Entrevista a Alexandre Bento, músico

Que impactos está a ter a pandemia no seu trabalho?

No meu caso pessoal, o impacto ao nível profissional não será dos mais graves. Eu tenho 51 anos e aprendi a precaver-me das vicissitudes da vida artística. Os trabalhos que faço como músico de estúdio (gravações para anúncios de TV no meu caso) não foi muito afectado até à data.  A continuidade das aulas que dou também não foi fortemente afectada. Há três anos, por exemplo, fiz um curso de formador à distância e Moodle que me proporcionou ferramentas muito úteis para facilmente me adaptar ao ensino online, bem como a adaptá-lo aos alunos de todas as idades e contextos, não os cansando meramente com sessões de videoconferência e sim proporcionando-lhes outro tipo de recursos pedagógicos adequados.

Aprendemos quão efémeras podem ser certas situações… Temos de nos adaptar e não meramente procurar culpa ou culpados para esta “nova vida”… Dado que percebi “logo” que as dificuldades viriam para ficar, tenho tentado garantir o futuro e candidatei-me a outro doutoramento em plena pandemia. Percebi que a performance ao vivo ia mais uma vez sofrer da descida de cachets e dificuldade na marcação de espectáculos, a longo prazo. Daí, o principal impacto, para mim, tem sido o ter que me adaptar a conseguir reorientar e redefinir o meu futuro. Os dois doutoramentos permitem-me ter muito que fazer, em vez de só “perder tempo” fechado em casa. 

Quais são as maiores dificuldades?

Indubitavelmente, as vicissitudes pecuniárias são o maior problema. Além de comer e pagar contas básicas, necessitamos de condições financeiras para manter as nossas comunicações, equipamento, instrumentos e até a promoção do nosso trabalho, que também não conseguimos pro bono de forma gratuita. A maior dificuldade talvez seja a adaptação ao futuro; temos de compreender e aceitar o mundo à nossa volta para conseguir adaptar-nos.

Que projectos foram adiados?

Todos os projectos baseados na performance ao vivo estão em stand by…  Não justifica sequer aceitar contratos e gastar tempo e dinheiro em ensaios quando o cancelamento dos espectáculos é a maior probabilidade…

De que forma tem tentado manter o contacto com o público?

Através da internet. Por exemplo, partilhando concertos que se realizaram no passado.

Sente falta do palco?

Claro que sim. Creio ser comum a todos nós músicos. No caso da música, estamos muito habituados a actuar presencialmente ao vivo; a mostrar ao vivo as nossas qualidades e até os nossos potenciais erros e peculiaridades. É claro que estes factores se tornaram parte da nossa intimidade, das nossas necessidades emocionais além das profissionais.

Como antevê o pós-pandemia? Os concertos on-line e a distribuição multiplataforma vieram para ficar?

Antevejo uma grande dificuldade em subsistir da performance musical. Os estudantes de música e jovens músicos terão de ponderar muito bem o seu futuro. Em relação a concertos online, não antevejo que possam ser alguma solução excepto para os mais mediáticos. Em relação às plataformas de distribuição, estas revelam-se negócios dos quais os músicos nada ou quase nada auferem benefícios.

Temos que ter consciência que o panorama entre a década de 1980 e o ano de 2010 não se repetirá facilmente. Até então, desde bares de província a eventos privados, tínhamos uma forma “regular” de auferir rendimentos que muito dificilmente se repetirá nos próximos anos. É bom que os mais jovens compreendam o fenómeno e saibam direccionar o seu potencial e o seu trabalho em direcções exequíveis.

E quanto aos apoios? Existem ou são uma miragem?

Eu dou aulas a músicos profissionais e estudantes “a sério” desde 1992. Tendo relações pessoais próximas com esses músicos, percebo que realmente os apoios são uma miragem… Gente que passou a vida a passar recibos e pagar impostos e que agora sente que foi em vão…

Seria importante a criação, por exemplo, do estatuto de artista que reconhecesse esta categoria profissional e exigisse a devida protecção social?

Sim… Contudo, seriam necessárias regras muito específicas de forma a que a classe não fosse invadida por pretensos artistas, autoproclamados artistas e ingerências políticas de quem não tem aptidões reconhecidas pelo meio artístico realmente profissional…

Para além de apoio pecuniário, que outras medidas seriam necessárias para relançar a produção artística?

A meu ver, o desenvolvimento das artes depende mais das acções particulares e individuais do que das políticas do Estado. Os regimes e políticas promovidos pelo Estado ou por qualquer instituição oficial auguram na sua generalidade a promoção pessoal, de familiares e amigos; quase nenhuma medida se tem revelado profícua nem atinge os objectivos propostos.

O que lhe parece a decisão do Governo em aumentar a quota de música portuguesa nas rádios?

Confesso que face à complexidade do tema não tenho ainda uma opinião clara que possa partilhar. Contudo, a imposição das rádios e editoras não me parece o melhor caminho para a promoção e difusão da cultura e das artes, neste caso, da música. Repare-se por exemplo que nas rádios quase só passa música “cantada”, dependente de alguma forma de poesia ou prosa; e no fundo, a música por si própria não é só “essa”; será porventura a que é mais fácil de ser compreendida pelo público em geral.

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