Distinguido pela Fundação Calouste Gulbenkian pelo seu envolvimento cívico, o jovem abrantino Tiago Ricardo é um exemplo de dedicação à comunidade e excelência académica. Com um percurso marcado pela liderança na Associação Juvenil Cem Rumos e pela organização do Vale das Mós Summer Fest, Tiago fala ao Correio do Ribatejo sobre os desafios enfrentados, a importância do associativismo e o papel transformador da juventude na sociedade.
Foi distinguido pela Fundação Gulbenkian pelo seu envolvimento cívico, mas já soma várias distinções académicas. O que o motiva a manter um ritmo tão intenso de atividade e participação?
Desde muito cedo, compreendi que a educação e o envolvimento cívico são dois pilares fundamentais para a transformação da sociedade. Cresci com a noção clara de que o acesso ao conhecimento é simultaneamente um privilégio e uma responsabilidade, e que cabe a cada um de nós utilizar as oportunidades que nos são concedidas para construir um futuro mais justo e sustentável. Nesse sentido, sempre encarei a excelência académica não apenas como um objetivo individual, mas como um instrumento para impactar positivamente a comunidade em que me insiro.
O meu percurso académico tem sido pautado por uma auto-exigência constante, fruto de uma dedicação inabalável ao estudo e à compreensão das dinâmicas que moldam a sociedade, sempre com o objetivo de saber e apreender o máximo possível e colocá-lo ao serviço dos outros. Desde o meu ingresso no ISEG – onde tive a honra de ter sido distinguido com os Prémios Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos e Otelinda Silveira – sempre procurei conciliar o rigor da investigação académica com uma perspetiva aplicada. Felizmente, já tive algumas oportunidades de transformar essa pretensão em realidade, por via da participação na publicação de um artigo académico e de um policy paper. Acima de tudo, pretendo contribuir, na medida do possível e das limitações que ainda sei ter fruto da minha idade, para o alargamento dos horizontes do conhecimento e para propostas concretas de melhoria do funcionamento das instituições. Perceber que o nosso esforço se repercute em resultados é uma das melhores sensações que nos motiva para continuar, que a nível académico, mas também na vertente associativa e de participação cívica.
Acredito que a participação cívica é um dever inerente a qualquer cidadão que ambicione uma sociedade mais equitativa e democrática. Foi essa convicção que me levou a envolver-me desde cedo, como Presidente fundador de uma associação de estudantes no ensino básico, em associações juvenis, a ser deputado municipal na Assembleia Municipal de Abrantes e a integrar órgãos como a Federação Nacional das Associações Juvenis.
Contudo, creio que foi a minha experiência na Associação Juvenil Cem Rumos, organização que tive o privilégio de presidir até há poucos dias, que me fez perceber efetivamente de que forma podia ser útil para a comunidade: intervindo diretamente sem descorar as minhas origens e percebendo que, independentemente da escala geográfica, podemos sempre ser agentes de mudança, envolvidos na causa pública, e dinamizadores da nossa comunidade. O Vale das Mós Summer Fest, que organizámos, é um exemplo da capacidade dos jovens para criarem impacto local, contrariando a ideia de que as pequenas localidades estão condenadas à estagnação e de que os jovens estão resignados ao marasmo. É precisamente essa consciência – a de que o nosso potencial não se deve restringir pelas limitações do meio em que crescemos – que me motiva a continuar a trabalhar, a participar e a contribuir.
Creio que o mote é “participar, participar, participar”, porque certamente que cada projeto têm o poder de influenciar positivamente o rumo das nossas comunidades. A materialização desse impacto – seja no plano académico ou cívico – é a maior motivação para manter um ritmo intenso de atividade e participação.
Qual considera ter sido o maior desafio enfrentado durante os quatro anos à frente da Associação Juvenil Cem Rumos?
É inegável que os últimos quatro anos foram dos mais desafiantes e enriquecedores da minha (ainda curta) vida, muito por força da jornada de presidência da Associação Juvenil Cem Rumos. Assumimos este projeto num período de extrema incerteza, marcado pelos constrangimentos da pandemia, que colocou limitações à mobilidade, ao convívio social e à realização de eventos presenciais. No entanto, em vez de encararmos estas adversidades como obstáculos intransponíveis, escolhemos vê-las como uma oportunidade para repensar e fortalecer a identidade da Associação, preparando o terreno para o seu crescimento sustentável a longo prazo.
