Numa altura em que o país está a desconfinar lenta e cautelosamente, as tradicionais Festas de S. José, que assinalam o feriado municipal de Santarém, assumem um formato online, de 19 a 26 de Março. Motivo para o Correio do Ribatejo falar com Ricardo Gonçalves, presidente da Câmara de Santarém, sobre a sua visão cidade e os projectos que estão em curso.

A cerca de meio ano do encerramento do actual ciclo político, Ricardo Gonçalves – candidato a um novo mandato – responde aos críticos que o acusam de ‘navegar à vista’ e assume querer lançar “sementes para o futuro de Santarém”. “Contem connosco para decidir. Nem sempre vamos decidir bem, nem há ninguém que decida sempre bem, mas os executivos liderados por Ricardo Gonçalves tomam decisões”, avisa.

Estamos a viver as festas do Município, estas não serão as que de certo tinha idealizado. Que mensagem gostaria de deixar aos munícipes deste concelho sobre este momento, que nos últimos anos era sempre vivido com intensidade no Campo Emílio Infante da Câmara?

Não posso deixar de recordar o momento em que, no ano passado, apresentámos as festas da cidade. Foi a uma segunda feira e, na terça-feira, logo de manhã, tivemos que as desmarcar porque a pandemia já estava com níveis de crescimento muito assinaláveis. Foi uma decisão difícil: eu reuni o meu executivo e transmiti-lhe que não podíamos fazer estas festas, com os milhares de pessoas que vêm todos os anos a Santarém por esta ocasião.

Passado um ano, o sentimento é idêntico, embora já conheçamos melhor a o que está em causa. Já todos, colectivamente, passamos por situações complicadas: não há ninguém que não tenha um amigo ou familiar que já tenha tido Covid… Agora, já temos vacina, a tal ‘luz ao fundo do túnel’. Hoje, mais de 8.000 pessoas do concelho de Santarém já foram vacinadas. E gostaria de dizer que, apesar de termos esta ano, também, umas festas diferentes, vamos vivê-las com intensidade. Todos nós já nos adaptámos a esta nova realidade e as festas de S. José serão todas online. A mensagem que eu quero deixar neste feriado municipal é a de que temos que ter esperança. A nossa vida deu um passo atrás, mas, agora, vai ter que ganhar balanço e vamos ter que nos ultrapassar e vamos, todos unidos, fazer mais pelas nossas famílias, pelas nossas cidades, pelo País. Temos que estar determinados e esperar que a pandemia não nos traga mais surpresas.

Qual é a melhor noção de Cidade que alguma vez leu, ou que defende para Santarém?

A cidade é um todo. Eu uso muito um termo que define o que eu sinto, que é a palavra “telúrico”, que exprime o apego à terra. Para mim, a definição de cidade é o lugar onde vivemos, mas com uma componente de apego. Para estarmos e sermos temos que ter amor às nossas raízes. Tem que existir uma identidade que, muitas vezes, tem que ser trabalhada para ser mais vincada, mais afirmada. Para que quem nos visita se sinta bem acolhido e para que quem cá passe ou trabalhe deseje cá viver.

Para alguém que visita o concelho, como o apresentaria? Que características distintivas tem este território, do ponto de vista económico e empresarial, cultural e patrimonial?

Do ponto de vista económico, somos das cidades que tem maior poder de compra. Somos o 29º concelho, em 308, que tem maior poder de compra. Também somos um dos que possui menor taxa de desemprego e somos dos concelhos que, nas próximas duas décadas, vai crescer e afirmar-se mais em termos nacionais. São os indicadores económicos que o dizem. Ainda esta semana, o Jornal Expresso publica na sua rúbrica de imobiliário referências elogiosas a Santarém. Do ponto de vista cultural, somos uma cidade que sempre esteve na vanguarda e que tem, e quer ter, uma afirmação muito própria. Do ponto de vista social, temos grandes respostas: possuímos que funciona de forma excepcional. Recordo que, no momento da crise da Troika, isso percebeu-se de uma forma muito clara. Hoje, com a pandemia, temos conseguido, igualmente, dar resposta. As nossas IPSS, todas elas, têm uma capacidade imensa e um capital de conhecimento seguro para darem essas respostas. Felizmente, há uma parceria alargada em que as pessoas cooperam e prosperam em conjunto. Do ponto de vista empresarial, o concelho deve olhar com satisfação para aquilo que tem conseguido. Fala-se sempre muito da localização de Santarém. Quando fazemos o nosso comparativo com as outras cidades, com dados do INE, podemos ver, de ano para ano, a evolução clara. Naquilo que é a nossa região, a NUT III da Lezíria, representamos quase 30% das exportações. Ou seja: em 11 municípios, representamos quase um terço das exportações e em cada três empresas que são criadas, nestes 11 concelhos, uma é em Santarém. Há quem diga que há pouco investimento em Santarém, mas basta olhar para os números do INE para se verificar o oposto. Além disso, a autarquia desenvolve programas para incentivar a criação de empresas, como o Via Expresso Jovem, e o Via Expresso Investidor que, neste mandato, permitiram investimentos directos no concelho de 23 milhões e 900 mil euros. Temos, também a Startup Santarém, que é fruto de uma parceria entre a Câmara Municipal e a NERSANT, que tem tido uma importância extraordinária.

