Em entrevista ao Correio do Ribatejo, Nelson Ferrão, director do FITAIJ – Festival Internacional de Teatro e Artes para a Infância e Juventude, destaca o papel crucial do evento na formação cultural das novas gerações, sublinhando a sua capacidade de trazer para Santarém espectáculos inovadores de várias partes do mundo. A edição de 2024 mantém a aposta no circo e no teatro de rua, com uma programação que abrange também marionetas e performances em espaços não convencionais, com o objectivo de chegar a públicos diversificados. Além disso, o festival continua a trabalhar na inclusão e acessibilidade para crianças em situações de vulnerabilidade.

Qual é o tema, ou, por outra, o foco principal do FITAIJ 2024 e como foi escolhido para esta edição? 

Em rigor o FITAIJ não tem tido um tema específico ao longo dos anos. Tem tido umas áreas artísticas que são mais focadas do que outras em função das suas condições objectivas de organização a cada ano …. Temos, isso sim, depois da pandemia, apostado em atividades artísticas mais das áreas do circo e do teatro de rua, embora não exclusivamente, através do Clown e das marionetas, para além de um ou outro espetáculo em sala convencional. 

Este ano, o figurino continua a ser semelhante, ainda atendendo à situação decorrente da pandemia em 2019 e mais facilitadora, como forma de chegar a espaços e públicos menos articulados com uma regular oferta artística.

Para o ano, como data redonda do Festival, tentaremos introduzir outras dinâmicas para ter outra abrangência com as propostas do FITAIJ…

Quantas e quais são as companhias internacionais que participarão este ano no festival?

Este ano mantemos a presença de cinco países estrangeiros com destaque para artistas oriundos da Austrália, Colômbia, Espanha, México, Uruguai e Portugal, embora haja um grupo vindo do Porto, mas com a sua diretora nascida na Venezuela. Pensamos serem espectáculos interessantes, uma vez que alguns, também têm sido reconhecidos com prémios internacionais, se bem que não tenha sido essa a opção de escolha…

Que novidades podemos esperar em termos de programação e formatos de apresentação para 2024?

Apesar de todos terem os seus objetivos, temos programados alguns espectáculos que pretendemos serem destaques relevantes no âmbito do Festival: um espetáculo de fogo, no dia 4 de Outubro; outro de marionetas e objectos, pouco habitual na cidade, no dia 3, no TSB; um outro de grande impacto visual com e no regresso à escola, a contar histórias de Guerra Junqueiro, através do antigo retroprojector, que, nos anos 80/90, foi um apoio importante para a aprendizagem escolar. Como vemos e temos apostado, são obras artísticas que se apresentam em sala, na rua e em espaço não convencional, não esquecendo o teatro como proposta artística dentro da escola, considerado ao nível das disciplinas de português, matemática ou estudo do meio…

Pena é que bastantes docentes não entendam este ganho cognitivo para os alunos que podem refletir novas experiências artísticas que as matérias áridas das unidades curriculares não permitem…

Dentro deste formato, uma palavra de apreço para a perspicácia e orientação estratégica da Vereadora da Educação do município de Almeirim, juntamente com os docentes respectivos, que beneficiam os alunos da cidade e da freguesia das Fazendas de Almeirim com três espectáculos do FITIJ, aproveitando esta oportunidade única.  

Em relação à participação organizativa também ela terá de se ver reflectida em nova organização interna para se conseguir uma oferta ainda mais qualificada para satisfação dos destinatários para quem trabalhamos.

Qual o impacto esperado do festival na comunidade local de Santarém, especialmente na população jovem?

O modelo de funcionamento do FITAIJ está orientado para captar o interesse da população mais jovem que, em termos escolares, coincide até aos 10 anos, sendo que, mesmo as escolas, após esse ciclo escolar, não privilegiam a assistência a atividades extracurriculares, devido às imposições curriculares; mas é um caminho que deve ser feito, pelo diálogo…

Durante as noites e ao fim de semana a orientação artística é mais para crianças, jovens e suas famílias, privilegiando os espaços de rua que habitualmente estão ligados ao património ou jardins, de zonas mais populosas. Podemos dizer que, ainda assim, os públicos do FITAIJ são mais as crianças e jovens.