Desde o primeiro momento, compreendemos que a nossa estratégia teria de assentar na potenciação da imagem da Cem Rumos e na amplificação da sua presença no espaço público. Foi com esse espírito que amplificámos o nosso slogan “Este Vale vale a pena”, não apenas como um lema institucional, mas como um verdadeiro compromisso de valorização do território e das suas gentes. Reformulámos a nossa comunicação digital, tornando-a mais envolvente e direcionada, e repensámos o espetro das nossas iniciativas, garantindo que as mesmas fossem mais direcionadas para a juventude e de impacto alargado. No entanto, não descorámos as nossas origens.
Um dos exemplos mais marcantes deste esforço foi a criação de uma campanha de merchandising inspirada nas nossas tradições, que deu origem a uma linha de vestuário associada à identidade local. Tal reforçou o orgulho comunitário nas nossas raízes, como também permitiu angariar fundos para outros projetos, demonstrando a nossa capacidade de inovar e gerar impacto tangível na comunidade.
No entanto, se há um desafio que verdadeiramente testou a nossa resiliência, a nossa visão estratégica e a nossa capacidade de execução, foi, sem dúvida, a dinamização do Vale das Mós Summer Fest. O nosso objetivo era ambicioso: transformar um evento local num verdadeiro motor de atratividade territorial, promovendo não apenas a cultura e a juventude, mas também a dinamização do turismo regional. Para concretizar esta visão, tivemos de partir do zero – sem conhecimento prévio na organização de eventos de grande escala, mas com uma determinação inabalável em aprender, adaptar e superar cada desafio.
A necessidade de coordenar equipas, estabelecer planos de contingência, garantir todas as condições técnicas e operacionais e, ao mesmo tempo, manter a essência comunitária do evento foi um exercício de equilíbrio exigente, que nos colocou à prova em múltiplas dimensões. No entanto, o que tornou este desafio verdadeiramente singular foi o facto de termos feito e organizado quase tudo pelas nossas mãos. Não havia um manual que nos ensinasse a transformar um sonho num evento consolidado – tudo foi fruto de um processo contínuo de experimentação, adaptação e resiliência. E, hoje, podemos afirmar com orgulho que conseguimos não apenas criar um verdadeiro festival, mas sim estabelecer uma referência cultural e social na nossa região.
Se há algo que esta experiência me ensinou, foi que a perseverança, o espírito colaborativo e a capacidade de inovação são os verdadeiros alicerces do sucesso. Demonstrámos que, independentemente da dimensão da nossa localidade ou das limitações iniciais, podemos ser tão grandes quanto os maiores – desde que haja visão, compromisso e uma vontade genuína de transformar.
O Vale das Mós Summer Fest tornou-se numa referência nacional. Como surgiu a ideia deste projecto e qual o impacto que sente que teve na sua comunidade?
O Vale das Mós Summer Fest nasceu em 2014 como reflexo da ousadia e da ambição da Associação Juvenil Cem Rumos, que sempre procurou assumir-se como a principal dinamizadora do associativismo juvenil no concelho de Abrantes. No entanto, até 2022, o evento enfrentou desafios significativos, sobretudo de natureza financeira, que limitaram a sua capacidade de crescimento e consolidação. A organização de um festival de verão, que alia um cartaz arrojado a uma estrutura audiovisual de qualidade, acarreta custos elevados – e num cenário de inflação crescente, a viabilidade de um modelo sustentado era um dos maiores entraves à sua concretização.
Foi precisamente este desafio que a nova equipa da Associação, assumida em 2020 – em plena pandemia –, decidiu encarar. Ambicionávamos transformar o festival, elevando-o de um evento local para uma referência de âmbito regional e nacional. Não nos limitámos a sonhar: estruturámos um plano detalhado, exequível e sustentado, que equacionava todos os riscos financeiros envolvidos e estabelecia um modelo que permitisse alcançar uma escala inédita para a nossa realidade territorial. Desde o primeiro momento, o nosso objetivo era claro: colocar Vale das Mós no mapa, não apenas como um ponto de encontro para a juventude, mas como um verdadeiro motor de dinamização económica, cultural e social para a nossa terra.
Para concretizar esta visão, procurámos junto da Câmara Municipal de Abrantes e da União de Freguesias de São Facundo e Vale das Mós o apoio necessário para ultrapassar as limitações dos modelos tradicionais de financiamento, que se revelavam insuficientes para um festival desta envergadura. Fomos transparentes desde o início, explicando que a inflação e o aumento dos custos no setor exigiam uma abordagem mais estratégica e inovadora. É com profunda gratidão que reconheço a confiança depositada em nós, nomeadamente pelo Presidente da Câmara Municipal de Abrantes e pela Vereadora da Juventude, que acreditaram no potencial da nossa geração. Ainda assim, este foi sempre um modelo financeiro desafiante e, em certa medida, especulativo, pois dependia do sucesso do evento e das receitas próprias para garantir a sua viabilidade.