Que resposta dá, então, aos aos munícipes que dizem que há pouco dinamismo empresarial em Santarém?

Como já referi: basta olhar para os números. Só neste mandato, a Font Salem investiu 40 ME em Santarém, a Valsabor anunciou que vai fazer um matadouro de 25 ME, o maior da Península Ibérica, e, nos últimos 2 anos, investiu 15 ME. A Leroy Merlin investiu 6ME, a Olitrem duplicou a sua fabrica. A Bonduelle aumentou a sua fábrica com investimentos de 2,5 ME a Unicer, que tinha saído de Santarém, voltou e criou cá uma plataforma logística e investiu 3 ME. Temos a Santa Carnes com investimento de 2,5 ME. Isto só para dar alguns exemplos. Temos reuniões semanais com muitos investidores que olham para Santarém com muito interesse para aqui investirem capital. Um outro indicador que contraria essa alegada falta de dinamismo é taxa de desemprego que, em Santarém, se situa a pouco mais de 5%, com o país nos 7.5%. Do ponto de vista pendular, temos muito mais pessoas a trabalhar em Santarém do que as que saem de Santarém para trabalhar. Basta ir à zona industrial e ver as empresas que estão a ser compradas. E convido a que vão a Alcanede verificar o que está a ser feito. Agora, eu dei exemplos concretos, investimentos nos últimos três anos, fora aqueles que são imperceptíveis, mas fundamentais para termos um concelho robusto sob o ponto de vista económico.

E como está a cidade e o seu património?

Do ponto de vista patrimonial, Santarém tem a riqueza que todos conhecemos, tem uma história fabulosa. Santarém tem, de uma vez por todas, de deixar de olhar para si própria com o complexo de Garrett, de dizer que está tudo destruído, que está tudo mau. Santarém tem um Museu Diocesano fabuloso. Recordo que o Prémio Europa Nostra distinguiu em 2016 a Catedral de Santarém em conjunto com o Museu Diocesano. O Prémio é a mais alta distinção na Europa no campo do património histórico e cultural. O Convento de S. Francisco esteve fechado décadas e foi um executivo do PSD que o abriu novamente à fruição de todos. A Igreja de Alcáçova esteve anos fechada e a diocese conseguiu recuperar o espaço com a nossa ajuda. Temos agora S. João de Alporão e a Igreja de Santa Iria a serem intervencionados. O património está a ser recuperado. Temos muito que mostrar e dar a conhecer e o interesse do ponto de vista turístico está em crescendo. O município de Santarém, desde os anos 90, tinha em média 35 a 40 mil dormidas/ano. Nos últimos quatro anos, duplicou e passou para 91 mil dormidas. É neste pressuposto que estamos a fomentar toda a recuperação do Centro Histórico. Mas, igualmente, quase todas as freguesias estão hoje com obras. Mas tudo isto tem sido feito com estratégia e equilíbrio das contas públicas.

Recandidata-se às próximas autárquicas num terceiro mandato. Alguma vez pensou não o fazer?

Este não é ainda o momento de falar sobre autárquicas. Eu acho que o trabalho que desenvolvemos aqui nos últimos dois mandatos foi muito difícil. Em 2013, entrou uma nova geração de autarcas com outras responsabilidades, com um quadro legal apertadíssimo, que nos tirava muitas capacidades de actuar porque o espartilho legal hoje é muito extenso. Os autarcas que entraram em 2013 tiveram uma troika e, quando se estavam a começar a equilibrar tiveram uma pandemia. Eu conheço bem os orçamentos da Câmara e nunca tivemos um orçamento que permitisse investir tanto como hoje, porque consolidamos as contas. Acabamos com o que era a norma, que era “fazer, fazer, e depois pagar com juros, tarde e a más horas”. Isto também é feito de escolhas, também aceito que, se calhar, outras pessoas podiam fazer outras coisas. Mas se os municípios não se direccionarem para aquilo que são os quadros comunitários, podemos ter os melhores sonhos do mundo, mas depois não temos dinheiro para os concretizar.  Os quadros comunitários, quando apontam prioridades, é porque a Europa pensou que é mais importante fazer determinada obra. Nós, na parte desportiva, temos muito a fazer, e vamos fazer, mas sem fundos comunitários. Mas, para a recuperação dos CH (Centros Históricos) havia dinheiro porque a nível europeu foi entendido isso como fundamental. Algumas destas obras as pessoas nem pensavam que fossem acontecer, mas a realidade é que estão no terreno. É importante fechar este ciclo e iniciar um novo quadro, desenhar aquilo que acho que é importante para o futuro de Santarém. Recordo, por exemplo, Alfange, quando eu dizia que íamos recuperar as 40 casas ninguém acreditava. Era prometido há 30 anos e nunca tinha sido feito. Quando dissemos que íamos fazer o Pavilhão de Alcanede, dizia-se a mesma coisa. Agora, também, temos o pavilhão de Pernes que vai avançar.

