A história retrata contínuos movimentos de êxodo rural, com milhares de portugueses a fugirem do campo para as cidades à procura de melhores condições de vida, mas a pandemia da covid-19 parece que veio contrariar essa demanda.
Quase 30% da população que vive em meios urbanos admite mudar-se para o campo à procura de maior tranquilidade, melhor qualidade de vida e contacto permanente com a natureza.
Esta conclusão deriva do estudo recente “O impacto da pandemia nas marcas territoriais”, da Bloom Consulting, que este ano acompanha a edição anual do Portugal City Brand Ranking.
O caso de Carolina Marques e João Costa assenta como uma luva neste novo paradigma: conheceram-se há seis anos, por intermédio de um grupo de amigos, e, após um período em que o relacionamento passou ‘despercebido’ devido à diferença de idades (sete anos), decidiram assumir-se como casal.
“Percebemos que, afinal, não valia a pena estarmos em segredo e já lã vão seis anos”, diz Carolina com um sorriso. Nesse tempo, Carolina concluiu a licenciatura em Turismo e, mais recentemente o mestrado em Gestão de Empresas e juntos apaixonaram-se pela vida no campo.
João é técnico de imagem e iluminação e recebeu de herança uma pequena quinta, no Alto do Vale, arredores de Santarém e o casal decidiu abraçar um projecto empresarial ligado à agricultura.
Nenhum dos dois tem experiência no campo da exploração agrícola, mas há uma vontade imensa de aprender e, sobretudo, de arregaçar as mangas e pôr as mãos na terra: “Para nós, a pandemia trouxe-nos uma completa mudança de vida. Trouxe-nos o campo e é esta a vida que queremos agora”, confessa João, que tem constatado que agora, muitos dos terrenos circundantes à sua propriedade, abandonados antes da pandemia, estão agora limpos e alguns cultivados.
Carolina concorda: “apesar de um momento mau, pelo qual o mundo passou, para nós, a pandemia, trouxe-nos também algo bom. Fez-nos querer ficar aqui, querer trabalhar aqui e querer criar uma vida aqui, a dois”.
“De repente”, continuou, “percebermos que, afinal, a vida não é só andar a correr de um lado para o outro… perseguir uma carreira de sucesso. Os meses passados em casa, em família, fizeram com que as pessoas voltassem a reencontrar laços familiares. Uma das melhores coisas de um ser humano e isso são as ligações que temos uns com os outros. Será que é assim tão importante ter montes de dinheiro, mas depois também não ter tempo para usar? Ou será que o que é importante é ter uma vida mais modesta e realmente aproveitar todos os dias e fazer o que se gosta? Acho que a pandemia foi um momento de reflexão e temos a convicção, agora, que podemos construir aqui um negócio porque, também, formamos uma muito boa equipa”.
A quinta, onde anteriormente João passava os tempos de lazer passou a um emprego “full-time”. Criam galinhas poedeiras, plantam hortícolas e cuidam dos animais. Uma rotina plantada no sonho e expectativa de fazer crescer o negócio que o casal divulga nas redes sociais.
É, aliás, na Internet que os “Moços do Campo” buscam conhecimento na área agrícola, partilham as suas experiências e divulgam os seus produtos, marcadamente biológicos.
“Eu acho que o campo tem uma vantagem que é a seguinte: quando nós queremos, nós conseguimos e não precisamos de ser muito instruídos em agricultura para conseguir fazer as coisas”, afirma João.
“Começámos a perguntar às pessoas que já andavam nisto há mais tempo, sobretudo a pessoas mais velhas. Nós temos a ideia que os jovens é que sabem tudo, mas afinal, os mais velhos sabem muito mais do que nós. E, às vezes, falarmos com pessoas que têm muito mais conhecimento e que nos apontam o caminho certo é fundamental. Ás vezes, basta ir à pessoa certa”, afirma João, ressalvando: na base de tudo está um querer imenso e uma grande vontade de aprender.
Para além desse “querer”, o casal tem recorrido à ajuda da Escola Superior Agrária de Santarém para incrementar a produção e tem realizado formações tanto online, como presenciais, a fim de multiplicarem o seu capital de conhecimento.
“A Internet é, sem dúvida, uma fonte de conhecimento e tudo o que não sabemos, o Google diz… E, de repente, sabemos tudo. Mas, nas coisas do campo, para além de experimentar também é muito o querer conhecer”, reforça Carolina.
Esta iniciativa empresarial, que agora começa a dar passos mais firmes, pretende comercializar produtos biológicos de alta qualidade aliando uma componente turística.
“Estamos a equacionar a possibilidade de fazer algumas actividades turísticas, a fim de dar a conhecer as actividades agrícolas e, quem sabe, um dia, no futuro, ter aqui um alojamento”, confidencia a gestora de empresas.
Na calha está o lançamento de um vinho de produtor e a aquisição de um casal de burros mirandeses, para além do aumento do efectivo ovino e da aquisição de um terreno adjacente para uma vinha ecológica.
“Acima de tudo, temos preocupações com a sustentabilidade e a ecologia”, remata Carolina, dizendo: “sem dúvida alguma que a mensagem que queremos sempre passar nas redes sociais é a de tentativa de mudança dos hábitos das pessoas que nos seguem… tentar influenciar de alguma forma, para para que reflitam um bocadinho sobre a urgência da sustentabilidade e da ecologia, que são tão importantes e vamos mostrando que não é assim tão difícil mudar alguns hábitos. Eu acredito que vamos conseguindo influenciar positivamente, nem que seja uma pessoa”.
Juntos há seis anos, o casal passa a maior parte do tempo junto e, segundo confessam, “isso implica muita coordenação, amor e alguma dose de paciência também”.
Para eles, o Dia dos Namorados não é uma data importante no calendário conjugal, até porque, como afirma João, uma relação constrói-se diariamente: “nós somos, até, um bocadinho contra essa data. É mais um daqueles dias que apela ao consumo de coisas que vão parar inevitavelmente ao lixo e que contribui para alimentar o consumismo e poluir o planeta”.
“Se nós não trabalharmos todos os dias para os nossos, para os nossos cônjuges, não vale a pena. Não vale a pena preocupar-nos com um só dia, porque não vai correr bem”, conclui.
Texto: Filipe Mendes