Prevista pela Constituição desde 1976, a instituição de regiões administrativas tem sido sucessivamente adiada, tendo, na única vez em que foi sujeita a referendo, em 1998, sido chumbada com 60,87 por cento dos eleitores a votarem no “não” à regionalização, numa votação que não foi vinculativa dado que menos de 50 por cento dos portugueses se deslocaram às urnas. Na região, os autarcas de Santarém (PSD) e Almeirim (PS) assumem-se como “defensores” da regionalização e consideram incontornável que o processo seja submetido a referendo por uma questão de legitimidade política. O social-democrata Ricardo Gonçalves confessa que gostaria que o processo de regionalização, de que é acérrimo defensor, “fosse mais rápido”, enquanto que o socialista Pedro Ribeiro não tem dúvidas que “a regionalização vem com 40 anos de atraso”.

O Presidente da República é favorável à realização do referendo à regionalização em 2024 e exortou os partidos políticos a colocarem as suas ideias sobre o processo à discussão nas próximas eleições legislativas.

“É o momento natural para os partidos políticos submeterem à apreciação dos portugueses as suas convicções e as suas ideias sobre a regionalização: processo e calendário”, afirma o chefe de Estado, considerando que não o fazer “seria deitar fora o instante adequado para apresentar e defender a sua visão sobre a organização administrativa do continente e o futuro da descentralização”, ou seja, para conseguir “a concretização da promessa constitucional de 1976 chamada regionalização”.

Também no Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), realizado em Dezembro último, o primeiro-ministro, António Costa, disse que, em 2024, será dada “voz ao povo” sobre a regionalização, depois de no final de 2023 se avaliar o caminho feito em matéria de descentralização.

Ricardo Gonçalves considera a regionalização “fundamental para a organização do território”

O presidente da Câmara de Santarém ouviu “com grande satisfação” a assunção do compromisso por parte do primeiro-ministro e do Presidente da República de realização do referendo sobre a regionalização em 2024.

O social-democrata Ricardo Gonçalves confessa que gostaria que o processo de regionalização, de que é acérrimo defensor, “fosse mais rápido”, mas disse compreender que, tal como defendeu o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “deve ser muito bem explicado aos portugueses”.

O autarca escalabitano lamenta, por isso, que, do que viu até agora dos debates da pré-campanha para as eleições legislativas antecipadas de 30 de Janeiro, o tema tenha estado ausente, apesar do apelo de Marcelo.

“Infelizmente as campanhas legislativas são feitas de ‘sound bytes’ e de estrutural pouco se fala. Infelizmente”, declarou.

Para Ricardo Gonçalves, a regionalização “é algo estrutural” e “devia-se começar, desde já, a explicar as vantagens” e os partidos a dizerem “porque é que são a favor da regionalização e o que é que isso traz para o país”.

Entre as vantagens, destacou a maior equidade, nomeadamente na realização de investimentos, acabando com a “litoralização do investimento” de que referiu como exemplos o desequilíbrio patente no Plano Nacional de Investimentos (PNI 2030), em que 70% se destina ao litoral e apenas 30% ao interior, e as reprogramações feitas a meio dos quadros comunitários de apoio, desviando verbas do interior para o litoral.
“Dou o exemplo, basta ir verificar o que é que aconteceu com cerca de 5 mil milhões de euros que eram para os territórios de baixa densidade e para combater a interioridade, quando depois foi necessário dinheiro para o Metro do Porto, o Metro de Lisboa e para a Linha de Cascais, esse dinheiro foi para lá e isto porquê?”, afirmou.

Além da equidade, Ricardo Gonçalves apontou o que se passa com os serviços descentralizados do Estado, sublinhando que a regionalização permitiria fazê-los coincidir com as regiões, “fundamental para a organização do território”.

“Esta é das coisas que me faz profundamente convicto de que a regionalização é melhor”, disse, referindo ainda a situação particular das sub-regiões da Lezíria do Tejo, na qual Santarém se insere, do Médio Tejo e do Oeste, que devido ao ‘phasing out’ de 2003 ficaram repartidas por três Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, respondendo a Lisboa em termos de ordenamento do território e ao Alentejo e ao Centro para os fundos comunitários.

O autarca apontou ainda os vários estudos que têm vindo a demonstrar a existência de divergências entre as regiões.

Lembrando o resultado do referendo realizado em 1998, em que o “não” só não foi vinculativo dada a elevada abstenção, Ricardo Gonçalves sublinhou a importância de serem explicadas aos portugueses as vantagens da regionalização, criticando “uma opinião escrita e falada que tem interesses para que a regionalização não aconteça”.

“[Isto] porque, no tal país a duas velocidades, esses que fazem essa opinião escrita e falada estão na primeira velocidade do país. Desafiava-os a ir viver um ano para territórios de baixa densidade, onde ainda hoje não há internet em boas condições e, se calhar, não podiam enviar os seus artigos nem falar para a televisão sem estar sempre a cair aquilo que estavam a dizer para perceberem a necessidade que há da regionalização e de haver maior equidade territorial, que hoje não existe”, acrescentou.