O que está pensado para o novo ciclo de investimentos que se aproxima?

Quando terminar este quadro comunitário e vier o novo, temos já previsto avançar com alguns projectos. Temos que apostar num plano local de habitação: identificar, em Santarém, as famílias com habitação não digna, com condições desadequadas porque existem fundos comunitários que permitem colmatar a situação e o próprio ministro Pedro Santos disse que grande parte desses fundos serão a 100%. Nós já identificamos 322 famílias que precisam e vamos ter um plano de mais de 20 ME para executar até 2025 onde vamos comprar e reconstruir casas em várias freguesias e fazer alguma habitação publica nova. São projectos importantes e, no próximo mandato poderemos deixar sementes para o futuro de Santarém.

Santarém é uma cidade em obras neste momento. Como está o processo das obras das barreiras e o que gostaria de ver concretizado até ao final deste mandato autárquico?  

O processo das obras das barreiras está em curso. Infelizmente, temos tido algumas dificuldades porque é uma obra de geotecnia e esse tipo de empreitadas trás sempre surpresas. A pessoa que trabalha com a Câmara em acessória técnica é o maior especialista na área, o Professor Alexandre Pinto, e isso dá-nos garantias. A obra está a evoluir e é fácil verificar, basta ir ao local.

As barreiras continuam a ser um problema para todos. O Governo, finalmente, também está a fazer intervenção nas Portas do Sol. Mas eu tenho alertado, e o Sr. Ministro do Ambiente sabe, é que temos mais encostas que precisam de ser intervencionadas e o município tem esses projectos e precisará de mais cerca de 10 a 12 ME para esta obra.

O processo de desvio da Linha do Norte é uma causa perdida?

Eu acho que ainda há muito por explicar. O ministro Pedro Marques, em Janeiro 2019, apresenta um Plano Nacional de Investimentos 2030 com a variante Vale de Santarém-Entroncamento e, passado um ano, o ministro Pedro Nuno Santos tem um projecto completamente diferente em que aposta na linha de alta velocidade deixando Santarém de fora. O que eu defendo é que todos todos os partidos se unam nisto e pressionem no sentido de este investimento, da realização de uma variante à Linha do Norte, seja uma realidade. Há duas décadas que não se faz nada de relevante entre Azambuja e Entroncamento. Só pequenos paliativos. Esta questão não influi só Santarém. Há uma grande percentagem da população que sai prejudicada por não ser feito este desvio.

A maior parte das obras que estão a ocorrer no concelho são consensuais. Contudo, a questão da capela mortuária em São Pedro e o Mercado Municipal têm levantado celeuma. Sabendo o que sabe hoje, repetiria os mesmos procedimentos desde a primeira hora que estes problemas chegaram à sua mesa?

O que apresentámos é aquilo que achamos que é o melhor para a cidade. É diferente do que a maioria das pessoas está habituada. Para o Mercado, em concreto, temos um projecto que está virado para o futuro: queremos, claramente, em Santarém, um mercado diferente daquele que existia, a funcionar das 7:30 até à 0:00, todos os dias, com muita actividade e dinamismo cultural. Este processo começou há três anos, e o Município teve a capacidade de tentar juntar todas as pessoas e alinhar vontades. Agora, como é sabido, a Assembleia Municipal de Santarém chumbou a proposta de abertura de procedimento para concessão da exploração e gestão do espaço, com argumentos que, na minha perspectiva, não são os mais correctos, uma vez que o caderno de encargos proposto salvaguardava uma “discriminação positiva” em relação aos antigos vendedores. Há pessoas que acham que o facto de o mercado funcionar de forma dinâmica é prejudicial para o CH. Não pode haver medo do futuro. O mercado ou abre bem, com dinâmica, – e para isso é preciso know how para o fazer – ou continua na mesma. Não podemos dizer que primamos pela modernidade e, depois, cada vez que há uma oportunidade, temos receio de avançar. É claro, que há aproveitamento político disso. A oposição não tem nenhuma alternativa ao modelo proposto. Ninguém apresentou uma solução, apenas disseram que não fariam assim. Apontaram situações menos boas, mas não houve uma única alternativa. É legitimo não concordar, temos que respeitar. Mas não nos podem apontar o dedo por propormos aquilo que achamos melhor para Santarém. Isto foi trabalhado durante muito tempo e as decisões que tomamos têm um grande respaldo técnico. Muitos também tinham dúvidas com o crematório e hoje é uma questão que está consolidada.

