no Grupo de Guitarra e Canto de Coimbra e no Fórum Ribatejo.

A facilidade com que redigia qualquer texto levou-o ao mundo da imprensa, tendo colaborado amiúde na comunicação social regional, privilegiando o “Correio do Ribatejo”, onde colaborou de forma efectiva durante mais de meio século, chegando a substituir o saudoso Dr. Virgílio Arruda como “Director de Verão”, preenchendo, assim, o período em que o Director oficial do Jornal se ausentava por motivo de férias. Outro tanto aconteceu com o Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, com António Cacho e com o Eng. Edmundo Vaz Mourão. A sua ida para Lisboa, por razões profissionais, alterou o seu ritmo de vida, porém, nunca deixou de estar disponível para servir Santarém e as instituições de que continuava a fazer parte, numa demonstração inequívoca de amor pela terra que lhe serviu de berço, amor que viria a partilhar com Vila Nova de S. Pedro, terra de seu pai, em cuja casa de família ainda chegou a viver alguns anos, após a passagem à situação de reforma.

O espírito de juventude que sempre o acompanhou foi marcante, pois, mesmo com mais de noventa anos nada o obstava de assistir aos espectáculos que ocorriam em Santarém, ou nas imediações, sendo um espectador muito atento e interventivo, pois, a sua vasta cultura tornara-o uma pessoa exigente, sabendo apreciar o que lhe era apresentado.

Dotado de um espírito coleccionista, João Moreira foi conservando inúmeros objectos que ficaram a testemunhar muitas das suas andanças por esse mundo fora e a sua participação em muitas iniciativas, sobretudo ao nível do folclore internacional, tendo estado presente na maioria dos Congressos mundiais do CIOFF, o que lhe valeu ser distinguido com o estatuto de Membro Honorário, num tempo em que apenas Henri Coursaget, distinto fundador desta Organização, havia alcançado tamanha condecoração. Mas, o melhor do João Moreira foi a sua essência como Homem bom. O “melhor dos Amigos”, como os seus companheiros do Liceu de Santarém perpetuaram numa placa que descerraram na sua casa em Vila Nova de S. Pedro.

Apesar da idade avançada com que veio a falecer, João Moreira foi sempre um homem presente, atento, arguto, perspicaz, irreverente e frontal, que nunca rejeitou incomodidades, pagas com o silêncio da sua opinião. Do que não gostava, dizia-o, mas, quando gostava, não deixava de felicitar quem de direito. Um Homem sério!

No ano de 2022 cumprir-se-á o centenário do nascimento de João Gomes Moreira, oportunidade singular para rendermos a mais justa homenagem a esta tão insigne figura da cultura escalabitana, o que permitirá transmitir aos mais jovens os valores que João Moreira sempre cultivou, na afirmação de um Homem extraordinário que marcou indelevelmente o seu tempo, num imperativo de gratidão, de amizade e de homenagem que a sua vida e o seu exemplo tão eloquentemente exigem.

Ludgero Mendes

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