Segundo a revista Sábado de há dias, mais de 70 políticos e ex-políticos receberam um valor superior a 1,2 milhões de euros pelas empresas de media no ano passado como comentadores. Marques Mendes e Paulo Portas são os dois comentadores mais bem pagos, com cerca de 7.500 euros por mês. O programa Quadratura do Círculo custava por ano 400 mil euros SIC. Com a mudança para a TVI, as coisas não se alteraram. Francisco Louçã ganha 2.500 euros por mês como comentador da SIC, enquanto o eurodeputado do PSD Paulo Rangel ganha entre 1.000 a 5 mil euros por mês com a Renascença e a TVI.
O deputado do PSD Leitão Amaro recebe 1.500 euros por mês pelos comentários na SIC Notícias, e Marco António Costa 1.500 euros por mês para comentar no mesmo canal. Em 2017, Fernando Medina declarou 40.680 euros de rendimentos nos comentários que fez na TVI e numa coluna que tinha no Correio da Manhã. Ana Catarina Mendes, do PS, recebia 400 euros por programa na TVI.
Assunção Cristas (CDS), João Ferreira (PCP), Adolfo Mesquita Nunes (CDS) e Manuela Ferreira Leite (PSD) não revelaram quanto recebem.
São estas famílias que determinam a governação e não uns primos e umas “esposas” que andam a sacolejar pelos gabinetes. Areia para os olhos de papalvos em tempo de eleições. Governar é um efectivo exercício de domínio, ensinava Marcelo Caetano. Em regimes abertos, com liberdade formal de expressão e informação, o domínio é exercido através da ideologia do “não há alternativa”. Em vez de casse-têtes, cassettes. Tocadas com frequência e em vários meios, para entrar no bestunto.
Nas TVs, rádios e jornais o domínio sobre as mentes está nas mãos de famílias de políticos-comentadores, que impõem um pensamento e, antes de tudo a resignação. Têm a sua própria agenda e os seus comentários nunca são desinteressados, nem inocentes.
Fingem que estão a fazer uma análise desapaixonada e objectiva – sempre a bem do povo – para passar mensagens que só alguns decifram, ou a fazer uma catarse pessoal, ou a promover a sua própria imagem.
Existem Donos Disto Tudo na sociedade e os Donos Disto Tudo necessitam não só de liberdade e impunidade para os seus negócios, como de pregadores e apóstolos para pregarem a sua Verdade e legitimarem os seus atos. Tal como acontece com os sacerdotes das religiões, que apenas replicam as relações de domínio da sociedade.
Há uma religião oficial na governação e para a governação, uma doutrina dominante com os seus propagandistas, detentores de acesso privilegiado aos púlpitos de televisões, rádios e jornais. Funcionam na lógica das famílias e das seitas, protegendo-se e defendendo-se dos hereges e das heresias, das alternativas.
Há comentadores-políticos não alinhados com a religião dominante do “não há alternativa” ao capitalismo e ao neo-liberalismo? Há. Mas apenas em número adequado para que o poder dominante, a cúria, o núcleo duro, não se veja acusado de totalitário, nem que eles constituam uma ameaça à verdade oficial.
Todos os burros comem palha, mas é preciso saber dar-lha. As igrejas protestantes também eram toleradas no tempo da dominante Igreja Católica durante o Estado Novo, não podiam era ameaçar o seu estatuto de verdade oficial.
Por isso, relativamente a alguns membros da família reinante – a dos negócios e do mercado -, em vez de serem as televisões a pagar-lhes deveriam ser eles a pagar às televisões, pois os seus espaços são tempos de antena, propaganda ideológica veículos de valorização pessoal e política, oportunidades para ajustes de contas, ou tráficos lucrativos. Mas é para dar-lhes tempo de antena e espaço de pregação que existem as televisões, as rádios e os jornais da família.
Carlos de Matos Gomes
Escritor