A Lusitânia e a Zurich manifestaram hoje, ao Tribunal da Concorrência, “perplexidade” com a condenação sofrida no cartel das seguradoras, considerando “arbitrária” e “sem fundamento” a decisão da Autoridade da Concorrência, que lhes aplicou coimas de 42 milhões de euros.

Nas exposições iniciais no julgamento do recurso das coimas aplicadas em 2019 pela Autoridade da Concorrência (AdC), que interpuseram no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, os mandatários das visadas apontaram “contradições” num processo que foi desencadeado por um pedido de clemência apresentado pela Tranquilidade (actual Seguradoras Unidas).

Ricardo Junqueiro, mandatário da Zurich e do administrador visado, disse querer provar, ao longo do julgamento, que a decisão da AdC neste processo, no qual as duas maiores seguradoras portuguesas (Tranquilidade e Fidelidade) assumiram ter participado no cartel, beneficiando do programa de clemência, vem “manchar” o direito da Concorrência e o próprio prestígio do regulador.

Para o advogado, o que consta do processo, com responsáveis das empresas que beneficiaram da clemência a confessarem ter recorrido a telemóveis descartáveis e a encontros secretos, no âmbito do acordo para repartição de clientes de grandes empresas nos ramos não vida, dará um “argumento extraordinário” para um filme, o qual até tem “um final feliz”, porque “se salvam todos”.

Ricardo Junqueiro salientou que, embora a Tranquilidade tenha sido a “instigadora” do cartel, “nem sequer paga coima”, beneficiando do programa de clemência, que a Fidelidade, ao aderir ao programa, acabou por ver reduzida a coima no valor máximo possível (50%), a que acresceu 10% ao desistir de qualquer litigância judicial, tendo os responsáveis que assumiram as práticas sido ou absolvidos ou ficado com os processos arquivados.

“Responsabilizaram-se os pequeninos, que não têm nada a ver com isto”, disse, corroborando o que as defesas da Lusitânia e dos administradores e do director desta companhia, igualmente visados, haviam já arguido, sobre a existência de contradições nos pedidos de clemência apresentados pelas seguradoras que assumiram o acordo.

O mandatário da Zurich apontou problemas na “credibilidade” da condenação da AdC, tanto por se basear em declarações que tinham “óbvio interesse em incriminar outros, sob pena de os benefícios da clemência não lhes serem atribuídos”, como por se basear no depoimento do principal denunciante apresentado através do escritório de advogados que representou a Tranquilidade, sem nunca o ouvir directamente.

Para o advogado, a AdC “devia ter avaliado ela própria a credibilidade e solidez de testemunhas que disseram coisas tão graves” e que foram alterando o seu testemunho, sem que fosse feita qualquer confirmação.

As defesas contestam igualmente os critérios usados pela AdC para aplicação das coimas, tendo Ricardo Junqueiro questionado por que razão no caso da Fidelidade foi considerado apenas o volume de negócios dos grandes clientes nos ramos alvo do acordo e na Zurich não foi feita essa discriminação, tendo-se incluído as pequenas e médias empresas, elevando a base de cálculo de 2,8 milhões para 35 milhões de euros, resultando numa coima de 21,5 milhões de euros.

Carlos Pinto Correia, advogado da Lusitânia, afirmou não fazer qualquer sentido esta surgir como envolvida no acordo entre as duas maiores seguradoras portuguesas, já que representa apenas 4% a 7% do mercado no ramo não vida e actua em segmentos que não o dos grandes clientes, dado o perfil do grupo Montepio, a que pertence.

Também para este advogado, a determinação da sanção, 29,5 milhões de euros, não tem “qualquer fundamentação sólida”, remetendo para um parecer de Paulo Sousa Mendes, que a Lusitânia juntou aos autos.

Na sua decisão, a AdC concluiu que o acordo celebrado entre as companhias para repartição de grandes clientes empresariais de alguns sub-ramos de seguro não vida, mediante a manipulação dos preços a constar das propostas que lhes eram apresentadas, foi restritivo da concorrência, tendo as visadas agido com dolo.

Segundo a AdC, o acordo durou pelo menos sete anos e meio, desde o final de 2010 até Junho de 2017, tendo a participação de cada seguradora sido distinta.

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