O verdadeiro ponto de viragem residiu na nossa capacidade de arriscar e inovar. O festival só poderia afirmar-se como uma referência se conjugássemos uma programação musical diferenciadora, uma experiência imersiva e um valor de acesso justo, tornando-o simultaneamente atrativo e sustentável. Hoje, é gratificante perceber que o Vale das Mós Summer Fest se consolidou como um evento incontornável no panorama regional, reconhecido como um espaço que promove a juventude, o lazer e o espírito de verão, sempre enraizado nas tradições locais.
No entanto, mais do que os números e o impacto mediático, o que verdadeiramente nos orgulha é a forma como o festival se tornou um projeto comunitário, agregador e inspirador. O evento não apenas gerou retorno financeiro para o comércio local, alojamento e restauração, como também fortaleceu o sentido de identidade e pertença da população. Ao longo dos anos, a comunidade envolveu-se ativamente na preparação e execução do festival, quer na decoração dos espaços, quer na logística do evento, demonstrando que acreditava no nosso trabalho e naquilo que o festival representava para a nossa terra. Foi esta comunhão de esforços que transformou um sonho inicial num diamante a lapidar, pronto para crescer e aperfeiçoar-se a cada edição.
O reconhecimento desta iniciativa ultrapassou as fronteiras do nosso território. O festival foi destacado nos media nacionais, consolidando parcerias estratégicas como a realizada com a rádio Cidade FM. Além disso, assumimos um compromisso com a sustentabilidade, sendo reconhecidos como Eco-evento pela Valnor, e diversificámos as experiências proporcionadas ao público, com a criação de merchandising oficial (pulseiras, t-shirts, copos personalizados), o lançamento de playlists e materiais exclusivos, a organização de pool-parties, mas também de uma color-run de grande sucesso.
Nos últimos três anos, conseguimos trazer a Vale das Mós três bandas, sete DJ’s e sete cabeças de cartaz, incluindo alguns dos artistas mais ouvidos em Portugal nos respetivos anos. A execução de um projeto desta dimensão exigiu não apenas um esforço extenuante e inúmeras noites sem dormir, mas também uma resiliência inabalável para superar os desafios logísticos e financeiros que surgiram ao longo do percurso.
Hoje, ao olhar para o impacto do Vale das Mós Summer Fest, posso afirmar com convicção que não se trata apenas de um festival, mas de um símbolo de ambição, trabalho e visão coletiva.
Como vê o papel dos jovens na política local? Sente que têm hoje mais voz e influência na definição do futuro das suas regiões?
Certamente! Nos últimos anos, temos assistido a um aumento da consciência cívica entre as novas gerações, o que se traduz numa maior predisposição para intervir no espaço público, seja através dos canais tradicionais de participação política, seja por meio de novas formas de ativismo e mobilização social.
Se olharmos para a história recente, percebemos que os jovens sempre desempenharam um papel crucial na reivindicação de mudanças estruturais, muitas vezes questionando paradigmas estabelecidos e introduzindo novas perspetivas sobre desafios emergentes. No contexto da política local e regional, essa influência tem-se manifestado de forma particularmente evidente em temas como o emprego, as ofertas formativa e de juventude e o desenvolvimento económico, não descorando temáticas fraturantes mais transversais como a sustentabilidade ambiental, as igualdades de oportunidades e de género, a inclusão social e a digitalização dos serviços públicos. A juventude, por natureza, tende a ser mais recetiva à inovação e mais sensível às injustiças, e isso reflete-se na forma como procura redefinir prioridades e pressionar as instituições para que adotem abordagens mais progressistas e eficazes.
Por outro lado, hoje é inegável que os jovens têm ao seu dispor um conjunto de ferramentas que lhes conferem uma capacidade de influência sem precedentes. A ascensão das redes sociais e das plataformas digitais transformou radicalmente a forma como se constrói o debate público, permitindo que vozes que antes estavam à margem dos processos de decisão possam agora alcançar um público vasto e diversificado. A rapidez com que as campanhas digitais se disseminam e a facilidade de organização proporcionada pela tecnologia têm permitido que os jovens exerçam um impacto direto sobre a agenda política, muitas vezes forçando respostas mais céleres e efetivas.
Contudo, apesar destes avanços, persistem desafios estruturais, como a sub-representação dos jovens nos processos e órgãos decisórios. Os jovens não estão desligados da política, mas muitos jovens ainda sentem que o sistema político não responde às suas aspirações, o que pode gerar frustração, desmotivação e afastamento. Os partidos políticos e os órgãos de governo têm de responder inequivocamente e a todo o tempo se contam com os jovens. Para isso é necessária permanente auscultação e inclusão dos jovens na formulação de políticas. Os partidos não podem ficar estagnados no tempo, mas sim têm de reinventar-se e tornar as nossas causas (como a transição climática, a igualdade de género, um melhor acesso à habitação, o aumento dos salários médios e novos modelos laborais) nas suas causas-bandeira. E isso só acontece se formos vistos como parte da solução, reforçando a nossa representação em órgãos autárquicos e nacionais.