Já agora, aqui convém partilhar uma reflexão que se impõe e que fica à consideração dos e das responsáveis pelas unidades escolares. Temos constatado que a maioria (4) das 6 vilas do concelho não recebem espectáculos FITAIJ, precisamente nos territórios onde a oferta cultural é menos acessível… e também devemos ter atenção que os jovens, que não crianças, são o escalão que está mais órfão de ofertas escolares ajustadas às suas idades; e quando existe essa oferta, ela não é aproveitada….

Bem, temos tido a preocupação de trazer atividades (e este ano também), mesmo através do humor, que manifestamente tratam de temas interessantes e charneira para a comunidade escolar, como sejam: causas ambientais, a violência no namoro ou de género, aspectos históricos ou de base científica, momentos outros do nosso dia a dia, aspectos mais lúdicos…logo, há muita escolha…

Mas as/os decisores/as não aproveitam estas outras experiências e visões da realidade e de outras culturas diferentes da nossa, para jovens que estão em crescimento e em que a acumulação de diferentes perspectivas é fundamental para o seu crescimento…

Isto tem acontecido nesse conjunto interessante de escolas, precisamente no norte do concelho (logo metade do território escolar) e onde há mais carências de ofertas artísticas; essas escolas manifestam não se interessar por estas propostas e nem sequer fazem propostas em diálogo aberto, pois sabem que a isso estamos dispostos … trabalhar para o interesse das crianças e jovens do concelho.

Ora, por outro lado, também temos de considerar a posição contrária: pode ser que o FITAIJ não tenha interesse, mas com espectáculos e visões únicas de oferta artística e não serem aproveitadas por jovens que estão em formação, é muito esquisito …

É que os espectáculos e actividades são bons em qualquer parte do mundo e são até obras inovadoras nas suas técnicas, estéticas e conteúdos… servem os objetivos de metade do concelho (e até de outros), mas para a metade norte dos decisores escolares do concelho de Santarém, eles não servem…

E já agora, também não fizeram um pequeno esforço para denunciar a situação ou articular outros interesses mútuos com benefício para os/as discentes em formação … sejam os das áreas artísticas, sejam as/os discentes de outras disciplinas, como o português, a história, matemática, física…. Porque as artes estão e devem ser colocadas ao nível de qualquer outra disciplina.

Há iniciativas ou workshops educativos previstos para escolas e jovens durante o festival?

O Festival tem tido a preocupação de apresentar acções de formação conforme os interessados e as nossas possibilidades. Este ano, a formação é para uma oficina de pintura para crianças e jovens, através do Projeto VikArte, no sábado à tarde, realizado em parceria com a AMA Associação Movimento Aberto, para jovens dos 3 aos 17 anos. E em colaboração com a Professora de Oficina de Teatro, da Escola Básica Alexandre Herculano, apresentamos um espetáculo / formação para os respectivos discentes.

Que critérios são utilizados para a selecção dos espectáculos e companhias participantes?

Esse é um ponto essencial para os Festivais. Há várias possibilidades, mas basicamente é preferível visionar espectáculos, ir a Feiras de Teatro, que pode ser mesmo em Espanha, pelo menos, onde há quase uma Feira ou Festival por mês e onde também se pode contactar com os artistas, os produtores e distribuidores e esclarecer dúvidas sobre uma determinada atividade performativa.

Em Portugal, só há a Feira de Teatro do Fundão, no final de Junho… é também uma boa oportunidade. Depois tentar que existam espectáculos que se vejam pouco na cidade e que as crianças e jovens possam ter oportunidade de assistir a espectáculos ou atividades que lhes façam ver o mundo de outras formas menos habituais, para seu enriquecimento próprio e dos seus amigos e familiares, por essa via … e de forma divertida, quando possível …dentro das áreas artísticas que temos privilegiado.

Como tem sido a colaboração com a Câmara Municipal de Santarém e outras instituições parceiras na organização do festival?

