Este ano assinalam-se os 100 anos de nascimento de João Gomes Moreira. Nascido a 22 de Agosto de 1922, infelizmente veio a falecer quando tinha 95 anos, em Santarém (7/12/2017).
Ainda detentor de uma clarividência pouco usual para a sua idade, sempre foi aproveitando os instrumentos e os processos sociais de cada época para se manter em linha com o que nos iam dando as últimas novidades e causas do quotidiano social em mudança….
É com esta determinação e entrega ao conhecimento dos outros e para os outros, características da sua personalidade, que João Moreira foi escrevendo as suas memórias e deixando os seus conhecimentos para a posteridade.
Sendo este um dos seus lemas de vida, em boa hora aceitou aprender a usar o computador pessoal e a ligar-se às novas tecnologias da comunicação (o velhinho moderno…), na estrita medida de fixar as suas ideias e contactar com os seus amigos, chegar a novos conhecimentos que essa máquina permite. É com o recurso a esses testemunhos que agora é possível falar melhor deste Cidadão do Mundo, na primeira pessoa.
Esta orientação de vida é encontrada desde tenra idade nos vários papéis que foi desempenhando: com os vizinhos de S. Domingos, com os colegas do Asilo e da escola, na catequese, com os lazeres da mocidade da altura, as férias em Vila Nova S Pedro (Azambuja), a frequência intensa de associações culturais e desportivas, o gosto pela leitura e pela música…
Todas estas práticas acumuladas, sobretudo enquanto andou mais por Santarem, até 1962, foram a base das suas posturas e modos de participação no seu trajeto ao longo da vida e, se pudesse apenas estar ligado àquilo de que mais gostava de fazer – a leitura, a música, as viagens…
E isso foi sendo facilitado pelos meandros em que se movia pela cidade e pelos edifícios da CMS, situada na Praça Visconde Serra do Pilar (Praça Velha), onde o seu pai era funcionário. Até no momento de ir às “sortes”, este edifício se cruza com os mancebos da sua altura e, no seu caso, acabou por ficar livre de “ir à tropa” por falta de vista (miopia com astigmatismo).
Falhada esta etapa, com 20 anos (1943), iniciou a vida profissional como Proposto de Tesoureiro da CMS, sem exigência de concurso, durante 5 anos, a que se seguiram outras tarefas autárquicas – Escriturário Provisório de 3ª Classe, ingressando na Secretaria (1949), Escriturário de 2ª Classe (1955), Aspirante, tendo falhado o Concurso de 3º Oficial, para além de executar tarefas também na Sub-Delegação de Saúde e de fazer as actas da reunião do Executivo.
É por esta altura que participa na transferência do edifício da CMS para o actual e rejuvenescido Palacete de Eugénio Silva. Também nesta época (1957 a 1959), a CMS deliberou que ficaria de serviço na Biblioteca Anselmo Braamcamp Freire, a fim de conferir os livros pelo catálogo existente, dado o bibliotecário, sr. Manuel Granado Vidal (que fora Secretário de Braamcamp Freire, em Lisboa, na Rua do Salitre), se ter reformado por limite de idade.
Durante este período teve ainda a oportunidade de assistir à chegada da Nova Bibliotecária Dra. Maria Alzira Proença Simões, que tinha sido sua colega no Liceu (mais nova), mas que as regras estritas da biblioteconomia impuseram um afastamento, tendo João
Moreira pedido para regressar à sua secretária no edifício principal, ao fim de 4 anos. Para o seu lugar entrou então o funcionário Bertino Coelho Martins.
Por outro lado, em 1962, com as elevadas despesas de saúde do pai e mãe, com os decisores da CMS a não garantirem um melhor vencimento e com o incentivo de um amigo do Vale de Santarém para um emprego com maior remuneração, o João Moreira saiu da CMS e estabeleceu-se em Lisboa, numa empresa de produtos farmacêuticos.
Porém, a todo este percurso se devem juntar ainda outras actividades e tarefas ligadas à cidade e ao turismo que ele foi desenvolvendo, simultaneamente, por gosto pessoal e empenho da sua cidadania e valores humanos. Como dizia bastas vezes estava sempre às ordens da Comissão Municipal de Turismo, como Guia Turístico da Cidade, tendo acompanhado a visita dos alunos dos Cursos de Verão para estrangeiros e grupos escolares, centenas de turistas aos monumentos e miradouros da cidade, sempre por gosto próprio, excepção feita com a firma Claras, Lda., com quem firmou um contrato para acompanhar as excursões de turistas que vinham de Lisboa.
Não esquecer também as suas colaborações nos vários grupos sociais que existiam na cidade e que foram permitindo a este scalabitano andar a conhecer mundos novos e a dar a conhecer o que sabia – aficionado do campismo internacional, entrevistas na Rádio Ribatejo (anos 60), Orfeão Scalabitano, Orquestra Típica, Grupos Infantil e Académico de Santarém, a Feira do Ribatejo e Festival Internacional de Folclore, as incontáveis boleias para todo o mundo, os encontros Internacionais do CIOFF, as visitas às amizades estrangeiras (Inglaterra, Espanha, França, Itália, Europa de Leste e Macau…).
Tudo isto lhe foi dando a dose de inquietação suficiente para alimentar a sua chama de viver em que os bens materiais eram os menos considerados.
Dizia nos seus últimos meses: “Dou tudo quanto tenho. Nada me pertence. Tudo me foi emprestado por Deus!”. Terá sido talvez por isso que, a sua lucidez e consciência sobre a sua (nossa) finitude humana, deixou um alinhamento (testamento?) das suas últimas vontades para o destino do seu património pessoal, económico e de objectos – numerosos livros temáticos, rascunhos, recortes de jornais e outros, pastas temáticas, obras na Igreja do afeto, instrumentos musicais, colecionismos vários, utensílios etnográficos…
HNF