A casa mortuária na zona de São Pedro também está a levantar reservas. Que respostas tem para estas críticas?

O Município tem terrenos e até adquiriu mais junto ao cemitério, por uma questão de fazer, no futuro, novas casas mortuárias e também ampliar o estacionamento. Pensámos em várias soluções, mas tínhamos um projecto que foi apresentado em 2009, em parceria com a Diocese, para avançar. Aqui, estamos a fazer um “dois em um”: a recuperar uma capela que funcionará para valências da Igreja e a construir capelas mortuárias anexas. Futuramente, iremos fazer outras casas mortuárias junto ao Cemitério dos Capuchos. Temos que tomar decisões, e eu acho que decidimos bem. Outros podem achar outra coisa, mas temos que tomar decisões que olhem para todo o território e não só para a cidade. Já estou aqui há alguns anos no Município de Santarém. Irei agora, se calhar, para um último mandato. Agora, muitos dos chamados protagonistas que falam contra a nossa gestão, essas tais ‘bolhas’ de opinião, não tem capacidade de decisão. A única decisão que têm é adiar Santarém e para isso, não contem connosco. Contem connosco para decidir. Nem sempre vamos decidir bem, nem há ninguém que decida sempre bem, mas os executivos liderados por Ricardo Gonçalves tomam decisões.

A pandemia do novo coronavírus colocou o mundo em alerta. A resposta, como em tantas situações, passa pela intervenção local, em que o Presidente do Município tem um papel decisivo, de coordenação e intervenção. Como tem vivido o concelho estes tempos?

A questão da pandemia não tem sido fácil para ninguém. Nós, nos últimos meses, temos feito muito, há semelhança de todos. Desde aquisição de equipamentos de protecção individual para uma série de entidades, isenção de pagamentos de taxas, descontos no pagamento da água e resíduos, às IPSS, às famílias e às empresas. Isentamos, durante alguns períodos os pagamentos dos restaurantes, das IPSS, entre outros. Um pacote extenso de medidas que se alargou às escolas com a aquisição de computadores e kits de Internet para dar às crianças. Foi algo que ajudou em momentos cruciais algumas dessas entidades. Estamos agora a implementar alguns projectos, como a ajuda com vouchers de 10 euros para compras no comércio tradicional, nos restaurantes. Isto já foi deliberado e tem um pacote de 20 mil euros, mas poderá ser mais.

Recordo que os municípios, todos, e não só nós, quando havia a questão dos ventiladores, o Município de Santarém gastou 50 mil euros nesses equipamentos para entregar ao Hospital. Foi a CIMLT que os comprou e nós todos comparticipamos, mas tanto o Município de Santarém, como o de Rio Maior, tiveram uma fatia maior relativamente a essa comparticipação. Relembro que temos duas entidades que fazem uma intervenção de primeira linha, a Cruz Vermelha de Santarém e a Santa Casa da Misericórdia de Pernes, e recentemente deliberamos um apoio de milhares de euros para detectarem se há pessoas que têm carências alimentares ou que tenham dificuldades em adquirir bens de primeira necessidade possam dar apoio.

Estamos também a ajudar a pagar rendas de casa a pessoas que não iriam conseguir de outra forma e o município actualmente paga medicamentos a 400 pessoas. Estamos a levar refeições a cento e muitos alunos. Foram muitas as medidas para famílias e empresas. Reconheço que, muitas vezes, não é passada essa informação de forma tão regular, até para que, quem tem esse cartão, que permite ser ajudado, não tenha vergonha de o mostrar. A nossa rede social funciona em estreita. Agora, ainda há um problema por resolver e que a pandemia veio expor: em Santarém foram identificados mais de trinta lares ilegais e eu acho esta realidade muito preocupante. Há uma responsabilidade que todos nós temos e teremos, certamente, que rever a legislação nesta matéria. Também nesses lares ilegais, o Governo vai ter que arranjar soluções. Somos o quinto pais do mundo mais envelhecido e nas próximas duas décadas não se prevê que vá melhorar. No fim de passar a pandemia, quando a economia arrancar, o problema que irá ficar mesmo é este dos lares. Quando nos dizem que no país há 35.000 idosos em lares ilegais é um número muito grande.

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