As parcerias têm sido muito positivas com todas as entidades mencionadas como parceiras, no programa. CMS, INATEL e Junta de Freguesia da cidade têm tido um papel fulcral e determinante na forma como este modelo de Festival está a funcionar, garantindo autonomia e disponibilidade para as dificuldades inerentes, quer com os apoios económicos quer com os apoios logísticos, que parecem invisíveis, mas são imprescindíveis para que as atividades aconteçam como se prevêem…

Há ainda alguns aspetos a limar quer da nossa parte, quer da parte das outras parceiras, mas caminhando todos no mesmo sentido é possível satisfazer os desejos e aspirações dos jovens e crianças do concelho, sensibilizando-os para o benefício das atividades artísticas na sua formação e comportamento social… Assim se queira fazer esse percurso comum de interesses…

De resto, todas as parcerias, cada uma à sua maneira, permitem que o Festival se apresente com capacidade para chegar a tantos jovens como às suas famílias… e é esse caminho que se abriu em 2015, para caminharmos juntos com quem quer cumprir esse bem comum, mais encorajador e desafiante para o interesse da cidade e do concelho, afirmando as artes como área de transformação e melhoramento de cada um de nós…

De que forma o FITAIJ promove a inclusão e acessibilidade para crianças com necessidades especiais ou em situações de vulnerabilidade?

Isso acontece quer com atividades em que se beneficie diretamente das formas inclusivas, quer daquelas em que os destinatários podem participar, quer ainda integradas na oferta artística do Festival … como acontece com a APPACDM que participa em 2 atividades, sendo que as condições de inclusão e acessibilidade são trabalhadas para não deixar alguém pelo caminho…

Por outro lado, isso depende também do orçamento disponível para acudir a esse tipo de situações mais facilitadoras, mas no caso das escolas, seguem-se os critérios estabelecidos pelos serviços de apoio social escolar. Um lema que temos há muitos anos é que nenhum aluno que queira estar numa atividade deve ser impedido por não ter dinheiro … e isso tem sido conseguido em articulação com o corpo docente.

Quais os desafios mais significativos que a organização tem enfrentado ao longo dos anos e como são superados?

Como disse há pouco, o maior desafio, que vem resvalando para cima da mesa das nossas preocupações, é as escolas e os docentes que não estão a facilitar o acesso dos discentes a obras que são essenciais ao desenvolvimento conjugado das crianças e jovens… Este Festival, embora não pareça, tem feito muitas atividades desafiantes para os jovens e formas de fazer diferente, ofertas que são salutares em qualquer sítio e o maior desafio é que um número cada vez maior de jovens possa usufruir delas… e vamos tentando superar estas metas a cada ano …

De que forma o festival tem evoluído ao longo das edições e quais são os principais marcos alcançados até agora?

Referindo os anos mais recentes, o FITAIJ tem-se desenvolvido à escala dos apoios que vai conseguindo a cada ano, no intuito de tocar cada jovem com acções artísticas, mesmo os mais renitentes (que também existem), com um sinal de espanto e de propostas e situações emotivas vistas e sentidas pela primeira vez.

Os destaques marcantes têm sido objectivados através duma orientação muito simples: juntar os parceiros que queiram fazer o mesmo caminho e que queiram dar satisfação aos escalões mais jovens da sociedade e da comunidade escolar e suas famílias.

Tentar que, a cada ano, se consiga cumprir o objetivo de chegar à marca FITIJ, junto de cada vez mais públicos e tentar, competindo com outros orçamentos maiores, trazer atividades com diversos graus de novidade artística.

Outra ideia é manter o apoio a artistas locais, dentro das possibilidades orçamentais e das propostas dos interessados.

Por outro lado, expandir o Festival a outros públicos e interessados, aproveitando o facto de termos artistas estrangeiros com outras visões e experiências diferentes a partir dos países e culturas diferentes da nossa…

Existem planos para expandir o Festival a outras localidades ou territórios, ou fortalecer ainda mais a sua ligação a Santarém?

Claro … essa tem sido uma das referências de que nos podemos congratular que é aproveitar os artistas, sobretudo estrangeiros, enquanto vêm a Santarém, poderem também apresentar as suas obras noutros concelhos. Isso tem acontecido com os municípios vizinhos e as suas escolas para polarizar o Festival como irradiador e facilitador, em melhores condições, de uma oferta cultural que, de outro modo, seria mais penalizadora ou proibitiva.

Por outro lado, vamos tentando, a cada ano, cumprir parcerias com outros agentes artísticos para minimizar custos da deslocação dos artistas (atualmente muito mais caras) a Portugal, o que tem acontecido com Festivais que ocorrem nesta mesma altura (Leiria em vários anos, ou os exemplos de Alcobaça, Póvoa de Varzim, Gaia, Porto, Maia, Águeda, Vila do Conde…)

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