Além disso, o facto de muitos dos processos de governação local, como os conselhos municipais de juventude, terem se tornado excessivamente burocratizados tem dificultado a interação entre os jovens e as instituições, tornando-se um obstáculo à sua participação efetiva. Para que a voz da juventude tenha um impacto real e duradouro, é fundamental que se adotem estratégias concretas de envolvimento e proximidade. As autarquias e os decisores locais devem investir em mecanismos de participação acessíveis e transparentes, promovendo consultas públicas inclusivas e descentralizadas, fóruns de debate e incentivos à simplificação da criação de associações juvenis e de estudantes, por exemplo. Além disso, é essencial que se estabeleça um diálogo intergeracional produtivo, onde a experiência dos líderes políticos mais experientes se possa aliar à visão inovadora das novas gerações. Sem este investimento na capacitação e consciencialização, a participação política corre o risco de se tornar fragmentada e reativa, em vez de ser estruturada e sustentável a longo prazo.
Nesse sentido, penso que a renovação democrática depende da capacidade de envolver a juventude de forma genuína, aproveitando a nossa energia e o compromisso que queremos dar para impactar não apenas o presente, mas também o futuro das comunidades locais e da sociedade como um todo.
É também um jovem ligado à Economia e à investigação. Como concilia o rigor académico com as responsabilidades associativas e políticas que assumiu até agora?
A conciliação entre o rigor académico, a investigação e as responsabilidades associativas e políticas que assumi tem sido um desafio exigente. No entanto, sempre acreditei que o conhecimento deve ser um instrumento de transformação social e, por isso, procurei não apenas aprofundá-lo na academia, mas também aplicá-lo no contexto associativo e no debate público, nunca descordando aqueles que são os meus valores e o dever que tenho de demonstrar rigor e independência nos locais próprios.
A investigação em Economia exige método, disciplina e um olhar crítico sobre a realidade, qualidades que também são fundamentais na ação política e associativa. Seja na produção de estudos econométricos ou mais teóricos, como o de reforma do sistema eleitoral português que estou mais recentemente a levar a cabo, o meu trabalho académico permitiu-me compreender com maior profundidade os desafios estruturais do país e da economia como um todo, e, ao mesmo tempo, contribuir com propostas concretas para os mitigar. Essa abordagem analítica reflete-se também na forma como encarei a presidência da Juventude Socialista de Abrantes e o meu cargo enquanto Comissário Nacional da Juventude Socialista. Temos de ser cirúrgicos, analíticos e pensar com base na teoria, colocando todos os conhecimentos em prática. E penso que é isso que eu tento fazer a todo o momento: utilizar esses conhecimentos que fui apreendendo, aperfeiçoá-los e pensar políticas públicas, estruturar ideias, e utilizar o espaço que tenho para fazer valer isso mesmo, como voz da minha geração. Mas gostaria de dizer que eu não sou político, sou economista. Procuro apenas utilizar esse espaço político na qualidade de agente de mudança que sempre procurei ser, contribuindo com os meus conhecimentos e opinião para a melhoria do paradigma atual. Creio que a conciliação da academia e da participação cívica será sempre o mote para continuarmos a potenciar estratégias inovadoras, sustentadas e estruturais. Não o vazio de ideias, que, infelizmente, tende a persistir na política.
Naturalmente, gerir simultaneamente estas diferentes responsabilidades implica um nível elevado de organização e compromisso. A chave para essa conciliação tem sido uma rigorosa gestão do tempo e a capacidade de estabelecer prioridades. Mas lá está, mais do que ver estas áreas como esferas isoladas, sempre procurei criar pontes entre elas: a análise económica pode e deve informar a decisão política, assim como a vivência associativa proporciona um contacto direto com a realidade que muitas vezes escapa à teoria académica. A academia ensinou-me a valorizar o conhecimento, o pensamento crítico e a tomada de decisões fundamentadas; o associativismo reforçou a importância do trabalho em prol do outro e da mobilização coletiva; e as participações cívica e política permitiram-me compreender e aprofundar a responsabilidade inerente à representação, auscultando as necessidades dos meus pares, e apelando sempre à necessidade de ser humanista. No final, o que me motiva é a certeza de que estas diferentes faces da minha trajetória convergem num mesmo objetivo: contribuir, de forma informada e ativa, para construir uma sociedade melhor.