Reforçar a coesão territorial

No Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), realizado em Dezembro, o primeiro-ministro, António Costa, disse que em 2024 será dada “voz ao povo” sobre a regionalização, depois de no final de 2023 se avaliar o caminho feito em matéria de descentralização.

Em relação ao próximo mandato autárquico, entre este ano e 2025, o líder dos socialistas e actual primeiro-ministro defende que será de “consolidação do processo de descentralização para os municípios e áreas metropolitanas, ao mesmo tempo que prossegue o processo de alargamento das competências das CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional), agora legitimadas como representantes dos autarcas das regiões”.

“Estaremos assim em condições de no final de 2024 avaliar os resultados destes processos e promover amplo debate tendo em vista a concretização da regionalização, nos termos constitucionais”, sustenta o secretário-geral do PS.

No mesmo congresso, o Presidente da República mostrou-se favorável à realização do referendo à regionalização em 2024 e exortou os partidos políticos a colocarem as suas ideias sobre o processo à discussão nas próximas eleições legislativas.

Marcelo Rebelo de Sousa referiu que 2022 e 2023 não seriam “bons anos” para arrancar com o processo, quando o país ainda está a ultrapassar a pandemia da covid-19 e a arrancar com a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência, que “não haverá forma de vingar se o poder local não estiver metido no processo até ao fim”.

No seu discurso perante cerca de um milhar de congressistas, o Presidente da República avisou que a regionalização deve servir “para reduzir desigualdades, combater injustiças e superar discriminações intoleráveis”, e não para outros fins.

No essencial, o chefe de Estado entende que o processo deve servir para “reforçar a coesão territorial”, e “não é para os autarcas ou para algumas forças políticas criarem lugares após o termo dos mandatos ou para partilhar o poder entre os partidos mais fortes nos municípios ou freguesias”.

Marcelo Rebelo de Sousa alertou ainda que uma proposta de regionalização “mal concebida, mal explicada, mal concretizada, sem sensatez e consenso nacional poderá matar a ideia de regionalizar”, pelo que os partidos devem ser “muito claros” sobre a regionalização que pretendem ver implementada.

Se isto não acontecer, referiu, estar-se-á a “dar força ao centralismo e aos populismos, aos temores e às oposições e adversários da regionalização, e, nesse sentido, não servirá Portugal”.

Abstenção no referendo de 1998 foi superior a 50 por cento

A Constituição da República Portuguesa prevê, no artigo 236.º, a existência de regiões administrativas no continente, e estabelece, no artigo 255.º, que “são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma”.

O artigo 256.º da Constituição determina, contudo, que “a instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa, de alcance nacional e relativa a cada área regional”.

Segundo o mesmo artigo, “quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes não se pronunciar favoravelmente em relação a pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeitos”.

Nos termos do artigo 115.º, um referendo “só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento”. Em 8 de Novembro de 1998 os portugueses rejeitaram a instituição em concreto das regiões administrativas, prevista na Constituição, com mais de 60,87% de respostas “não”, num referendo sem efeito vinculativo, uma vez que a abstenção foi de 51,88%.

“A regionalização vem com 40 anos de atraso”

Pedro Ribeiro, presidente da CIMLT e da Câmara de Almeirim

O Primeiro-Ministro e o Presidente da República decidiram recentemente a realização de um referendo sobre a regionalização em 2024. Esta é uma decisão que já vem tarde?
Vem 40 anos atrasada. As regiões foram inscritas na nossa Constituição e nunca saíram do papel muito por culpa dos principais partidos que sempre falaram dela, mas nunca verdadeiramente, com excepção deste governo, deu passos para a implementar. O nosso centralismo não nos levou a descentralizar.

Considera que a regionalização devia ser um tema a debater durante esta campanha às legislativas?
Penso não só que devia, como é um tema da maior importância. Há quem entenda que regiões criam mais cargos, isto por norma é dito por quem não conhece ou finge não conhecer a administração desconcentrada do estado. As regiões já existem, os cargos já lá estão a diferença é que são nomeados e não eleitos. Façamos um raciocino ao contrário. Imaginemos que as Câmaras e as Juntas de Freguesia eram como as regiões. Ou seja, em vez de serem eleitos eramos nomeados pelo Governo e de acordo com as preferências políticas centrais. Será que o nosso País era o que é hoje. Estou certo que não e fora das grandes cidades a diferença ainda seria maior.

Sabemos que é um defensor convicto da regionalização. No seu entender o que é que o País e a Região ganham com este processo?
Ganhamos poder de decisão por pessoas eleitas. Muito da nossa vida e da vida das nossas empresas é decidido centralmente por pessoas que não articulam políticas porque cada um tem a sua “capelinha” ao mesmo tempo que não os podemos responsabilizar politicamente pelas decisões que tomam ou que não tomam. Como referi imaginem que os autarcas eram nomeados. As regiões não são mais que uma autarquia grande.

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