É algo que faz parte da cultura local e da história da cidade de Santarém. Há aqui uma especial tradição de comemorar o dia internacional da classe trabalhadora – o 1º de Maio.
E o operário gráfico Ernesto da Silva foi uma das pessoas que marcaram a fase inicial dessa história, no dealbar do século XX.
Padre Chiquito
Essa tradição scalabitana está consagrada no monumento ao «Padre Chiquito», inaugurado em 1919, frente à sede da Sociedade Recreativa Operária.
Os trabalhadores desta cidade comemoravam o seu dia prestando homenagem a um padre. O caso é ainda mais curioso, pois os seus ativistas e organizadores eram operários de influência republicana e anticlerical.
Uma influência bem clara no convite a Ernesto da Silva (de Lisboa) para discursar nos comícios do 1º de Maio de Santarém em 1901 e 1902.
Socialismo
Na história do socialismo em Portugal, Ernesto da Silva desempenhou dois papéis significativos.
Numa primeira fase, contribuiu para a difusão das ideias socialistas e marxistas em Portugal. Há vários testemunhos da época, acerca dos seus dotes oratórios em comícios populares.
E teve um papel ativo na imprensa operária.
Publicou também alguns livros de política e de teatro. Foi, aliás, um expoente do teatro operário, precursor do neo-realismo na representação literária da classe trabalhadora, das suas condições de vida e das suas lutas.
Em 1895, num congresso realizado em Tomar, Ernesto da Silva foi um dos sete membros efetivos eleitos para a direção central do antigo Partido Socialista Português. E chegou até a ser falado como possível delfim do ‘líder histórico’, Azedo Gneco.
República
Numa segunda fase, Ernesto da Silva entrou em ruptura com Gneco e tornou-se um porta-voz do apoio operário ao Partido Republicano.
Na altura muitos ativistas operários e sindicais deram esse passo. Quer socialistas, quer anarquistas. Mais tarde, muitos deles viriam a desiludir-se.
Mas deram um apoio fulcral para pôr fim à monarquia, em 1910. Ernesto da Silva já não chegou a ver essa mudança. Nem a desilusão. Faleceu no dia 25 de Abril de 1903. Tinha apenas 35 anos de idade.
Santarém, 1901
Segundo este jornal comentou à época, em 1901 “foi sobremaneira imponente e significativa a manifestação do 1º de maio, promovida pelas classes obreiras desta cidade” [Correio da Extremadura, 04/05/1901, p.3].
Na avenida das Portas do Sol formou- se um cortejo cívico que percorreu algumas ruas dos bairros de Marvila e Ribeira, antes de se dirigir ao cemitério.
Esse cortejo integrava carros alegóricos representando trabalhadores de diferentes ofícios, “alguns dos quais mereceram os reparos elogiosos da multidão que assistia ao desfilar, pela boa disposição com que foram ornamentados” [ibidem].
No cemitério, depositaram-se flores no túmulo do Padre Chiquito e proferiram- se alguns discursos. Depois disso, o cortejo regressou ao largo das Portas do Sol, onde se realizou um comício.
E foi aí que Ernesto da Silva discursou aos operários de Santarém.
A mensagem que trouxe foi a necessidade de se organizarem e de se instruírem, naquele tempo em que Portugal apresentava uma taxa de analfabetismo na ordem dos 74%.
Esse apelo não caiu em saco roto. Fundou-se então, em Santarém, a «Associação Operária de Classes, Instrutiva e Beneficiadora, “Padre Francisco Nunes da Silva”».
Santarém, 1902
No ano seguinte, foi essa associação que organizou aqui a comemoração do 1º de Maio. E voltou a convidar Ernesto da Silva.
Este jornal esteve lá e apontou-o como “um orador popular muito apreciado”. Do discurso, relatou que ele insistiu na organização dos trabalhadores e que também prestou homenagem ao «Padre Chiquito» [Correio da Extremadura, 03/05/1902, p.2]
A «Associação Operária» de 1902 não sobreviveria à morte daquele que parece ter sido o seu principal organizador, João Alexandre, ocorrida logo em 1904.
Mas foi uma etapa na organização da classe trabalhadora em Santarém. E na tradição do 1º de Maio nesta cidade.
LUÍS CARVALHO – INVESTIGADOR
